Jorge Conde, presidente do Politécnico de Coimbra, reforça a importância da ligação ao tecido empresarial

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O Instituto Politécnico de Coimbra (IPC) tem investido fortemente em parcerias empresariais, com iniciativas como o Projeto @GIR, que apoia pequenas e médias empresas da região na inovação e acesso a fundos europeus, e a Associação Coimbra iTEC, que une o IPC a outras instituições e empresários para promover o desenvolvimento tecnológico e a empregabilidade. Essas colaborações permitem que os estudantes do IPC adquiram experiência prática desde o início dos seus cursos, com destaque para áreas como saúde, agronomia e negócios. A abordagem do IPC, centrada na aplicação prática e proximidade com o setor empresarial, tem-se mostrado essencial para aumentar a empregabilidade dos estudantes e manter o ensino atualizado às exigências do mercado de trabalho atual.

Pode descrever algumas das principais iniciativas do Instituto Politécnico de Coimbra (IPC) no desenvolvimento de parcerias empresariais que visam melhorar a empregabilidade dos seus alunos?

O Politécnico de Coimbra, não só naquilo que são os serviços organizados de forma centralizada, mas, fundamentalmente, nas suas escolas, tem feito um trabalho muito grande de aproximação à economia local e, também, à economia regional e nacional. Principalmente junto da economia regional, no sentido de dar resposta àquilo que as empresas necessitam e, nesse sentido, temos dois projetos a que eu daria destaque que é o Projeto @GIR. Agir é um acrónimo de gabinetes de inovação regional que na realidade quer dizer “Agir pelo território”. O que o projeto faz é ir aos municípios da região com quem temos protocolo e ajudar empresas a fazerem inovação e desenvolvimento, através de candidaturas a projetos com fundos europeus, a prepararem produtos e/ou novos serviços, com novas formas de fazer as coisas no sentido de tornar as empresas mais competitivas, mais competentes e mais resilientes. Queremos ajudar o tecido empresarial, fazer com as PME´S aquilo que as grandes empresas fazem, que é terem um gabinete de inovação e desenvolvimento e, portanto, como a maioria das empresas não tem essa capacidade, nós oferecemos essa capacidade às empresas. Outro dos projetos é denominado Coimbra iTEC que é uma associação que junta o Politécnico de Coimbra com o Instituto Superior Miguel Torga, que é a Instituição de Ensino Superior privada da cidade, e com o Conselho Empresarial da Região de Coimbra, constituído pelas Associações Empresariais dos municípios da Comunidade Intermunicipal da Região de Coimbra. Estes são os dois macro projetos do Politécnico em que a parte técnica e científica é desenvolvida pelos investigadores e pelos professores de cada uma das nossas escolas. Nós queremos ser uma instituição verdadeiramente de aplicação, uma escola de ciências aplicadas, não queremos ter um ensino fechado, em sala de aulas, num contexto muito tradicional do ensino.

 

Como o IPC tem colaborado com empresas para alinhar os currículos dos cursos com as necessidades do mercado de trabalho?

Essa é a parte mais complicada porque uma percentagem elevada dos professores está há muito tempo no mundo académico com a comodidade que esse mundo transmite, e nem sempre estão atentos às transformações do mercado de trabalho. Acontece, muitas vezes, que a determinada altura o estudante vai para o contexto prático e percebe que aquilo já não corresponde ao modelo teórico que lhe transmitiram. Esta ideia que temos que fazer todos estes projetos envolvendo os professores é também para que estes se apercebam das mudanças que a indústria, o comércio e os serviços vão tendo, no sentido de eles próprios irem à procura de um novo conhecimento para transmitirem aos estudantes. Uma instituição que não está aberta às empresas morre.

Nós, em Portugal, vivemos num sistema binário, entre o sistema universitário e politécnico e temos assistido ao sistema universitário a sair de dentro das suas paredes e a ligar-se às empresas, porque se percebeu que a tecnologia se desatualiza com uma velocidade tão grande que é melhor para os estudantes estarem dentro das oficinas e dos laboratórios empresariais onde, tecnicamente, trabalham com a tecnologia mais avançada. Isso está a acontecer com todos os setores económicos, na indústria tradicional, na construção civil, com tudo. Hoje é impensável formar engenheiros civis que não andem no meio de uma obra, que não percebam como funciona e como tudo acontece em contexto muito prático. O ensino politécnico nasceu para fazer este modelo de ensino aplicado, mas a tentação para copiar as universidades também foi desvirtuando um pouco o modelo a que nos tínhamos proposto. A nossa mais-valia, do ensino, é esta força que temos de conseguir alterar aquilo que ensinamos. Às vezes não é necessariamente obrigatório alterar os currículos, mas sim ensinar os conteúdos de forma diferente. E essa ligação às empresas permite-nos isso.

 

Quais são os principais desafios que o IPC enfrenta ao estabelecer parcerias com o setor empresarial e como a instituição os tem superado?

