Diretiva de Reporte Corporativo de Sustentabilidade (CSRD): A estratégia de financiamento sustentável da União Europeia

Numa altura que vivemos profundas renovações no seio da União Europeia no que à Sustentabilidade Corporativa diz respeito, a Revista Pontos de Vista não poderia deixar de lado esta matéria. Convidamos para isso a nossa parceira e especialista em Sustentabilidade, Sónia Monteiro, para ultimar tão breve quanto possível algumas das medidas tomadas e o que as empresas terão de assegurar nos próximos tempos sobre o seu desempenho!

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Publicada a 14 de dezembro de 2022, a Diretiva de Reporte Corporativo de Sustentabilidade (CSRD) entrou em vigor a 5 de janeiro de 2023 e visa assegurar que as empresas comuniquem informações sobre sustentabilidade fiáveis, comparáveis e relevantes para os stakeholders avaliarem o desempenho não financeiro das empresas. Que análise perpetua da CSRD e que mais valias identifica na mesma?
Esta Diretiva decorre do Pacto Ecológico Europeu apoiando a estratégia de financiamento sustentável da UE, sendo complementada pelas 12 normas transversais de elaboração de relatórios de sustentabilidade (ESRS) desenvolvidas pelo European Financial Reporting Advisory Group (EFRAG). As primeiras empresas abrangidas terão que publicar os seus relatórios em 2025, referentes ao exercício financeiro de 2024, de acordo com as novas regras assegurando que os investidores e outros stakeholders tenham acesso às informações necessárias para avaliar o impacto da empresa nas pessoas e no ambiente, assim como para avaliar os riscos e oportunidades financeiras que decorrem das alterações climáticas e outras questões relacionadas com a sustentabilidade. Prevê-se que contribua para a redução dos custos de reporte a médio e longo prazo, harmonizando as informações facultadas nos relatórios de sustentabilidade. Numa fase inicial trará bastantes desafios para as empresas que terão que se adaptar às novas exigências com alguma velocidade, o que nem sempre é fácil e irá variar de acordo com a atividade, dimensão da empresa, da sua forma de governação e da capacidade da mesma em superar estes, e outros, desafios.

Quais são as principais mudanças que a CSRD aporta e a quem se destinam?
Esta Diretiva vem substituir a Diretiva de Reporte Não-Financeiro abrangendo, como esta última, e a partir de 1 janeiro de 2024 todas as empresas cotadas nos mercados regulados pela UE, com mais de 500 trabalhadores. Numa segunda fase, a partir de janeiro de 2025 estarão também abrangidas, além das grandes empresas de interesse público, todas as grandes empresas que preencham dois destes três critérios à data do balanço: possuam um número médio durante o período de mais de 250 funcionários e/ou mais de 40 milhões de euros de volume de negócios líquidos e/ou mais de 20 milhões de euros de balanço total. A partir de 1 de janeiro de 2026 as Pequenas e Médias Empresas (PME) cotadas em bolsa, e que não sejam microempresas, também terão que passar a divulgar, apesar de estarem sujeitas apenas a normas de informação simplificadas até 2028. Estão também abrangidas, numa última fase, as empresas multinacionais não pertencentes à UE com volume de negócios líquido de 150 milhões de euros e, pelo menos, uma filial ou sucursal significativa na UE (excluídas da obrigação apenas caso as suas informações não financeiras estejam incluídas no relatório de gestão consolidado da empresa-mãe). Portanto, um maior grupo de empresas passará a estar abrangido pela obrigatoriedade de reportar o seu impacto ESG. Esta abrangência de aproximadamente 50.000 empresas representa uma mudança bastante significatica. O facto da Diretiva ser suportada por 12 Normas Transversais de Elaboração de Relatórios de Sustentabilidade (ESRS), que contêm requisitos de divulgação que as empresas devem respeitar em cada um dos tópicos abordados sobre impactos materiais, riscos e oportunidades relacionados com os ESG vem também ampliar consideravelmente as exigências de divulgação, abrangendo estas tanto as actividades próprias da empresa como a sua cadeia de valor a montante e a jusante. O relatório de sustentabilidade passará a ter que ser integrado no relatório de gestão, possuir uma secção própria e toda a informação deve ser etiquetada de acordo com um sistema de categorização digital e formato de comunicação eletrónico. Passará também a ser obrigatório que seja realizada uma verificação externa por auditores autorizados de forma a garantir a fiabilidade dos dados, a conformidade do processo e o cumprimento das normas de reporte. Outra mudança bastante relevante, e que deve constituir a base e o ponto de partida da estratégia de sustentabilidade, é o princípio da Dupla Materialidade que a CSRD vem introduzir. Esta análise de dupla materialidade exige uma avaliação e conhecimento aprofundado da organização, das suas atividades e dos seus impactos, incluindo tanto o impacto que a empresa causa nas temáticas de sustentabilidade (materialidade de impacto) como o impacto que as questões de sustentabilidade exercem sobre a empresa (materialidade financeira). Para informação mais detalhada e salvaguardando eventuais atualizações recomendo sempre que seja consultada diretamente a Diretiva em causa.

