
Dada a relevância da missão da Entidade Reguladora Independente da Saúde (ERIS), em proteger a saúde pública em Cabo Verde, poderia partilhar com os leitores de que forma a Entidade tem desempenhado o seu papel no ambiente regulatório local e no estabelecimento de padrões que promovem a segurança sanitária no país?
No âmbito do Programa do Governo da IX Legislatura, conjugado com o plano de reformas que visa o reforço das atividades de regulação técnica e económica existentes, a resolução de lacunas, nomeadamente a regulação da prestação de cuidados de saúde e a racionalização de estruturas, com ganhos de eficiência, o Governo criou da Entidade Reguladora Independente da Saúde (ERIS), através do Decreto-Lei n.º 03/2019, de 10 de janeiro, extinguindo-se, em consequência, a Agência de Regulação e Supervisão dos Produtos Farmacêuticos e Alimentares (ARFA), a Direção Geral de Farmácia (DGF) e a Inspeção Geral da Saúde (IGS).
Na prática, a medida revelou-se muito acertada, pois, efetivamente, há ganhos de eficiência, padronização das respostas e das práticas instituídas, com impacto assinalável a nível da racionalização da utilização dos recursos públicos e na imagem do Estado perante os cidadãos, os operadores económicos, a nível interno, e do próprio país a nível internacional. Neste momento, a ERIS já se encontra devidamente instalada e a funcionar com respostas muito positivas tanto nas atividades programadas a nível dos planos de atividades anuais, como na resposta às situações pontuais e supervenientes relacionados com as suas áreas de intervenção. A centralização da regulação independente de produtos alimentares, farmacêuticos e da prestação de cuidados de saúde sob a alçada de uma única entidade, dada à clara interligação existente entre essas áreas, trouxe maior agilidade e articulação, dissipação de dúvidas sobre as esferas de intervenção e eliminação de “zonas cinzentas”, com ganhos evidentes no desempenho do Estado na área da Saúde. Essa sinergia aperfeiçoou não apenas a eficiência do processo regulatório, mas também a garantia da segurança e da qualidade dos produtos e serviços oferecidos à população cabo-verdiana e aos que visitam Cabo Verde.
A ERIS teve um papel importante no enfrentamento à pandemia da COVID-19, adaptando-se rapidamente a esse novo contexto para dar as respostas adequadas, nomeadamente na fiscalização das medidas decretadas pelo Governo, mas também no controlo efetivo da grande quantidade de dispositivos médicos, medicamentos e vacinas (especialmente as autorizações de introdução no mercado de 8 vacinas contra a COVID-19) colocados no mercado, garantindo, assim, a segurança na sua utilização pelos cidadãos.
Particularmente, no âmbito do combate à COVID-19, a ERIS destacou-se na gestão dos processos de autorização de Dispositivos Médicos e Equipamentos de Proteção Individual (Lei n.º Lei n.º 88/IX/2020), avaliando e decidindo mais de 500 processos.
Ainda, a ERIS assumiu a coordenação do Comité Nacional de Gestão de Manifestações Adversas Pós Imunização, para as vacinas contra a Covid-19, recebendo e tratando as notificações de reações adversas (RAM) às vacinas da COVID-19 (85% das notificações de RAM recebidas em 2021 referem-se a vacinas contra a COVID-19).
Paralelamente, foram emitidas de orientações e informações aos operadores dos setores e ao público em geral, através de circulares normativas, informativas e boletins com temas alusivos à COVID-19.
A ERIS participou ativamente em centenas de ações de fiscalização conjunta no âmbito das medidas sanitárias decretadas pelo Governo para a contenção e combate à pandemia da COVID-19, bem como na realização de vistorias para a autorização do fabrico de máscaras de uso comunitário, em parceria com a Direção Nacional da Indústria, Comércio e Energia (DNICE) e o Instituto de Gestão da Qualidade e Propriedade Intelectual (IGQPI).
A ERIS tem tido um papel muito ativo e preponderante na informação, comunicação e educação dos consumidores/utentes, profissionais de saúde e dos operadores económicos, transmitindo informações atempadas sobre alertas e problemas sanitários relacionados com as suas áreas de intervenção, mitigando e prevenindo a ocorrência de eventos indesejáveis.
Igualmente, têm sido disponibilizados, ininterruptamente, documentos, manuais (nomeadamente os de Boas Práticas) e orientações aos operadores económicos dos setores sob a regulação da ERIS, o que tem impactado progressiva e positivamente sobre o seu modo de funcionamento, alinhando-os com as melhores práticas internacionais.
