“A IP tem apostado no desenvolvimento de uma visão para a Inovação”

Em conversa com a Revista Pontos de Vista, Miguel Cruz, Presidente do Conselho de Administração da Infraestruturas de Portugal, SA, abordou o papel crucial da ferrovia, destacando as principais medidas na gestão e na modernização desta rede no país. Saiba tudo.

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Como Presidente do Conselho de Administração da Infraestruturas de Portugal (IP), é testemunha privilegiada da evolução significativa que a mesma tem demonstrado nos últimos anos. Assim, como descreve este percurso evolutivo até ao momento?
Empenho, Resiliência, Competência e Inovação. Muito se tem alterado ao longo dos anos, quer na gestão de infraestruturas, quer na mobilidade e transportes em Portugal, quer ainda nos ritmos e escolhas de investimentos de projetos e quer finalmente na dimensão dos desafios colocadas a uma empresa de capitais públicos como a IP, bem como no contexto financeiro em que se move.
O contexto muda, a empresa evolui, sendo que o empenho das equipas no desenvolvimento de um modelo de mobilidade sustentável, que possa constituir uma variável importante na avaliação positiva da competitividade do país e na atração de investimento, com uma preocupação ao nível da coesão territorial e em foco em qualidade de serviço, esse mantém-se e reforça-se.
A resiliência das equipas de uma empresa que cada vez assegura maior nível de investimento, e se envolve em projetos cada vez mais complexos, demonstrando ganhos de eficiência e uma capacidade de lidar com exigências burocráticas elevadas, e com diversos obstáculos, tem sido indispensável e presente. Porque se acredita!
A competência das equipas e das pessoas permite que a IP possa constituir um verdadeiro centro de saber fazer que, apesar dos grandes desafios dos últimos anos, tem vindo a ser preservado e estimulado através da inovação.
Inovação essa em que a empresa acredita e se envolve aos mais diversos níveis, como forma de melhoria contínua, como meio de incrementar eficiência num contexto em que a pressão de limitação de recursos é significativa. A cultura de inovação, a crescente preocupação com a sustentabilidade, ancoradas na competência demonstrada no dia a dia, têm constituído os ingredientes para a evolução da empresa, focada no contributo que tem para a transformação da mobilidade em Portugal.

Sabemos que a rede ferroviária tem desempenhado um papel crucial na conectividade e na mobilidade sustentável. Considerando a vasta rede ferroviária nacional, poderia partilhar com os leitores a importância atual da ferrovia no contexto da mobilidade em Portugal e como a IP tem contribuído para o seu desenvolvimento?
Nos últimos anos a Infraestruturas de Portugal geriu o maior programa de investimentos das últimas décadas, para a modernização da Rede Ferroviária Nacional.
O Ferrovia2020, com várias intervenções já concluídas, representa um investimento de cerca de 2 mil milhões de euros na requalificação de mais de 1.000 quilómetros via-férrea. Foi pensado com o objetivo de fomentar a utilização do transporte ferroviário, de mercadorias e de passageiros, melhorando a eficiência, capacidade e segurança das infraestruturas ferroviárias nacionais. A concretização deste programa – em simultâneo com o desenvolvimento de outros investimentos já consagrados no PNI 2030 – dotará o país com uma infraestrutura ferroviária de elevada qualidade e segurança, elevando níveis de serviço, melhorando conectividade, e melhorando condições para um incremento significativo do serviço ferroviário em Portugal, em especial de mercadorias.