De que forma é que estas novas regras de reporte em vigor na União Europeia (UE) tornaram o processo mais rigoroso e transparente?
As ESRS uniformizam a forma como as empresas europeias passarão a reportar o seu impacto ESG pois fornecem diretrizes claras e promovem um determinado padrão de reporte. Dessa forma imprimem um maior rigor e transparência ao processo, contribuindo para que a tomada de decisões por parte dos investidores e outros stakeholders seja realizada de forma informada e com base em dados credíveis e comparáveis. A revisão independente das divulgações de sustentabilidade também vem reforçar a precisão e a confiabilidade dos dados apresentados. As organizações têm que reportar e gerir não “apenas” os riscos, mas também as oportunidades associadas aos ESG, o que contribui também para a transparência de todo o processo. Além disso a informação divulgada, incluindo a informação qualitativa, deverá ser consistente com o que foi divulgado no relatório financeiro.

Como é que a mesma veio permitir que clientes, fornecedores e outros stakeholders conheçam o impacto que as empresas têm no ambiente e as medidas que tomam para o mitigar?
A sustentabilidade deixou de ser um tema desconhecido e é já amplamente reconhecido e discutido em vários fóruns corporativos e pelo público em geral. Existe uma conscientização global sobre as questões ESG, devido sobretudo às alterações climáticas, escassez de recursos e desigualdades sociais e isso tem intensificado a pressão sobre as empresas. Por isso, investidores, clientes, fornecedores e a comunidade em geral estão mais atentos e exigentes relativamente às práticas e relatórios de sustentabilidade das organizações. A Diretiva irá garantir uma maior acessibilidade à informação dado que as empresas abrangidas são obrigadas a elaborar relatórios de sustentabilidade e a divulgá-los utilizando, por exemplo, os seus sites corporativos. Qualquer um dos stakeholders interessados em saber mais sobre uma organização, as suas práticas de sustentabilidade, impactos positivos e negativos, riscos e oportunidades terá assim acesso facilitado à informação.

Podemos afirmar que, com esta diretiva, a UE pretende também valorizar a estratégia ESG das empresas, atribuindo às questões ESG uma importância semelhante à dos resultados financeiros?
A divulgação de informação não financeira passará a ser tão importante na UE como é atualmente o relatório financeiro. E deverá assegurar tanta qualidade como este último. Este facto traz uma maior valorização dos aspectos ESG e a necessidade da sua integração ao nível estratégico da empresa. Acredito que só assim será possível garantir verdadeiros resultados e o cumprimento desta Diretiva. As empresas passam a ter que se relacionar com todos os seus stakeholders (ou pelo menos com os que identifiquem como mais relevantes) durante o processo de elaboração dos relatórios, garantindo que as suas preocupações sejam consideradas nas suas estratégias. Será uma outra forma, mais completa, das empresas avaliarem e gerirem o seu negócio.

Esta legislação da UE obriga a que empresas cotadas em bolsa e grandes empresas passem obrigatoriamente a incluir nos seus relatórios financeiros informações sobre os riscos e as oportunidades que resultam de questões sociais e ambientais, e sobre o impacto das suas atividades nas pessoas e no ambiente. Sente que podíamos ter ido mais além? Por exemplo, as microempresas ficaram de fora deste processo. Que comentário lhe merece?
Incluir já as microempresas seria prematuro, na minha opinião.
Regra geral possuem recursos mais limitados, menor disponibilidade de recursos humanos e financeiros o que torna mais difícil responderem às exigências da Diretiva. Um sistema simplificado de reporte para estas empresas poderia eventualmente ajudar a promover uma cultura de sustentabilidade e a estimular a sua inovação. Seja como for o impacto de uma microempresa tem tendência a ser menor pelo que não me parece que fosse prioritário, pelo menos para já, incluir as empresas desta dimensão. Por outro lado, estas microempresas possuem também um impacto cumulativo e, portanto, mesmo que não seja para já deverá ser abordada algum tipo de inclusão no futuro.