Os principais desafios é perceber o mercado, saber se, quando eu perceciono que tenho que fazer mudanças, sou capaz de as fazer com a minha matéria prima, ou seja, se os nossos professores são capazes de responder ao mercado de trabalho. O desafio de uma instituição, no nosso caso, com um quadro de 700 professores, é saber que todas as mudanças são muito lentas. Qualquer alteração num curso demora, pelo menos, 6 anos a ter repercussões no mercado de trabalho. Hoje, com o avanço tecnológico, com a inteligência artificial, com a sustentabilidade, com a economia circular, com tudo isto que nós vivemos hoje, em pleno final do primeiro quartil do século XXI, ou nos adaptamos ou, se continuamos parados em 1980, as instituições fecham.

Outro importante desafio, concretamente para o Politécnico de Coimbra, é esta metropolização que está a acontecer do país. Do ponto de vista do poder, ele está centralizado numa só metrópole: o poder está todo em Lisboa. Depois temos uma segunda metrópole, o Porto, que divide o poder económico com Lisboa. Esta bicefalia obriga o resto do território, Coimbra incluída, ao desafio de conseguir manter o território vivo. O nosso repto é trabalhar com as empresas que estão no nosso território. Viver com o nosso tecido empresarial e manter a qualidade formativa, o conhecimento aplicado que os territórios muito industrializados de Lisboa ou do Porto permitem, é um desafio acrescido para quem está fora dos grandes centros.

 

Pode partilhar alguns exemplos de sucesso de parcerias entre o IPC e empresas que resultaram em oportunidades de emprego ou estágios para os alunos?

Falar de oportunidades com nomes concretos à frente não é muito fácil, porque isso acontece mais no patamar das escolas e menos no patamar da gestão de topo. Mas exemplificando: todos os anos, em todas as escolas, nós fazemos uma grande feira onde os nossos alunos ou ex-alunos se mostram. E, pegando no exemplo da feira que fazemos na Escola Agrária, todos os anos temos aqui produtores de vinho, de azeite e de outros produtos hortícolas de ex-estudantes nossos que são, em alguns casos, produtores de sucesso, que já atingiram uma quota e um valor de mercado interessante. Falei no vinho, mas também estamos numa zona de cultivo de arroz, do melhor arroz carolino do mundo, como gostamos de dizer no Baixo Mondego e temos também produtores nessa área. Mas se formos para a nossa escola de negócios, provavelmente vamos encontrar auditores, solicitadores, contabilistas de grande sucesso que estão, hoje, no mercado de trabalho com empresas de grande relevância e que foram formados pela nossa escola. E muitos começaram com empresas nossas parceiras e depois foram crescendo. Pegando no exemplo da área da saúde, temos diplomados da nossa escola de saúde a trabalhar na Austrália, na Nova Zelândia, nos Estados Unidos, no Canadá, pela Europa inteira, em grandes hospitais que vêm recrutar, anualmente, a Coimbra. Há grandes hospitais ingleses a recrutar em Coimbra para lá. Porque a escola forma bem e criou essa dinâmica e esse nome. Mas o exemplo serve para o jornalismo, para o desporto ou para a engenharia. Temos, de facto, essa mais-valia que é a ligação ao tecido empresarial.

 

De que forma o IPC está a envolver-se com empresas fora da sua região para expandir as oportunidades de empregabilidade para os seus alunos?

Dando-nos a conhecer, desde logo, pela componente prática dos cursos. Outra das coisas é promover a inovação junto das nossas empresas. Os nossos projetos de inovação e investigação com as empresas fazem com que estas conheçam a nossa capacidade de mudar a nossa capacidade de inovar. Muitos dos nossos estudantes quando chegam à fase de estágio no curso, fazem-no em empresas de fora da região com quem temos parcerias. Este envolvimento tem permitido alargar as parcerias a outros setores como a investigação e desenvolvimento. Temos também uma incubadora de empresas, o INOPOL, que é também uma academia de empreendedorismo e um gabinete de empregabilidade. Ali os nossos ex-estudantes, às vezes até ainda estudantes, começam a desenvolver as suas empresas em conjunto com um patrono, muitas das vezes um empresário onde estagiaram ou tiveram aulas. Aqui eles podem criar uma empresa que pode até iniciar a sua vida interagindo com a empresa que os desafiou a fazer aquele negócio.

 

Como a pandemia e as mudanças no mercado de trabalho afetaram a abordagem do IPC às parcerias empresariais e à empregabilidade dos alunos?

Não sei se afetaram. Se calhar não afetaram, antes pelo contrário, até as potenciaram. Porquê? Porque a pandemia trouxe-nos um nível de concentração a que nós não estávamos habituados. Durante o tempo da pandemia todos nós, individualmente e profissionalmente, passámos a ter um tempo a que não estávamos habituados. Acho que, no ensino, fomos capazes de nos concentrar em adquirir mais conhecimento, ou seja, tínhamos mais capacidade para estudar e maior disponibilidade para transmitir conhecimento. E na relação com as empresas aconteceu um maior foco. A pandemia trouxe-nos foco, obrigou-nos a perceber que não tínhamos que ir daqui a Lisboa, ou daqui ao Porto, ou daqui à Guarda, para ter uma reunião com um empresário. E trouxe-nos, outra coisa, em relação ao ensino prático: a capacidade de perceber o que se passa nas empresas porque passámos a ter que fazer isso, também, à distância. E passámos a usar as tecnologias como nunca tínhamos usado. Aprendemos a trabalhar com menos consumo de tempo e, logo, de energia.

