No âmbito da contabilidade, como é que observa a profunda transformação impulsionada pela Era Digital a que temos vindo a assistir?
A contabilidade, a par com outras matérias como a fiscalidade ou o direito, por exemplo, são processos maioritariamente informatizados. Não quer dizer que sejam plenamente digitais. Tende-se a confundir um processo informatizado com um processo digital. O que acontece é que as dinâmicas das entidades, sejam públicas ou privadas, e a capacitação dos recursos humanos não caminham todas à mesma velocidade. Até chegaram ao digital no seu pleno, ainda falta bastante. E numa época em que se promove e defende a sustentabilidade, é preciso a criação de aptidões para a adoção da tecnologia em pleno e avançar com responsabilidade e conhecimento para uma transformação digital de forma equilibrada.
Devemos caminhar todos para o digital?
Nós já estamos a caminhar há algum tempo, só que uns vão no comboio regional, outros no Alfa (que anda na mesma linha do Intercidades) e outros já vão de TGV em linha própria.
E como é que a Inteligência Artificial influência todos estes processos?
Em primeiro lugar, é necessário descentralizar e responsabilizar, garantindo que haja processos e sistemas de controlo adequados. Têm de se definir regras.
A inteligência artificial assenta em machine learning, em deep learning, com processamento de linguagem natural que conferem “à máquina” a habilidade de analisar. Os processos robóticos automatizados (robôs) fazem uso da IA para avaliação, classificação e tomada de decisões em operações que são repetitivas. Mas IA não é estanque. O Professor João Paulo Costeira referiu e bem no seu artigo que integra o livro “88 Vozes Para a Inteligência Artificial” que não podemos correr o risco de se deixar de saber pensar pelo fazer, sem se saber.
Se a Inteligência Artificial é uma realidade nas organizações, de que forma é que a APOTEC aborda as questões éticas relacionadas com a IA e a prática da contabilidade?
Uma das principais aplicações da IA na contabilidade tem a ver com a previsão financeira, através da análise por comparabilidade de dados financeiros, na previsão do desempenho da entidade no futuro, ou tendências económicas e até mesmo oportunidades de investimento, contribuindo para a tomada de decisões fundamentadas de uma forma mais célere.
A deteção de fraudes, compliance, automatizar tarefas repetitivas e melhorar o rigor dos registos contabilísticos que contribuem para uma melhoria na precisão e rapidez das tarefas contabilísticas são vantagens do uso da IA na contabilidade. Mas são necessárias regras, princípios éticos e societários. Tem de haver regulação.
Acredita que na vida das pessoas, dos cidadãos, o Digital é uma realidade?
Penso que no quotidiano das gerações mais novas, o digital é a única realidade que conhecem. Por exemplo não é comum um jovem ir ao banco, tudo resolvem online. E é cada vez mais frequente verem filmes e séries nos seus computadores ou tablets. As crianças pequenas assistem a bonecos animados através de um ecrã de telemóvel e não na televisão. Em contrapartida, assistimos a uma parte substancial da população (e que é maioritariamente envelhecida) que não possui este acesso ou que não se sente confortável neste universo. Por isso é necessário o tal equilíbrio.
Uma das suas batalhas é a promoção da literacia financeira. Acredita que também se deve apostar na literacia digital?
São duas áreas distintas mas que se complementam. Os Governos têm a obrigação de promover a literacia digital e temos exemplos práticos de um passado muito recente quando milhares de alunos foram para as suas casas terem aulas online. Nem todos os alunos (de idades muito diferenciadas), nem todos os professores e formadores e muito menos todos os agregados estavam dotados de ferramentas ou conhecimentos que permitissem que esta mudança de método decorresse de forma tranquila e competente.
Em relação à literacia financeira, defendo e tenho escrito sobre estas matérias, que os currículos do ensino secundário incluam estas temáticas. Porque a contabilidade, finanças, impostos, não são exclusivos das empresas, antes pelo contrário. Todos nós, cidadãos, lidamos com despesas e gastos; com orçamentos impostos, obrigações. É preciso fomentar os mais jovens e os menos jovens a serem autónomos neste campo.
Num inquérito realizado pela OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico) que foi publicado no final de 2023, Portugal, nos últimos três anos, encontra-se na penúltima posição ao nível da literacia financeira. E voltando ao digital, a velocidade destes tempos digitais puseram a descoberto as lacunas da sociedade civil em geral ao nível da literacia financeira.
Para si, essa é uma missão do Estado.
Diria que é uma obrigação das pessoas/instituições – que comandam Portugal, e como já vos disse anteriormente, é a política que comanda o rumo de um País. Neste momento, estamos em época de eleições pelo que é prematuro fazer qualquer espécie de previsão sobre as normas que vão acompanhar a vida das pessoas e das empresas. Mas lembro, a capacitação do cidadão em temas financeiros, fiscais e digitais é fundamental numa sociedade sustentável.
O que gostaria que mudasse com o novo Governo?
(risos). Guardo para mim o que realmente sinto sobre essas mudanças mas em traços gerais, qualquer que venha a ser o Governo, acredito que está na hora de olharem para as associações livres como parte integrante e fundamental de uma sociedade civil que se quer plural; de se analisarem os impostos que as empresas e que as pessoas são obrigadas a pagar, respeitando os princípios da generalidade, da igualdade, da legalidade e da justiça material e que burocracia que nos caracteriza como povo, seja num futuro muito próximo, apenas uma má memória. Haja coragem e competência!
Como disse Sir Arthur Lewis, “educação nunca foi despesa. Sempre foi investimento com retorno garantido.”