“Continuo a olhar para a Advocacia com a mesma Paixão de Sempre”

Continua a olhar para a advocacia com a mesma paixão de sempre e acredita que nasceu advogada. Falamos de Claudete Teixeira, Fundadora e Advogada da Claudete Teixeira Advogados, e que nos deu a conhecer, numa grande entrevista, um pouco mais da sua história e do seu trajeto, dando ainda foco ao atual estado do Direito em Portugal. Não perca esta entrevista.

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Para começar, ao longo da sua formação na Faculdade de Direito de Lisboa, passando pelas diversas pós-graduações e cursos especializados, como foi moldando a sua visão e prática na Advocacia?
Eu continuo a olhar para a advocacia com a mesma paixão de sempre. A diferença é que agora já não é o sonho que levei comigo quando entrei na Faculdade de Direito de Lisboa pela primeira vez, agora é a minha profissão. Já passei várias fases na minha profissão. O início difícil, anos de muita luta e trabalho, a abertura do meu escritório, o crescimento do meu escritório. Ao longo destas fases nunca me desencantei com a minha profissão, mas também não me deslumbro. Temos de manter os pés no chão e trabalhar muito todos os dias. O maior ativo que vamos retirando dos anos de trabalho é a experiência.

O que a motivou a escolher a Advocacia como carreira profissional? Fazendo uma «viagem» ao passado, houve algum momento ou figura em particular que influenciou esta decisão, paixão e vocação?
Eu acho que nasci advogada. Na minha família não havia advogados, nem sequer ninguém tinha cursos superiores. Venho de uma família humilde e os meus pais nunca tiveram a expectativa de ter filhos doutores ou engenheiros e, ainda assim, segundo a minha mãe, aos quatro de idade eu disse que queria ser advogada, para defender o povo angolano. Eu nasci em Angola e foi precisamente aos quatro anos que os meus pais vieram para Portugal, mas não sei em que contexto eu disse isto. A verdade é que eu acho que, realmente, a advocacia nasceu comigo. É uma parte de mim. Lembro-me que quando andava no 5.º ano de escolaridade foi simulado uma espécie de julgamento numa das aulas e eu era a “advogada de acusação”. Eu representei tão bem o meu papel que a minha professora disse que eu era a “estrela do dia”. Eu era uma rapariga muito discreta e até tímida, e nunca me tinha sentido tão especial como quando ouvi aquele comentário. Aos 14 anos, decidi que queria seguir Direito para ser advogada e passei a viver para esse objetivo.

Sendo uma Advogada com uma carreira sólida, quais foram os maiores desafios que encontrou por ser Mulher neste campo – este que já foi predominantemente masculino? Como encarou essas barreiras e as ultrapassou?
Não sinto que tenha tido dificuldades acrescidas por ser mulher. Lembro-me perfeitamente que quando era mais jovem e estava no início de carreira tinha de vencer o preconceito, mas penso que era mais por ser jovem do que por ser mulher, embora eu sentisse que ambas as caraterísticas não compunham valia. Na altura, sentia que a primeira coisa que as pessoas viam era uma “menina”, em vez de uma advogada. Nesse aspeto sinto, realmente, que tinha de trabalhar muito mais e provar muito mais para obter a confiança e o reconhecimento. E não apenas dos clientes ou dos magistrados. Várias vezes, os colegas mais velhos diziam coisas como: “é que eu já ando nisto há muitos anos” – que é uma expressão que ainda hoje me incomoda – como se apenas essa circunstância fizesse de uns melhores e os outros piores.
A outra dificuldade também não tem apenas a ver com o fato de ser mulher, mas com o fato de ter sido mãe, por três vezes, e ter experienciado na pele a ausência de proteção na maternidade e de direitos parentais das advogadas. Nós não temos uma proteção social como atualmente qualquer outro trabalhador, ou profissional liberal, tem em Portugal. Isso é, realmente, uma desvantagem e uma desigualdade inominável com que as advogadas têm de lidar.

A Advocacia é uma carreira exigente. Como consegue equilibrar a sua vida pessoal com as exigências profissionais? Que estratégias adota para manter esse equilíbrio?
É de fato muito exigente, não apenas porque o nível de responsabilidade com que temos de lidar é muito elevado, como pelo facto de termos sempre de nos manter atualizados. Eu continuo sempre a estudar. Além do trabalho propriamente dito é necessário dedicar tempo ao estudo e à nossa formação continua. Ter tempo para isso, para nós e para a família, naturalmente, não é fácil, mas é fundamental que se encontre esse ponto de equilíbrio. Eu sou feliz no meu trabalho e a exercer a profissão que escolhi, mas não seria uma pessoa totalmente feliz se não tivesse também a minha família, os meus filhos e se não tivesse tempo para mim. E quando assim é, quando precisamos de mais do que o nosso trabalho para sermos totalmente felizes temos mesmo de encontrar esse ponto de equilíbrio. Embora eu ache que esse equilíbrio também passa por uns dias nos dedicarmos mais ao trabalho e outros à família. Ou seja, os dias não são todos iguais, e é preciso gerir esse equilíbrio em função das necessidades, ao invés de acreditar que conseguimos estar sempre em todo o lado, porque isso é que provavelmente não vamos conseguir e vamos acabar exaustos e frustrados.