A inovação tem tido, também, um papel fundamental na adaptação e melhoria contínua dos serviços de transporte. Dentro deste contexto, de que forma a IP tem integrado a inovação na gestão e na modernização da rede ferroviária em Portugal?
Perante a velocidade a que o mundo tem vindo a mudar, e atendendo especificamente às evoluções e revoluções que a mobilidade e a sociedade em geral enfrentam, a IP tem apostado no desenvolvimento de uma visão para a Inovação.
A IP tem apostado na implementação de parcerias com a comunidade científica, tecnológica e empresarial, com o foco na investigação, desenvolvimento e inovação, em áreas científicas e técnicas prioritárias, procurando beneficiar das oportunidades e dos apoios disponíveis a nível nacional e internacional.
A IP definiu uma estratégia que se organiza em torno de várias áreas chave da sua atividade e de desafios e oportunidades que se relacionam maioritariamente com as Macrotendências do Sistema de Mobilidade e dos Transportes.
Neste âmbito, a IP possui o Programa dos 50 Desafios de Investigação, Desenvolvimento e Inovação, que visa encontrar soluções para as necessidades de investigação, desenvolvimento e inovação para a nossa atividade de gestão de infraestruturas, assim como as que são identificadas para responder aos desafios que se antevejam, face às tendências de evolução da mobilidade e da sociedade.
Nesta medida, decorrem já hoje na IP vários projetos de IDI, que permitem investigar e testar várias das macrotendências da mobilidades e transportes, por via de diferentes pilotos a decorrer nas infraestruturas da IP.
A esse propósito no início deste mês, foram realizados testes de circulação na Linha do Minho com um comboio movido a hidrogénio, promovidos no âmbito do projeto europeu FCH2RAIL, que tem como objetivo o desenvolvimento de um veículo protótipo ferroviário movido a hidrogénio, com financiamento de fundos europeus através do programa H2020 – CLEANH2. O projeto abrange a conceção e construção de um veículo protótipo inovador e a realização dos testes necessários à sua validação e aprovação. O objetivo é alcançar um veículo com zero emissões e desempenho operacional competitivo com os atuais comboios movidos a diesel, tanto em veículos novos como em reabilitados.
Realça-se que a Inteligência Artificial (IA), tem ganho escala nos últimos anos devido ao crescente volume de dados disponível, algoritmos avançados e melhoria significativa do poder de processamento e armazenamento computacional, razão pela qual já hoje um impacto significativo na gestão das infraestruturas rodoferroviárias, nomeadamente ao nível da gestão informação, potenciando a integração multimodal; planeamento de obras, sobretudo ao nível da manutenção preditiva; na eficiência dos sistemas de transporte, com menos consumos energéticos e menores emissões; na deteção precoce de situações perigosas, como acidentes, condições meteorológicas adversas ou outros incidentes, melhorando a segurança de circulação.
A implementação da IA impulsiona a inovação e o desenvolvimento tecnológico, criando oportunidades para empresas e profissionais.

A sustentabilidade tem vindo a tornar-se uma preocupação cada vez mais premente em todas as áreas da sociedade – e o setor dos transportes não é exceção. Em que medida a IP tem abordado esta questão na gestão e na expansão da rede ferroviária em Portugal?
A IP aderiu, no final do ano de 2019, ao compromisso climático Business Ambition 1.5°C, que tem como objetivo limitar o aumento da temperatura global dos níveis pré-industriais.
Com os investimentos que estão em curso, pretendemos garantir um nível de eletrificação da rede acima dos 90% e modernizar a infraestrutura ferroviária de modo a promover um maior nível de eficiência, disponibilidade e segurança, o que se revela efetivamente, num investimento na sustentabilidade ambiental.
Conjugado com o investimento na rede convencional, a criação de uma linha de Alta Velocidade (LAV), que já está a avançar e que numa primeira fase irá ligar os principais núcleos urbanos do país, promoverá um grande impacto na transformação do comportamento em matéria de mobilidade na maioria das deslocações terrestres de médio e longo curso pelo território nacional.
Assim, estimamos que a transferência modal promovida pela construção da LAV, irá permitir uma redução em cerca de 50 toneladas de C02 até 2050, constituindo uma contribuição essencial para que Portugal atinja as metas da neutralidade carbónica com que se comprometeu.
Para assegurar a sustentabilidade da mobilidade, é necessário tornar as infraestruturas de transporte mais robustas e resilientes a eventos naturais extremos de grande intensidade. Neste sentido, a IP desenvolveu o Plano de Resiliência das Infraestruturas às Alterações Climáticas, que pretende antecipar e minimizar potenciais riscos climáticos, concorrendo para a resiliência, segurança, fiabilidade, sustentabilidade e plena capacidade de gestão e exploração das infraestruturas. Estamos a desenvolver projetos de inovação que alertam para o risco de eventos naturais extremos por forma a minimizar o impacto e maximizar o ciclo de vida das infraestruturas, que consistem na implementação de sistemas integrados e interativos de ações tendentes a reforçar a resiliência das infraestruturas.
A mobilidade no futuro será menos intensa em carbono e mais autónoma, conectada, partilhada, segura, e apoiada em infraestruturas mais resilientes, contribuindo assim para uma mobilidade mais sustentável.
Uma última nota para assinalar que, a par com as preocupações ambientais, a IP incorporou na sua gestão a abordagem integrada a um conjunto de Objetivos de Desenvolvimento Sustentável que vão muito para além da vertente ambiental, demonstrando o envolvimento e a leitura da empresa quanto à sua importância e impacto da sua atividade nos principais desafios societários.

