“O cérebro é um órgão complexo e fascinante, capaz de nos surpreender”

Maria Edite de Oliveira, Psicóloga Clínica e Investigadora na Universidade Nova de Lisboa, explorou, em entrevista, a relação entre a Psicologia e a Neurociência para compreender o comportamento humano e salientou a importância de cuidar do Cérebro, este que é um órgão central, crucial para o desenvolvimento pessoal e para a saúde mental. Saiba tudo.

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Como Psicóloga Clínica e Investigadora na Universidade Nova Lisboa, o seu trabalho abrange tanto a Psicologia como a Neurociência. Poderia falar-nos um pouco sobre como estas duas áreas se interligam no seu trabalho diário?
A relação entre psicologia e neurociência é de complementaridade, ambas contribuem para a compreensão do comportamento humano, da mente e do cérebro.
Enquanto que a psicologia estuda o comportamento e os processos mentais, como a perceção, o pensamento, a emoção, a neurociência estuda a estrutura e as funções do sistema nervoso, as diferentes áreas do cérebro, sua relação e expressão no comportamento. No nosso dia a dia é importante conhecer como funcionam e se relacionam todos estes processos cerebrais e a sua expressão no comportamento dos estudantes. Só ligando o substrato cerebral com o psicológico se pode compreender o comportamento humano.

O Dia Mundial do Cérebro, celebrado a 22 de julho, é uma data importante para a consciencialização sobre a saúde cerebral. Como vê a importância desta data no contexto da Psicologia Clínica e da Neurociência? Que mensagem considera crucial transmitir à sociedade sobre a importância de cuidar do cérebro?
O cérebro é o órgão central do sistema nervoso, responsável pela integração das atividades sensoriais e motoras, pela regulação de funções corporais vitais e pelo processamento de informações complexas.
Considero importante assinalar esta data, uma vez que tanto a psicologia clínica como a neurociência têm na base o conhecimento do comportamento e o funcionamento do cérebro. É nele que estão sediadas as funções nervosas superiores responsáveis pelo nosso comportamento. O cérebro é um órgão complexo e fascinante, capaz de nos surpreender. Ele é o centro do nosso comportamento e por isso merece todo o nosso carinho e gratidão.

No seu ponto de vista, de que forma o funcionamento do cérebro influencia diretamente o desenvolvimento pessoal e humano? Como é que uma melhor compreensão das funções cerebrais pode promover um crescimento pessoal mais saudável?
As componentes cerebrais são responsáveis por toda a atividade psicológica, as funções psicológicas habitam o cérebro e neste sentido nós vamos estruturando a nossa mente com as experiências e vivências ao longo do nosso desenvolvimento, mas tudo isto a partir das capacidades cerebrais que temos, como a memória, o raciocínio, a atenção/concentração, o planeamento. A nossa psiqué forma-se a partir das nossas vivências e experiências sedimentam-se nas capacidades e competências cerebrais. Conhecer as nossas características cerebrais ajuda-nos a situarmos as nossas capacidades e potenciá-las em função das suas componentes. Será sempre em função da base cerebral que dispomos que edificamos as estruturas psicológica e cognitiva. Permitindo-nos, desta forma melhor crescimento e maior bem-estar.

A educação e a consciencialização sobre a saúde mental são fundamentais. Que estratégias acredita serem mais eficazes para promover uma maior compreensão pública sobre a importância do cuidado com a saúde mental e cerebral? De que forma as instituições educativas e de saúde podem colaborar para essa finalidade?
É importante sensibilizar e formar. A saúde mental é uma área que levanta pouco interesse político, porque os resultados são morosos e pouco expressivos. A saúde mental não se vê e por isso nenhum governo pretende investir nesta área. Temos assistido a algum investimento, ainda muito insuficiente, depois da pandemia. Portanto é um caminho a percorrer. As instituições educativas devem apostar em programas, ações e sessões de informação e sensibilização, mas também em programas de prevenção. Investir nas mentorias entre pares, tutoriais e outras dinâmicas grupais que possibilitem a boa integração dos alunos nas escolas e promovam bem-estar e sucesso académico.

Quais têm sido os maiores desafios enfrentados na sua pesquisa sobre o cérebro e a Psicologia? Poderia contar-nos sobre algum avanço recente ou descoberta inovadora que considera particularmente significativo nesta área?
O meu principal desafio é a escassez de recursos para investir na produção e partilha de conhecimento. Os avanços na área da psicologia e da neurociência são consideráveis, nomeadamente em meio escolar. Estes avanços são muitos e rápidos sobretudo pelo recurso a tecnologias avançadas, como técnicas de imagem, tais como, neuroimagem, genética, inteligência artificial e optogenética que possibilitam diagnósticos mais rápidos e eficazes bem como tratamento e reabilitação cognitiva.

Em que medida as intervenções terapêuticas modernas têm vindo a mostrar-se eficazes na modificação do funcionamento cerebral? De que forma essas terapias impactam positivamente a neuroplasticidade e a saúde mental dos pacientes?
As intervenções terapêuticas modernas têm um impacto significativo na neuroplasticidade e na saúde mental, proporcionando abordagens mais eficazes para o tratamento de várias condições neurológicas e psiquiátricas. Permitem que o cérebro se reorganize, formando novas conexões neuronais ao longo da vida e assim permitir a recuperação e a adaptação cerebral. A formação de novas sinapses permite recuperar funções perdidas ou estimular outras. Isto é particularmente importante em doenças neurológicas como o Parkinson mas também em perturbações de desenvolvimento como o PHDA.
Por outro lado, ajuda o paciente a autorregular a atividade cerebral levando à modificação de padrões disfuncionais da atividade neural contribuindo para melhorias significativas ao nível da ansiedade, do humor e da depressão.

Considerando o rápido avanço das tecnologias e o crescente interesse pelo estudo do cérebro, quais são as suas perspetivas para o futuro da Psicologia e Neurociência? Que inovações ou tendências acredita que irão moldar esta área nos próximos anos?
Fruto da revolução tecnológica, as inovações futuras na psicologia e na neurociência têm o potencial de transformar de forma rápida e profunda as abordagens e a compreensão da saúde mental e neurológica.
Através da combinação de avanços tecnológicos, abordagens personalizadas e colaborações multidisciplinares o conhecimento do cérebro e do comportamento humano serão cada vez mais profundos e avançados. Assistimos a diferentes inovações tecnológicas tais como, as tecnologias avançadas de neuroimagem, as intervenções terapêuticas personalizadas, a estimulação neuronal avançada, a neuroética e regulação, a neurotecnologia e integração cérebro-computador, a psicoterapia digital e realidade virtual, a pesquisa translacional e colaboração multidisciplinar, a exploração da consciência e estados alterados de consciência, a neurogenética e epigenética, a inteligência artificial e Big Data, a conjugação destas técnicas permitem uma compreensão, tratamento e monitorização do cérebro muito grandes.
Da combinação de técnicas partimos para diagnóstico e tratamento muito sofisticados e rápidos com uma intervenção em termo curto. Todavia, o estudo da mente e do cérebro não pára e o caminho será longo face a tanta complexidade e imprevisibilidade do nosso comportamento.