Desde a fundação do seu Escritório, que estratégias têm vindo a ser cruciais para o seu crescimento e sucesso? Quais são as principais lições de vida, seja a nível pessoal ou profissional, que retira desta experiência até hoje?
Nunca facilitar. Eu nunca dou um dado por adquirido. Nunca considero que já fiz o suficiente ou que já sei o suficiente ou o que tenho vai estar sempre lá. Como diz o ditado, convém não nos deitarmos “à sombra da bananeira.”

Falemos, agora, do Direito em Portugal. Tendo em conta aquela que é a sua vasta experiência, de uma forma geral, como observa a atualidade do setor jurídico no país? Quais foram, na sua perspetiva, as mudanças que mais impactaram a área desde que iniciou a sua atividade?
Existiram muitas mudanças. Apontando aquelas que me surgem logo na memória como muito impactantes, lembro-me que quando iniciei a minha carreira ainda nem existia o Código do Trabalho, que é apenas de 2009. A legislação laboral estava toda em legislação avulsa. Em 2013 existiu uma grande reforma do Código de Processo Civil, com mudanças estruturais no processo civil. E na área da família, que é uma área com a qual eu trabalho bastante existiu uma mudança histórica em 2008 quando se eliminou o fator culpa nos processos de divórcio. No chamado divórcio litigioso, o juiz deveria declarar a culpa dos cônjuges no divórcio, o que tinha consequências patrimoniais negativas, em sede de partilha, para o cônjuge declarado culpado. Isto levava a que se gerassem processos de divórcio muito litigiosos devido unicamente a essas consequências patrimoniais. Situação que desapareceu. Inclusive deixou de se usar a expressão “divórcio litigioso” para se passar a dizer: ‘divórcio sem consentimento de um dos cônjuges’. Por outro lado, nestes casos de falta de consentimento de um dos cônjuges, abriu-se o leque de possibilidades para se requerer o divórcio para quaisquer factos, para além daqueles que a lei já consagrava, que, independentemente da culpa dos cônjuges, mostrem a rutura definitiva do casamento, tornando mais acessível o recurso ao divórcio.
E, por fim, sublinho as alterações legislativas de 2015, que refletiram uma mudança de paradigma muito importante, nos processos que envolvem crianças, colocando a criança no centro do processo, como o sujeito dos direitos e interesses que se visam proteger, colocando o superior interesse da criança como princípio norteador de qualquer decisão. E, processualmente, reforçaram-se os mecanismos de busca de soluções negociadas, tentando-se reduzir os níveis de conflito entre os pais e, de preferência, que sejam os próprios pais a conseguir construir a regulação do exercício das responsabilidades parentais que terão de cumprir.

Sabemos que tem várias pós-graduações na área do Direito da Família e das Crianças. Como avalia o estado atual desta área do Direito em Portugal?
Como pontos positivos, penso que a legislação é a adequada e vejo magistrados conhecedores da área e preocupados em proteger as crianças. Mas é difícil fazer justiça quando faltam funcionários judiciais para tramitar os processos, quando faltam magistrados, faltam meios técnicos. Quando as instituições que atuam em coadjuvação com a justiça também não têm meios, nem profissionais, como é o caso, entre muitos outros, da segurança, social, da medicina legal, das CPCJ, faltam instituições para receber crianças e jovens em risco, as que existem têm poucos meios. Faltam instituições para que mães jovens e sem apoio familiar ou com necessidades especiais possam estar com os seus filhos. E falta fazer uma grande aposta numa cultura para que os portugueses, que tenham essa possibilidade e idoneidade, possam ser famílias de acolhimento e estar disponíveis para o apadrinhamento civil. No que diz respeito aos processos de regulação das responsabilidades parentais, falta fazer uma aposta real na resolução consensual dos conflitos parentais, que atualmente é apenas uma miragem, por total falta de investimento do Estado nesse sentido.