 

O IPC tem alguma estratégia específica para incentivar o empreendedorismo entre os seus alunos? Se sim, quais são as principais ações realizadas nesse sentido?

Temos a nossa academia de empreendedorismo, o INOPOL, que, conjugada com as escolas e com o nosso instituto de investigação, faz a transformação do conhecimento em empresas, em start ups, spin offs. Ao criarmos a incubadora, ao pô-la em contacto com o mercado de trabalho e a procurar estratégias de financiamento para os projetos que surgem, faz com que nós sejamos capazes, não só de procurar emprego para os nossos estudantes, mas também de os ajudar a criar o seu próprio emprego.

 

Como o IPC mede o impacto das parcerias empresariais na empregabilidade dos seus alunos? Existem métricas ou indicadores específicos utilizados?

Sim, o INOPOL faz uma leitura periódica, por norma, a primeira cerca de um ano após o fim dos cursos, para perceber quem está a trabalhar ao fim de um ano. Felizmente, hoje, o ensino superior traz uma nova leitura da empregabilidade. Há 40 anos, na minha geração, era obrigatório trabalhar na área do curso, hoje, isso não acontece. Hoje um curso superior é um atestado de competência, um atestado de saber pensar, é um atestado de estar apto para o mercado de trabalho. O ensino superior está a transformar-se na criação de gente que sabe pensar, gente que sabe resolver problemas, gente que sabe aplicar o conhecimento. Nós temos feito essas métricas para sabermos qual é o nosso nível de empregabilidade, no ramo e na versatilidade de mudança de ramo.

 

Quais são os planos futuros do IPC para fortalecer as suas parcerias com o setor empresarial e melhorar ainda mais a empregabilidade dos seus diplomados?

Eu acho que o futuro passa por começarmos a recrutar os profissionais à saída do ensino secundário. O que quero dizer com isto: quando um jovem aos 17 anos tem que escolher na candidatura ao ensino superior, a probabilidade de colocar as suas opções naquilo que verdadeiramente vai gostar é talvez de 50%. Um desafio do futuro é nós conseguirmos que um estudante que quer trabalhar na agricultura o comece a fazer simultaneamente com a frequência do curso. Nós já temos exemplos de cursos, não só em Coimbra, que funcionam dois dias por semana na componente teórica e três dias na componente prática. E eu acho que o futuro vai passar por aqui, pela integração mais precoce na atividade profissional. Este modelo introduz independência, responsabilidade e conhecimento. Permite também, quando a opção foi errada, a sua correção mais cedo.

 

Na sua opinião, qual é o papel das instituições de ensino superior na preparação dos alunos para um mercado de trabalho em constante evolução?

O novo ensino vai ser este ensino muito tecnológico, muito digital, muito focado na sustentabilidade, nas alterações climáticas, na economia circular, na inteligência artificial. Muito focado em coisas que há anos atrás não se falava. A minha perspetiva é que nós, cada vez mais, vamos ter que criar gente muito crítica, muito capaz de resolver problemas e não só de fazer coisas. As empresas querem gente criativa, gente inovadora e não meros operacionais.

 

Pode falar sobre a importância da colaboração entre instituições de ensino e empresas para a inovação e o desenvolvimento regional?

As empresas que fazem inovação regional são determinantes no ensino do futuro se nós não queremos ter um ensino todo igual. A capacidade de inovação regional é nós aproveitarmos o conhecimento de uma determinada região para, formando globalmente, especializar localmente. A diferença na forma de ensinar será muito motivada pelos parceiros regionais e pela especialização que estes vão permitir.

 

Que conselhos daria a outras instituições de ensino que desejam melhorar a sua ligação com o setor empresarial e aumentar as oportunidades de emprego para os seus alunos?

É obrigatório sabermos trabalhar com as empresas, ouvir e aprender, sem desvirtuar o papel do ensino superior, que é o papel de líder. Quem tem que liderar as mudanças na certificação e na transmissão do conhecimento são as instituições de ciência. São as instituições que criam conhecimento, mas sem desvirtuar esse papel devemos aprender com as empresas o que temos que mudar. Hoje ser um professor competente, significa perceber o que está a acontecer no mercado de trabalho, perceber as necessidades dos consumidores e perceber de que forma formamos futuros trabalhadores que sejam capazes de responder dentro das empresas às necessidades das pessoas.

A componente regional é muito importante, mas o mundo é global. Hoje uma empresa que labora em Coimbra tem que ter a capacidade de vender para o mundo inteiro. As instituições de ensino superior têm que ter a capacidade de ler este mercado e saber como se diferenciam e conseguem criar conhecimento que seja utilizado globalmente.

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