Por outro lado, têm sido feitos investimentos importantes na modernização da instituição, de modo a acompanhar as políticas do Governo no que diz respeito à desburocratização e à modernização dos procedimentos de gestão dos processos da ERIS, nomeadamente no contínuo aprimoramento da logística procedimental e desenvolvimento de soluções informáticas e de comunicação internas e externas, como são os casos dos sistemas de informação de suporte às atividades de regulação (abrangendo a necessária interação com os operadores económicos, com os profissionais de saúde, com os utentes e com a população de uma forma geral).
No âmbito da sua responsabilidade ambiental e alinhada com os esforços que o país vem fazendo no capítulo da eficiência e da transição energéticas, a ERIS está a investir na instalação de um sistema fotovoltaico que lhe permitirá garantir, logo num primeiro momento uma autossuficiência energética na ordem dos 70%, sinalizando-a como uma “entidade pró-verde”.
Está em curso o processo da abertura da Delegação da ERIS em São Vicente, prevendo-se o início do seu funcionamento em março de 2024, que irá dar cobertura às ilhas do norte do país, permitindo uma maior proximidade dos operadores económicos e da população, garantindo, deste modo, uma intervenção mais célere e eficiente.
Considerando o papel crucial da ERIS na segurança sanitária, de que forma a Entidade entende que as regulamentações rigorosas podem contribuir para atrair investidores no setor da saúde em Cabo Verde? Que estratégia vigora para equilibrar a regulação e a promoção do investimento?
Tem havido um impacto positivo na qualidade da prestação dos cuidados de saúde que, paulatinamente, vêm se adequando aos mais exigentes requisitos de funcionamento, nomeadamente no que diz respeito à necessidade/exigência de profissionais de saúde qualificados e de equipamentos adequados para o exercício de atividades específicas na prestação de cuidados de saúde. Isso representará, a médio termo, um mercado a funcionar sob elevados padrões de qualidade, o que, indubitavelmente atrairá a atenção de novos investidores e de cidadão estrangeiros para a instalação dos seus investimentos de saúde em Cabo Verde e para a realização dos seus tratamentos num ambiente mais ameno, respetivamente.
Os regulamentos desempenham um papel muito importante na seleção e atração dos melhores investidores, pois são esses que efetivamente querem trabalhar num ambiente de maior qualidade e diferenciação na prestação de cuidados de saúde, com transparência, previsibilidade, segurança e proteção dos seus investimentos.
No âmbito da visão da ERIS em ser reconhecida internacionalmente, em que medida a Entidade colabora com organizações estrangeiras para fortalecer a posição de Cabo Verde como um destino atraente para investimentos na saúde?
O fortalecimento de Cabo Verde como destino atraente para investimentos na saúde passa pela segurança e robustez que este possa colocar à disposição dos investidores, o que depende, em grande parte, das regras, da transparência e da proteção aos investimentos. A ERIS tem um papel importante na definição das regras de operação ou funcionamento dos investimentos realizados no setor da saúde, bem como na fiscalização do seu cumprimento. Este papel, obviamente, só poderá ser desempenhado de forma cabal se a ERIS tiver os ativos adequados, principalmente recursos humanos capacitados, para fazê-lo. E é neste ponto que as parcerias com organizações estrangeiras assumem uma posição de grande relevância, pois têm proporcionado, não só o alinhamento do país com as melhores práticas internacionais em saúde, mas também criado capacidade e massa crítica para continuar a proporcionar o desenvolvimento indispensável da matriz regulatória do setor da saúde. As parcerias, sejam elas nacionais ou internacionais, têm desempenhado (e continuarão a fazê-lo), um papel fulcral na criação das bases técnicas especializadas para a implementação e consolidação do papel da ERIS, permitindo traçar uma curva muito positiva de crescimento da capacidade técnico-científica endógena dos seus recursos humanos. A nível regulatório, isso significa medicamentos mais complexos e tecnologias de saúde inovadoras disponíveis num curto trecho de tempo após o início da sua avaliação, corroborando para a garantia de disponibilização de um turismo de saúde à altura das expetativas daqueles que procurem Cabo Verde para efetuar os seus tratamentos médicos.