Uma das grandes bandeiras da CSRD passa pela questão da transparência e fiabilidade das informações. Para que isto seja de facto uma realidade, esses relatórios são alvo de auditorias e certificações independentes?
Como referi anteriormente uma das alterações que a CSRD vem trazer é a necessidade de uma auditoria por entidade externa aos relatórios de sustentabilidade, onde o auditor irá verificar se as informações reportadas são confiáveis ​​e atendem aos padrões exigidos. Com isso pretende-se garantir a transparência, a precisão dos dados reportados e aumentar o nível de confiança da informação divulgada. Por agora apenas os auditores autorizados poderão dar garantias sobre o relatório de sustentabilidade.

De que forma é que a CSRD aporta desafios e oportunidades para as empresas, criando valor para a própria empresa, recursos humanos, fornecedores, investidores e clientes? Quais são, na sua opinião, os grandes desafios na implementação desta diretiva?
É uma grande oportunidade que as empresas têm para se focarem em melhorar a sua performance de sustentabilidade. É muito importante que o foco das empresas não se restrinja “apenas” às questões de reporte. Deverão também atuar nas iniciativas de sustentabilidade já existentes, impulsioná-las e, simultaneamente, identificar novas oportunidades, fazer diferente e sobretudo fazer melhor. Depois sim, reportar. Um dos desafios será acompanhar e desenvolver estes dois processos em simultâneo e de forma coordenada e lógica. É fundamental que todas as áreas da organização sejam envolvidas, facultem o seu contributo, e isso representará uma mais valia para a estratégia da empresa pois estimula a interligação entre vários departamentos. Dado que as informações divulgadas devem abranger tanto as atividades próprias da empresa e a sua cadeia de valor a montante e a jusante cria também uma oportunidade para a empresa conhecer melhor tanto clientes como fornecedores. Integrar e analisar todos os dados e insights recolhidos nestas interações representa um dos maiores desafios que as empresas necessitam de ultrapassar, sobretudo as que possuem menor capacidade para investir em inovação, nomeadamente em software de análise de dados ESG. Esta necessidade de acesso a dados de qualidade impulsiona, por outro lado, as empresas a inovar e a encontrar formas mais eficientes e confiáveis de tratar os seus dados.

As empresas em Portugal estão preparadas para responder às exigências e desafios da CSRD?
Esta Diretiva obrigará a uma grande evolução dos processos administrativos das empresas e no tratamento interno dos seus dados. As Pequenas e Médias Empresas (PME) poderão ter maior dificuldade em adaptar-se. As grandes empresas e sobretudo as multinacionais devido à sua maior complexidade também terão que ultrapassar vários desafios para se adaptarem às novas exigências. Um enorme desafio será a forma como terão que passar a rastrear com toda a sua cadeia de abastecimento e influenciar o seu desemepnho ESG. Seja como for a sua maior capacidade de investimento poderá ajudar a acelerar e facilitar a sua resposta às novas exigências. Sem dúvida que esta Diretiva vem criar uma pressão adicional para todas as empresas e que um dos fatores decisivos na adaptação, dependendo também do setor de atividade, será o acesso a dados de qualidade, recursos humanos com formação adequada em sustentabilidade e acesso a capital. Algumas empresas já estão a implementar alterações na forma como reportam a sua informação não financeira e algumas inclusivamente já publicaram o seu último relatório alinhado com as exigências da CSRD e requisitos de reporte das ESRS, mesmo não sendo ainda obrigadas a fazê-lo.
Outras ainda estão a começar o seu caminho. Independentemente do ponto em que se encontram o mais importante será que encarem este tema de uma forma estratégica, que a gestão de topo seja envolvida desde o início e que esteja claro para toda a organização o caminho a seguir. De salientar que deve estar claro para todos os stakeholders que as temáticas de sustentabilidade não incluem “apenas” questões ambientais mas também as outras dimensões (social e governance). A definição dos indicadores de performance a monitorizar é também muito relevante pois a organização deverá utilizar aqueles que se adaptam à sua realidade e que têm a possibilidade de influenciar. É fundamental que as empresas dediquem tempo a selecionar os indicadores certos. Se assim não for toda a sua estratégia poderá, mais tarde, ser colocada em causa e como consequência também os resultados positivos pretendidos.