Em processos de regulação do exercício das responsabilidades parentais, com elevado conflito parental, em sua opinião, como deverá o advogado agir, atendendo aos potenciais danos que estes processos podem provocar nas crianças?
Em casos de separação dos pais, os danos nas crianças – considerando como criança o menor de 18 anos – surgem, maioritariamente, do conflito parental, bem como do facto de os pais não conseguiram proteger os filhos desse conflito. Em situações mais graves, de utilizarem as crianças como “armas” nesse conflito. Uma das ferramentas mais importantes de que o advogado dispõe é a transmissão de conhecimentos aos pais acerca do que devem, ou não, fazer, no que se refere ao relacionamento com o outro e com os próprios filhos. Quanto mais esclarecidos os pais estiverem, menos erros cometerão. Por essa razão, a procura da ajuda de um advogado deve acontecer o mais cedo possível. Não nos podemos esquecer que, a seguir à morte de um ente querido, o divórcio é a maior causa de stress no ser humano. É muito complicado estar a passar por um divórcio e ter de tomar decisões acerca de questões que, até então, eram desconhecidas. É preciso orientar as pessoas e estar verdadeiramente presente.
E como é que se pode proteger as crianças quando os pais utilizam os filhos como armas no conflito parental?
Essas situações são muitos graves e as crianças ficam com danos psicológicos que se poderão refletir no resto da sua vida. Nesses casos, poderá estar em causa a necessidade de um processo de promoção e proteção de menores ou de um processo-crime. Era muito importante que os pais tivessem apoio psicológico, ou até mesmo psiquiátrico, quando passam por fases de separação ou de conflito parental. Em muitas situações a única forma de proteger as crianças é tratando os pais. Inúmeras vezes, as crianças têm acompanhamento psicológico para os ajudar a superar a fase da separação dos pais e dos conflitos em que estas se veem envolvidas, mas é muito difícil tratar o problema, se não for tratada a sua origem.
Desmistificando possíveis estigmas, qual é o papel do Advogado no domínio do Direito das Crianças? Como é que a Advocacia se torna essencial na prestação dos Direitos das Crianças e na promoção de um ambiente jurídico adequado para as mesmas?
Se o advogado foi contratado para defender a posição de um dos progenitores num processo que envolva crianças, o advogado deverá defender essa posição o melhor que sabe, mas nunca esquecendo que o fim último do processo é encontrar a solução que melhor salvaguarde o superior interesse da criança, tendo presente que, da conduta processual do advogado, não deve resultar uma escalada do conflito parental. Exige-se do advogado a sua melhor técnica. Noutras situações, se o advogado é nomeado como advogado da própria criança, essa responsabilidade é maior ainda. A criança não irá telefonar para o escritório a marcar reunião, nem irá telefonar a perguntar como está o seu processo. Deverá ser o advogado a procurar conhecer essa criança e a querer ativamente defender os seus direitos, sabendo de antemão que, se não o fizer, poderá estar a deixá-la desprotegida, mas também a esvaziar de sentido as normas de proteção das crianças que impuseram aquela nomeação.
As crianças podem ter uma parte ativa nos processos que lhes dizem respeito? E podem ter o seu próprio advogado?
A criança tem, desde logo, o direito a ser ouvida e a exprimir a sua opinião em processos que lhe digam respeito. A nossa lei prevê mesmo que, nos processos tutelares cíveis – como é o caso do processo de regulação do exercício das responsabilidades parentais – a criança, com idade superior a 12 anos, pode, inclusive, ter ela própria a iniciativa processual, ou seja, pode ser a criança a despoletar o início do processo.
Por outro lado, a nossa lei estabelece que, quando os interesse da criança e os dos seus pais ou representante legal forem conflituantes, e, ainda, quando a criança com maturidade adequada o solicitar ao tribunal, é obrigatoriamente nomeado um advogado à criança. A Convenção Europeia do Direito das crianças estabelece ainda que a criança tem o direito a pedir para ser assistida por uma pessoa, da sua escolha, que a ajude a exprimir as suas opiniões e poderá pedir um advogado. Nos processos-crime, a partir dos dezasseis anos, a criança pode, ela própria, constituir o seu mandatário.
Considerando a importância de criar melhores condições nos tribunais para garantir os Direitos das Crianças, como é que aborda a questão das declarações para memória futura nos processos judiciais? Que desafios e oportunidades destaca neste âmbito?
Se a criança vai prestar declarações para memória futura, em princípio, é porque foi vítima de crime ou testemunha de um crime. Em minha opinião, o grande desafio continua a ser o ambiente onde são prestadas as declarações para memória futura, que habitualmente é uma sala de audiências do tribunal e que para a criança, imagino, possa ser fria e austera. Existindo muita gente desconhecida à volta da criança – magistrados, advogados, funcionário judicial e um técnico do serviço social -, poderá gerar-se um constrangimento para que a criança relate factos (por vezes traumáticos) que vivenciou. Como vítima, a criança tem direito a ser ouvida em ambiente informal e reservado, devendo ser criadas as condições adequadas a prevenir a vitimização secundária. Idealmente a criança deveria ser ouvida com utilização de teleconferência, nomeadamente a partir de outro local do edifício do tribunal, na presença, para além do Magistrado acompanhante, de apenas uma pessoa da sua confiança e de um técnico especialmente habilitado para aquele acompanhamento. Contudo, para tudo isto, são necessários meios, de que os tribunais não dispõem. Há, pouco investimento na justiça.
Ressalvo, contudo, que no âmbito dos processos de Família e Menores a audição das crianças faz-se em ambiente muito mais informal, muitas vezes em salas próprias para as crianças e, normalmente, apenas na presença dos magistrados e do técnico que acompanha a criança. O problema é que estas salas nem sempre têm todas as condições técnicas necessárias para que sejam prestadas as declarações com os formalismos que a lei impõe e, por essa razão, em alguns tribunais, têm uma utilidade pouco reduzida.
Como é que vê o futuro?
Com esperança porque, nos últimos anos, existiu uma mudança de paradigma, no sentido de colocar o foco nos direitos e proteção da criança, como titular dos interesses que se visam proteger nos processos que os envolvem. Mas também com muita apreensão: os tribunais não dispõem de meios, faltam pessoas, faltam salas, faltam meios técnicos e os processos acumulam-se, com a consequente falta de resposta e de ajuda às famílias que dela necessitam. O tempo das crianças não é o tempo dos adultos, e muitas vezes, quando o tribunal consegue intervir já é tarde.
Claudete Teixeira
Sou advogada, licenciada pela Faculdade de Direito de Lisboa (pré-Bolonha) e ao longo dos anos tenho apostado sempre na minha formação: frequentei várias pós-graduações, em especial, na área do Direito da Família e das Sucessões. Tenho um curso de mediação familiar e atualmente, estou a frequentar uma pós-graduação em Direito do Trabalho. Considero muito importante manter-me atualizada e procuro aprofundar sempre os meus conhecimentos. Comigo, trabalham outros colegas extremamente competentes e dedicados, com a mesma forma de estar na advocacia.