Na última entrevista à Pontos de Vista, falamos das alterações ao Estatuto da Ordem dos Advogados. Agora que está em vigor há uns meses, que alterações trouxe?
As sociedades estão a decidir se adoptam, ou não, a forma comercial. Alguns advogados decidiram constituir sociedades comerciais unipessoais. Os estágios encolheram disparatadamente, os estagiários passaram à segunda fase e seis meses depois têm de entregar o relatório de conclusão de estágio. Um absurdo.
A mudança mais evidente, até ao momento e do meu conhecimento, é a publicidade. Foi revogada, por inteiro, a norma da publicidade. Alguns advogados decidiram dinamizar anúncios e outros meios publicitários de impacto, para aquisição de mercado. De uma forma não habitual na advocacia portuguesa, para dizer o menos.
Não acha que essas alterações foram úteis?
Não, de todo! A norma da publicidade carecia de ser repensada, actualizada e modernizada. Passar de quase nada a tudo, não faz sentido, não é próprio da profissão, há uma reserva e uma contenção que têm de permanecer na advocacia. Não é uma actividade que se deva promover em outdoors por exemplo!
Que impacto tem a previdência na vida dos advogados. A sociedade começa agora a ouvir falar da CPAS (caixa de previdência dos advogados e solicitadores), o que se discute?
A CPAS é a previdência dos advogados. Temos de descontar obrigatoriamente para a Caixa, que é basicamente uma Caixa para a reforma.
Existem dois problemas de fundo, a CPAS foi criada há pouco mais de 75 anos, quando a profissão era exercida quase exclusivamente, se não mesmo exclusivamente, por homens advogados e que eram em número muitíssimo reduzido. À data não eram muito conhecidas ou tratadas doenças que se generalizaram, como as oncológicas. Cada vez mais as doenças têm tratamento e cada vez mais os tratamentos são ambulatórios, isto é, vamos ao Hospital e regressamos a casa. O problema é que muitos destes tratamentos são incapacitantes e impeditivos do trabalho.
E não têm baixas?
A CPAS não tem natureza assistencialista, mas sim de previdência. Não temos baixas propriamente ditas, mas a CPAS já tem seguros contratados que asseguram determinada remuneração, durante certo tempo. O problema é que nem sempre chega.
O assunto tem de ser discutido, porque, na verdade, as necessidades são outras, que não existiam aquando da sua criação. Temos subsídio de maternidade e nascimento, mas não de doença.
Também é certo que o modelo do profissional liberal não assenta a todos. Planear, programar, poupar, fazer um aforro como a formiga na fábula, para os meses menos bons ou de maior despesa. Para o objectivo da maternidade. Enfim, o mundo mudou, a profissão também. O elevado número de advogados também impõe maior concorrência e nem todos se conseguem afirmar.
E a passagem para a Segurança Social?
Caso isso algum dia suceda, não será, certamente um mar de rosas, nem a solução para todos os problemas! Têm de se fazer estudos. É preciso que a Segurança Social queira… assegurar os direitos adquiridos. Há um sem fim de questões a debater, esclarecer e responder.
O que acho sinceramente, e note-se que só tenho descontos para a CPAS, é que a discussão é necessária e tem de existir, sem preconceitos, sem queixumes e sem extremar posições.
Mudando de tema. Quais são os desafios que se colocam na sociedade actual que demandem o apoio de advogado?
Todos!
O cidadão reclama que não tem médico de família, mas também precisa de advogado de família.
A velocidade permanente de mudança de leis, entradas em vigor de regimes novos ou diferentes, exige uma atenção permanente, por forma a evitar deslizes ou incumprimentos.
É difícil a um cidadão ou pequena empresa, ou até de média dimensão, manter-se a par da legislação da sua área de actividade, para o correcto cumprimento de todas as suas obrigações.
Desde a agenda do trabalho digno a múltiplas exigências de áreas tão distintas, do ambiente à responsabilidade social, à tributária, etc, que justificam a elaboração de manuais de conduta internos que auxiliam a gestão da empresa e os trabalhadores. Segue-se a necessidade de formar pessoas, elucidando-as das obrigações legais. Fazer programas sérios sobre o assédio, o cumprimento das regras da empresa, seu impacto no sucesso destas, é matéria que pode, e deve, ser cometida ao advogado.
Muitos são aqueles que receiam ir ao advogado, o preço que terão de pagar… e escolhem consultórios on-line em vez de se precaverem e recorrerem à advocacia preventiva, buscando informação, apoio e aconselhamento antes da tomada de decisão, evitando o erro.
Depois buscam-se resoluções em tribunal.
Então há mercado para mais advogados?
Bem, não creio que possamos crescer muito mais em número, mas em qualidade e diversidade, sem dúvida. Basta pensarmos nas novas áreas de negócio e de evolução que, obrigatoriamente determinam novas áreas de especialização e conhecimento.
Os negócios desmaterializados, o impacto da comunicação digital, a criminalidade digital, a inteligência artificial, a regulação de mercados, as regras anticorrupção são apenas um lote do manancial de conhecimento que se exige actualmente.
Temos também de ter presente, que nem todos podemos fazer o mesmo, conhecer tudo, dominar tudo.
Mas é muito divertido encarar novos desafios, estudar um tema novo e decidir tomar um novo caminho.
NOTA: Os autores não escrevem de acordo com o Acordo Ortográfico em vigor.