Certo é que, todo o setor enfrenta desafios e oportunidades de crescimento. Quais diria que são os principais desafios que a IP identifica atualmente na ferrovia do país? Por outro lado, quais são as oportunidades que vislumbra para promover ainda mais o desenvolvimento e a eficiência deste sistema?
Vivemos tempos em que os desafios no nosso setor de atividade são uma constante. Um dos principais, é conseguir assegurar um relevante nível de transferência modal, procurando a maximização da utilização da ferrovia em detrimento de outros modos de transporte, mais concretamente o rodoviário.
Como já referi, a Infraestruturas de Portugal tem atualmente em curso no Ferrovia 2020 e programado executar nos próximos anos, no âmbito do PNI2030, um vasto conjunto de investimentos na expansão e modernização de toda a Rede Ferroviária Nacional. Estes investimentos, de um nível incomparável com o realizado nas últimas décadas, representam uma aposta clara do país em promover uma transferência modal, maximizando a utilização da ferrovia em detrimento de outros modos de transporte individual e coletivo, nomeadamente o rodoviário, mais poluente.
O futuro, claramente que será marcado pela Alta Velocidade. Assistiremos a uma alteração ainda mais significativa na mobilidade, na utilização do transporte ferroviário, tanto do ponto de vista do transporte de passageiros como de mercadorias.
Será aumentada a capacidade e competitividade do sistema ferroviário, com um reforço da conetividade territorial alargada a todo o país, resultando num forte contributo para a descarbonização do setor dos transportes.
A concretização final do Projeto irá permitir uma redução significativa dos tempos de viagem entre as cidades servidas pela LAV, mas os benefícios decorrentes deste investimento alargam-se a todo o território nacional e não só às cidades atravessadas pela nova Linha, permitindo encurtar significativamente os tempos de viagem também para o interior do país.
Em paralelo, importa assegurar a melhoria contínua da gestão das infraestruturas, num contexto de pressão climática, antecipando cada vez mais os problemas e sendo cada vez mais eficiente na gestão dos congestionamentos, privilegiando a utilização de transportes cada vez mais sustentáveis, e a eficiente gestão dos ativos.

A mobilidade multimodal tem sido um foco crescente em muitos sistemas de transportes em todo o mundo. Desta forma, qual é a posição da IP na integração entre diferentes modos de transporte, especialmente no que diz respeito à interligação entre a rede ferroviária e outros modais, como rodoviário e marítimo?
A integração eficiente entre diferentes modos de transporte é crucial para melhorar a mobilidade e otimizar o fluxo de pessoas e mercadorias.
Devo dizer que a IP, enquanto gestora das infraestruturas rodo e ferroviárias, está numa posição privilegiada fazendo a gestão integrada dos ativos para garantir uma mobilidade multimodal e sustentável. Este conceito esteve na génese da IP.
A ideia da multimodalidade passa por tirar proveito da vocação e das vantagens competitivas de cada modo de transporte. Neste contexto, o transporte ferroviário assume-se como um modo de transporte de elevada capacidade e sustentabilidade ambiental, sendo relevante assegurar a sua conexão, com outros modos de transporte, designadamente, rodoviário, aéreo, fluvial e marítimo, tanto de mercadorias como de passageiros.
É isso que estamos a fazer quando investimos na melhoria das ligações ferroviárias aos portos de Sines e Leixões, por exemplo.
É isso que estamos a fazer quando investimos nas ligações rodoviárias às áreas de acolhimento empresarial, garantido o “last mile” rodoviário, citando apenas alguns exemplos, que permitem também ilustrar a visão que temos da importância da multimodalidade como fator competitivo relevante para Portugal.

Por fim, olhando para o futuro a médio e longo prazo, qual é a sua perspetiva para o desenvolvimento da ferrovia em Portugal? De que forma a IP planeia contribuir para essa visão, impulsionando ainda mais a modernização, a expansão e a eficiência da rede ferroviária?
O planeamento da rede ferroviária até 2030 já está vertido no Plano Nacional de Investimentos 2030.
O PNI 2030 tem como objetivo ser o instrumento de planeamento do próximo ciclo de investimentos estratégicos e estruturantes de âmbito nacional. O PNI 2030 consubstancia a estratégia do país para uma década de convergência com a União Europeia, de forma a permitir que Portugal possa responder adequadamente aos desafios globais que se perspetivam para a próxima década. No que diz respeito à ferrovia, o PNI 2030 complementa o Ferrovia 2020 e dá um salto disruptivo.
Esse salto disruptivo é corporizado pelo projeto da nova Linha de Alta Velocidade entre Porto e Lisboa que irá permitir reduzir o tempo de percurso entre as duas principais cidades portuguesas para 1h15.
Será garantida a articulação desta nova linha com a restante rede convencional pelo que os benefícios serão estendidos a toda a rede havendo uma redução generalizada dos tempos de percurso.
Acresce que a construção da Linha de Alta Velocidade entre o Porto e Lisboa irá aliviar em muito o congestionamento que atualmente existe na Linha do Norte, utilizada pela maioria dos comboios de mercadorias que circulam em Portugal. Desta forma, estarão criadas as condições para um crescimento significativo do tráfego de mercadorias, até agora limitado pela capacidade da Linha do Norte.
Termino referindo que esta linha de Alta Velocidade, ligando Lisboa ao Porto, a Vigo, reduzindo tempo de viagem em Portugal, mesmo fora da linha de alta velocidade constituirá, estou convencido disso, um primeiro passo nas ligações de alta velocidade, em que necessariamente outras se seguirão envolvendo investimentos diversos, como a necessária terceira travessia do Tejo.