A ERIS vem angariando, tanto na esfera nacional como internacional, reconhecimento como entidade provedora de conhecimento e capaz de suportar o crescimento sustentado de outras entidades congéneres em diversas matérias técnicas da sua competência, como é o caso dos PALOP e de organismos internacionais que têm aproveitado quadros da instituição para apoiar o desenvolvimento de outras entidades.
Além disso, de que forma a ERIS observa a interligação entre o desenvolvimento económico e os investimentos no setor da saúde em Cabo Verde? Quais são as estratégias para assegurar que ambos os objetivos sejam alcançados de forma harmoniosa?
A Saúde é, também, um setor económico muito relevante. Isto significa que a Saúde é parte integrante da economia de qualquer país e não será diferente em Cabo Verde. A relação entre a saúde e o desenvolvimento económico pode ser entendida como um processo que combina o crescimento, as mudanças na estrutura produtiva e a melhoria no padrão de vida da população. Depreende-se que esse binómio interage entre si, nos dois sentidos. É necessário desenvolver a economia para desenvolver ou melhorar as prestações de saúde, mas também é necessário que haja desenvolvimento da saúde para impulsionar o desenvolvimento económico. A melhoria das condições de saúde é fundamental para o desenvolvimento económico e social e para isto uma boa estratégia para melhorar o estado de saúde da população é o planeamento e a implementação de ações integradas capazes de atacar o ciclo pobreza-doença-sofrimento. Do ponto de vista da ERIS, para se estabelecer a relação entre a saúde e o desenvolvimento, faz-se necessário assumir a influência da saúde no crescimento económico, os efeitos negativos da doença sobre a produtividade e os benefícios económicos resultantes da melhoria no nível de saúde.
Assim, entendemos que, para que haja harmonia entre o crescimento económico e o desenvolvimento do setor da saúde, este último deve ser visto não apenas no sentido restrito, mas como parte importante do processo do desenvolvimento global, pois interfere diretamente no aumento da produtividade, não como um mero segmento da estrutura económica, mas, também, como área social que, indiretamente, favorece o capital humano e, consequentemente, participa de forma preponderante na geração do almejado desenvolvimento económico. Desde logo, não há registo de países que possam ser considerados desenvolvidos com uma saúde precária.
Num contexto mais amplo, de que forma a atração de investimentos no setor da saúde contribui, também, para a criação de valor para Cabo Verde? Quais são os benefícios em termos de desenvolvimento social e económico?
A regulação (supervisão, regulamentação e sancionamento das infrações) do mercado tem tido um efeito muito positivo sobre a evolução do setor/mercado da saúde, porquanto tem conferido maior segurança (técnica e jurídica) aos investidores que conhecem previamente as regras de funcionamento e têm a garantia de uma atuação harmonizada do regulador, o que se tem refletido num crescimento sustentado da demanda para a abertura de novos estabelecimentos de prestação de cuidados de saúde no setor privado, cada vez mais especializados e tecnologicamente mais evoluídos, em parte para dar resposta aos requisitos regulatórios, o que, por sua vez, tem aliviado a pressão sobre o setor público de saúde e proporcionado mais opções aos cidadãos, sejam eles nacionais, residentes ou em trânsito. Do segundo semestre de 2020 ao primeiro semestre de 2023, foram licenciados 77 (setenta e sete) novos estabelecimentos de prestação de cuidados de saúde no setor privado em Cabo Verde.
No que diz respeito à rápida evolução tecnológica na área da saúde, como é que a ERIS pretende incentivar e regulamentar investimentos em inovações tecnológicas, promovendo assim a modernização do setor em Cabo Verde?
Avanços tecnológicos na saúde têm representado ganhos para os sistemas de saúde e, ao mesmo tempo, um desafio para a regulação ao longo dos tempos. Isto porque, se por um lado, as novas tecnologias permitem aumentar a produtividade, alargar o âmbito de intervenção e facilitar a realização de tarefas mais complexas, também cria a necessidade de novas regras, capazes de disciplinar o uso desses recursos até então inexistentes. Essa dualidade da tecnologia é antiga e tem se aprofundado no tempo. A curva da evolução tecnológica tende a ser exponencial e, portanto, mais veloz do que o entendimento humano consegue acompanhar, o que leva a que a tensão entre disrupção tecnológica e necessidade de regulação tenda também a aumentar.