Com o avanço das tecnologias digitais, como verifica a transformação da prática jurídica? De que forma, o seu Escritório, tem adotado essas novas tecnologias para melhorar os serviços prestados?
Quando eu comecei a advogar os processos eram todos em papel, todas as notificações eram recebidas via correio, todas as peças processuais eram dadas entrada em papel ou, no limite, enviadas por faxe. Atualmente os processos estão informatizados, podem ser consultados através de sistema informático, as peças processuais e as notificações são recebidas também por via informática. É muito mais fácil a gestão do processo e as notificações são também muto mais fáceis e céleres e isso é uma grande vantagem.
Mesmo em julgamento, são mais simples as inquirições à distância, com recurso aos meios digitais, assim como a visualização de documentos ou vídeos em audiência através dos meios digitais. Portanto, nesse aspeto existiu uma grande evolução nos últimos 25 anos.
O nosso escritório, naturalmente, acompanha o tempo. Eu tenho vários clientes com quem nunca estive pessoalmente, sendo os contactos todos através de videochamada, telefone e email.

Além disso, como avalia a qualidade da formação jurídica nas universidades portuguesas? O que considera que poderia ser aperfeiçoado para melhor preparar os futuros Advogados?
Francamente eu acho que temos boas universidades e um bom ensino. Eu tirei o meu curso pré-bolonha e fiquei preocupada, confesso, quando os cursos de direito passaram de 5 para 4 anos, mas não tenho noção se isso afetou ou não a qualidade do curso. O que eu acho é que os cursos são extremamente teóricos e quase filosóficos. Provavelmente porque terão de o ser, mas por essa razão, existe um fosso enorme entre ser-se licenciado em direito e ser-se advogado.
O que é absolutamente fundamental é que o estágio de advocacia seja bom e rigoroso, porque é o estágio que deve preparar o licenciado em direito para ser advogado. E neste tocante nem tudo corre bem.

Sabemos que o seu Escritório é reconhecido pela sua dedicação ao rigor, confiança e eficiência, princípios essenciais para a prática da Advocacia. Num contexto onde a justiça enfrenta diversos desafios, qual considera ser o papel do Advogado na manutenção e do equilíbrio do sistema jurídico?  
Os advogados são os garantes dos direitos e liberdades dos cidadãos. Os advogados são um elemento absolutamente fundamental e insubstituível na administração da justiça. Qualquer tentativa de afastar ou dispensar um advogado da justiça ou dos tribunais resulta num prejuízo sério para os cidadãos. Quando em forma de presente envenenado, em abono de princípios de simplicidade ou celeridade, se apresenta o recurso à justiça, como não sendo obrigatória a intervenção de um advogado, essa situação acaba por sair mais dispendiosa ao cidadão que, caindo nessa armadilha, prescindiu do recurso ao advogado.

Com os olhos postos no vindouro, quais são os maiores desafios que prevê para o futuro da Advocacia?
A advocacia sofreu um ataque vil quando o último governo, aproveitando-se da maioria absoluta que tinha, alterou a lei dos atos próprios dos advogados, permitindo a prática por outros profissionais de atos que eram reservados aos advogados, permitindo que qualquer licenciado em Direito possa, por exemplo, passar a prestar consulta jurídica, sem precisar de se inscrever na Ordem dos Advogados, o que acarretará para os cidadãos e empresas efeitos e consequências trágicas. Também veio a permitir que a negociação e cobrança de créditos pudesse passar a ser feita por empresas de cobranças difíceis, com enorme risco de lesão dos cidadãos desprotegidos. São alterações que acabam por beneficiar apenas grandes grupos que se vão aproveitar destas alterações para ganhar muito dinheiro colocando pessoas impreparadas a fazer o trabalho de advogados e a deixar desprotegidos os cidadãos.
Assim como foi alterado o estatuto da Ordem dos Advogados, dificultando o acesso à profissão, retirando rigor e tempo ao estágio e que introduz alterações que têm subjacentes uma intenção de funcionalização dos Advogados e Advogadas, o que acarreta um perigo para a sociedade portuguesa porque coloca em causa a democracia e o estado de direito democrático.
É caricato que as questões urgentes e que efetivamente deveriam ter sido alvo de alteração continuam, há muitos anos, sem resposta, como seja a falta de direitos sociais dos advogados e o facto de a tabela de honorários do patrocínio oficioso não ser atualizada desde o ano 2004.

Por fim, quais são os seus objetivos e aspirações para o futuro, tanto no âmbito pessoal como profissional? O que almeja alcançar a médio e longo prazo?
Os meus objetivos a nível pessoal e profissional passam, em primeiro lugar, por manter o que tenho, que já é tanto. Em segundo lugar, profissionalmente, passa também por continuar a aprofundar os meus conhecimentos na área do direito do trabalho. No ano letivo transato frequentei uma pós-graduação em direito do trabalho na Faculdade de Direito de Lisboa e gostaria também de continuar a desenvolver esta área de atuação.