“Creio que em Portugal se mantém uma reduzida valorização da formação profissional”

Sandra Primitivo, Executive Director e Responsável da Unidade de Avaliação de Políticas Públicas na EY-Parthenon – um plaver de referência a nível global na vertente da consultoria estratégica para diversos setores – conversou com a Revista Pontos de Vista sobre o setor público em Portugal e a importância das avaliações de programas públicos para melhorar as políticas, como é o caso do PESSOAS 2030. Saiba tudo.

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No sentido de contextualizar o nosso leitor, a EY-Parthenon é um player de referência a nível global na vertente da consultoria estratégica para diversos setores. Como é que a marca tem vindo a perpetuar este valor acrescido para o setor público em Portugal?
A EY-Parthenon é uma marca da EY, presente em 120 países, que auxilia empresas e entidades públicas a refletir e fazer opções sobre o futuro das organizações e das respetivas atividades, recorrendo a uma rede internacional de especialistas setoriais. Em Portugal, na vertente de setor público, trabalhamos com a Administração Central, Municípios e entidades sem fins lucrativos na estruturação de planos estratégicos e instrumentos de política pública para setores (como a educação, a habitação ou a competitividade) e regiões. Na análise de impactos e na avaliação de programas e políticas a nossa atuação estende-se além-fronteiras – trabalhamos regularmente para a Comissão Europeia e auxiliamos os escritórios de outros países nestas matérias.

Falando um pouco de si, a Sandra Primitivo, nas últimas duas décadas, participou e coordenou avaliações de cerca de 40 programas públicos em diversos domínios: incentivos às empresas, inovação, I&D, regeneração urbana, emprego, formação, habitação, migrações. Pela sua experiência, tem Portugal aproveitado os resultados e recomendações das mesmas em prol do seu desenvolvimento?
A prática avaliativa em Portugal tem contribuído de forma inequívoca para o desenvolvimento de políticas mais ajustadas aos desafios que o país tem enfrentado ao longo dos anos, desde logo pelo conhecimento que é criado e disseminado sobre os instrumentos de política pública, permitindo aos agentes púbicos compreender, com base em evidências, quais são os instrumentos mais eficazes e/ou eficientes para alcançar os objetivos dos programas e quais os que revelam maior impacto na economia e na sociedade. O facto de os exercícios de avaliação serem efetuados de forma participada, envolvendo agências públicas, entidades responsáveis pelos programas e os beneficiários dos apoios, assim como a monitorização do grau de implementação das recomendações das avaliações, favorecem a apropriação dos resultados das avaliações pelos atores envolvidos.
As avaliações e, por conseguinte, as recomendações, têm um carácter eminentemente técnico, mas são os decisores de política pública que têm competência para decidir sobre a sua aplicação. Tendencialmente, as recomendações de natureza operacional, mais focadas no curto prazo e envolvendo menos atores na sua implementação, são adotadas mais facilmente que as de natureza mais estratégica, envolvendo mais atores e diferentes níveis de governação.
Os decisores de política, às diferentes escalas, confrontam-se também com constrangimentos de diferentes naturezas. Desde logo, os ciclos políticos não coincidem necessariamente com os de implementação das políticas públicas, sobretudo em cenários de instabilidade governativa onde as mudanças de trajetória tendem a acompanhar as “mudanças de leme”. Mesmo em situações de estabilidade, as recomendações das avaliações são válidas “per si” mas, em conjunto, podem implicar a priorização de umas face a outras, seja no tempo de implementação ou na intensidade da afetação de recursos.

Falando no Programa PESSOAS 2030, de que forma é que analisa a relevância desta iniciativa e quão importante é a mesma para o país?
O PESSOAS 2030 atua em domínios ligados à demografia, qualificações e inclusão e assume como principais objetivos contribuir para aumentar a taxa de emprego, combater o desemprego jovem, aumentar a formação ao longo da vida e reduzir o número de pessoas em situação de pobreza ou exclusão social. Os instrumentos de apoio mobilizados pelo Programa assumem, no essencial, uma perspetiva de continuidade face ao Portugal 2020, mas procuram adaptar-se às alterações de contexto entretanto ocorridas, destacando-se um mercado de emprego mais favorável e o recuo do abandono escolar precoce, mas também o agravamento dos desafios demográficos associados ao envelhecimento e ao decréscimo da população (em particular a ativa) e às dinâmicas migratórias dos últimos anos. A dimensão demográfica assume uma nova prioridade, que reflete problemas atuais de crescente centralidade e se articula com medidas de inclusão de grupos populacionais mais vulneráveis, e a dimensão de qualificações e empregabilidade apela para um maior foco na qualidade, continuidade e inclusividade do emprego e da formação.
Os domínios de atuação do PESSOAS, a sua relevância financeira no quadro dos apoios estruturais do Portugal 2030 e a importância histórica dos fundos europeus no financiamento de alguns domínios de política pública (como a formação profissional) em Portugal, reafirmam a importância de um percurso de implementação do Programa bem-sucedido e com capacidade de adaptação às transformações sociais no horizonte de 2030.

Sente que os instrumentos que estão disponíveis no PESSOAS 2030 em prol do apoio à formação são suficientemente eficazes para promover a empregabilidade ou é absolutamente fundamental que se faça uma aposta concreta na vertente da comunicação das mais valias da formação?
Os exercícios de avaliação que temos desenvolvido revelam que os instrumentos de formação para adultos desempregados geram efeitos positivos muito significativos na empregabilidade dos indivíduos apoiados, sobretudo no ano seguinte à conclusão da formação, mas também nos dois anos subsequentes, não havendo evidências de ligação causa-efeito significativa entre a participação nas ações de formação e alterações nos salários dos participantes.
Estes resultados confirmam a eficácia dos instrumentos na empregabilidade, mas apelam à necessidade de mobilizar outras medidas que reforcem o acesso ao emprego e a diminuição da rotatividade, favorecendo a manutenção dos postos de trabalho e uma valorização, por parte dos empregadores, dos benefícios da formação.
Creio que em Portugal se mantém uma reduzida valorização da formação profissional, seja por parte dos empregadores, que atribuem insuficiente importância estratégica à formação dos trabalhadores (agravada pela reduzida capacidade de libertação de pessoas para atividades não laborais nas empresas de menor dimensão, que constituem o essencial do nosso tecido produtivo), seja por parte dos indivíduos menos qualificados, que não valorizam suficientemente os benefícios do “investimento” na formação face ao não reconhecimento dos empregadores em termos de valorização salarial das suas competências.
Neste contexto, concordo com a necessidade de uma aposta na vertente de comunicação das mais valias da aprendizagem ao longo da vida. A disseminação dos resultados e benefícios da formação (por exemplo, de percursos de sucesso de formandos) junto dos grupos de beneficiários (adultos, jovens) e empregadores, a valorização da imagem da Escola e das vias vocacionais e o combate a representações sociais negativas associadas às ofertas profissionalizantes, são exemplos de medidas que podem fomentar a adesão, desde que sejam utilizados os meios de comunicação adequados a cada grupo-alvo.
A valorização da formação, assim como uma maior convergência entre a procura de competências no mercado de trabalho e a oferta de percursos formativos, assumem no atual contexto económico – marcado por um menor nível de desemprego e, portanto, menos favorável à adesão a atividades formativas – uma relevância adicional.