Uma visão sobre a Felicidade e o Bem-estar

Foi a experiência de vida de Cátia Arnaut que a fez despertar para o tema da felicidade e bem-estar. Viveu nos Emirados Árabes Unidos por 1 ano e em Angola 5. Nesse período observou que o rendimento não era um fator determinante para se ser feliz. O que seria então? O clima? A cultura? Teria a religião algum papel de influência? Em 2020 decide dedicar-se à pesquisa sobre o tema dedicando-lhe a tese de doutoramento que se encontra em fase de conclusão.

522

Porquê a felicidade?
Porque é o que qualquer ser humano almeja – ser feliz – e como tal deve ser dos temas mais importantes sobre os quais nos podemos debruçar. E porque é desafiante e complexo. Não há uma fórmula ou uma receita do tipo “one size fits all” – cada um de nós precisa de estímulos diferentes, em face do contexto em que nos encontramos na nossa vida, para sentirmos bem-estar. Eu prefiro o conceito de bem-estar ao da felicidade (concordo com a abordagem de António Damásio e dos neurocientistas de que o bem-estar é um sentimento, e por isso mais sustentável e de longo prazo).

O dinheiro traz ou não bem-estar?
Nim (risos). Isto é, para uma pessoa que não tenha as condições mínimas para uma vida digna, não tenha comida suficiente, uma casa para morar, acesso à saúde, é evidente que o rendimento é fundamental para poder responder às suas necessidades básicas. Contudo, está cientificamente provado que a nossa felicidade não aumenta, ou não aumenta ao mesmo ritmo, a partir de determinado nível de rendimento. Ou seja, para alguém que já tenha as suas principais necessidades asseguradas (como na pirâmide de Maslow), acréscimos no rendimento não correspondem necessariamente a acréscimos proporcionais em termos de bem-estar. Adicionalmente, está provado que as pessoas que ganham grandes prémios, como o Euromilhões, registam efetivamente um pico de bem-estar no período imediatamente subsequente a terem ganho o prémio. Porém, passado algum tempo, o seu nível de bem-estar regressa a níveis iguais ou muito próximos daqueles que registavam antes de ganhar o prémio, o que comummente chamamos de adaptação hedónica.

Se a resposta não é só dinheiro, o que é que nos traz bem-estar?
A investigadora Sonya Lyubomirsky defende que o nosso bem-estar depende de três fatores – a nossa predisposição genética para sermos felizes, as circunstâncias que nos rodeiam e a nossa atividade intencional. Se podemos fazer muito pouco ou nada em relação aos dois primeiros fatores, podemos agir intencionalmente para aumentar o nosso bem-estar. É aí que entram as chamadas happiness skills como as relações significativas, a generosidade, o propósito e a gratidão. Individualmente podemos precisar de as trabalhar todas, ou de apenas algumas em particular. O importante é conhecê-las, fazermos um auto-diagnóstico e procurar trabalhar aquelas em que somos menos fortes, cultivando-as e integrando-as na nossa vida. Conhecermos o nosso propósito tem um impacto importante na nossa relação com a vida profissional e com o direcionamento da nossa vida.

Nesse sentido, qual é a importância da publicação da Norma de Felicidade e Bem-Estar Organizacional (NP 4590)?
É um grande passo em todos os sentidos. Primeiro porque é uma iniciativa Portuguesa aplicável no mundo inteiro, na qual tive o privilégio de participar com comentários, e depois porque é um esforço importante no apoio às organizações para a implementação do bem-estar organizacional, estandardização de processos e a sua melhoria contínua. Num contexto em que há uma crise de liderança generalizada, em que a criação de espaços de segurança psicológica é premente, e em que é vital reter talento através de estratégias que têm de ir muito para além da remuneração, a publicação desta norma permite uma monitorização frequente do ambiente das organizações e dos seus colaboradores. Por outro lado, esta norma também desmistifica o conceito de que uma organização feliz é aquela que tem puffs para os colaboradores ou mesas de ping-pong – é muito mais do que isso. É o que os colaboradores sentem, como são tratados, como se relacionam com a organização e os seus valores, com os seus colegas e hierarquia. É uma mudança de paradigma importante do customer centric para o employee centric. Organizações com colaboradores engajados, motivados e que verdadeiramente vestem a camisola são mais produtivos, vendem melhor os seus produtos e serviços, prestam serviços de maior valor acrescentado e qualidade, em suma, fazem a diferença.

Mas a sua pesquisa está mais direcionada para o bem-estar a um nível nacional. O que nos falta para sermos tão felizes como na Finlândia e nos países nórdicos?
Tenho alguma “alergia” a rankings de felicidade. São muito populares e ajudam a promover o conceito, mas acredito que a existência do ranking ainda está muito colado ao modelo no qual vivemos, competitivo, e individualista, do “eu tenho de ser ou sou melhor que tu”. Acredito que um modelo baseado em bem-estar deverá passar por um modelo mais colaborativo do que competitivo, mais inclusivo do que marginalizante. Isto significa naturalmente uma mudança profunda em termos do enquadramento ideológico em que nos encontramos, muito marcado ainda pelas correntes neo-capitalista e neo-liberal. Essa ideologia ainda está em falta e certamente precisaremos de uma revolução cultural para que a mudança se dê com efeitos generalizados e maioritariamente globais. Não obstante, e respondendo à sua pergunta, há fatores claros que distinguem Portugal dos países nórdicos, que tipicamente ocupam os lugares cimeiros destes rankings. Para além do rendimento, que não é um fator desprezível, naturalmente, fatores como a confiança nas instituições que governam o país e os serviços prestados, como a educação e a saúde, explicam parcialmente as diferenças. O fator cultural não pode também ser ignorado, já que um Português nunca está verdadeiramente bem, mas antes “vai andando”. Esta nossa característica cultural, entre outras, que tem uma explicação histórica, de certa forma relacionada com a nossa matriz católica, também não nos permite responder no topo das escalas dos questionários sobre a nossa perceção individual de bem-estar. Contudo, posso adiantar que as inequidades, as assimetrias numa sociedade, sejam elas de género, de rendimento, educação, de raça ou credo, impactam o bem-estar da mesma. Isto é particularmente importante num contexto em que no mundo ocidental se acentuam os extremismos, e deveria fazer-nos equacionar a importância da diversidade e da inclusão. Na verdade, um estudo recente das Nações Unidas, apresentado em março deste ano, refere que a este ritmo precisamos de (mais) 300 anos para que a verdadeira igualdade de géneros se verifique no mundo. Portugal não é exceção nesta matéria, seja em termos de rendimento, seja em termos de divisão de tarefas.

Assim sendo, e para terminar, tem algum plano que possa partilhar na área do bem-estar?
Sim (risos). Depois de ter estruturado o curso de Felicidade Individual, Organizacional e Nacional na Universidade Nova de Lisboa no ano passado, está na calha uma reedição para além de mais duas formações previstas para 2024. Em paralelo estamos a ultimar o lançamento da Happyology, com serviços de consultoria na área do bem-estar, para empresas e pessoas individuais. Esperamos ainda poder vir a contribuir ativamente para a divulgação e implementação da Norma de Bem-Estar Organizacional.