Com o avanço que temos experimentado ao nível da saúde digital, cujo desafio está mais presente do que nunca no campo da medicina, é necessário que se estabeleçam estratégias regulatória para o uso desses novos dispositivos, técnicas, softwares e abordagens, sem, no entanto, asfixiar o estímulo à inovação tecnológica.
Os mecanismos de regulação tradicionais implantados nas entidades reguladoras da saúde por si só, por mais eficientes que sejam, terão grandes dificuldades para acompanhar a velocidade da evolução das tecnologias em saúde. A estratégia mais adaptada para o enfrentamento deste grande desafio deverá passar pela criação de fóruns consultivos especializados, compostos por peritos de diferentes áreas com expertise suficiente para embasar a criação de normas técnicas referentes à saúde digital, possibilitando a existência de uma regulação à altura.
A função da regulação é, justamente, a de apoiar os gestores em todo o país a incorporar inovações da área de tecnologia da informação e comunicação (TIC) sem, com isso, colocar em risco a segurança dos pacientes e sem violar princípios que norteiam o Sistema Nacional de Saúde de Cabo Verde, procurando sempre o equilíbrio entre o incentivo à inovação tecnológica e a proteção dos direitos dos utentes.
Olhando para o futuro, quais são as perspetivas da ERIS em relação ao desenvolvimento contínuo do setor da saúde em Cabo Verde? Que objetivos e metas a Entidade almeja alcançar nos próximos anos?
O setor da saúde tem a particularidade de ser muito profícuo em termos de evolução tecnológica. Como tal, os desafios para a regulação são muito acutilantes e exigem um esforço redobrado no sentido de estar um passo à frente, no que se refere à qualidade e à garantia do acesso às prestações de cuidados de saúde. Para tal, o país deverá acentuar o ritmo de investimentos na saúde, seja por via do Orçamento Geral do Estado, seja por via do investimento privado.
O Turismo de Saúde é um segmento que deverá ser explorado de forma mais intensa, pois, se o Turismo, de uma forma geral, é o motor da economia nacional, não restam dúvidas que o papel da Saúde nesse setor deve e pode ser amplificado e contribuir para robustecê-lo. Cabo Verde está muito perto de ter as condições e o ambiente propícios para alavancar um Turismo de Saúde que satisfaça as expetativas de pessoas que buscam tratamentos que podem variar desde cirurgias estéticas até procedimentos odontológicos, tratamentos de fertilidade, reabilitação, entre outros. Entretanto, há-que acelerar o passo no que se refere à dotação do país de um quadro legal robusto e que proteja efetivamente os utentes que procuram esses serviços, porquanto o turismo de saúde também levanta questões éticas e preocupações, como padrões variados de cuidados médicos, questões de segurança do paciente, barreiras linguísticas e culturais, e o impacto nos sistemas de saúde tanto nos países de origem quanto nos países de destino. Portanto, é essencial que Cabo Verde esteja dotado de todos os instrumentos legais e operacionais imprescindíveis. Quando bem implementado, o turismo de saúde pode gerar benefícios económicos significativos para os destinos que oferecem esses serviços, incluindo a receita direta do turismo, a criação de empregos no setor de saúde e investimentos em infraestrutura médica e turística.
Por outro lado, Cabo Verde, enquanto país aberto ao mundo, terá de criar uma envolvente que garanta a sustentabilidade do seu Sistema de Saúde, pois, sem dúvida, a inovação na área da saúde, impulsionadora do desenvolvimento de novas tecnologias médica, dispositivos, tratamentos e terapias mais eficazes e menos invasivos, traz consigo também o desafio dos custos, independentemente de serem, do ponto de vista médico, mais eficazes. Será um desafio hercúleo a avaliação e incorporação de novas tecnologias de saúde em Cabo Verde.
Ainda, para finalizar, gostaria de abordar a questão dos Recursos Humanos em Saúde.
O adequado dimensionamento e qualificação dos recursos humanos em saúde é fundamental para garantir a prestação de serviços de saúde de qualidade e abrangentes, incluído o turismo de saúde. Cabo Verde terá que continuar a apostar fortemente na formação e qualificação dos seus recursos humanos em geral, mas com especial ênfase nos profissionais de saúde, pois a sustentabilidade e desenvolvimento desse setor dependem maioritariamente disso. As infraestruturas, os equipamentos de ponta e as outras ferramentas de trabalho em saúde só alcançarão o seu verdadeiro potencial e traduzi-lo-ão em impacto na vida dos cidadãos e da economia do país, se utilizados por profissionais qualificados.