Numa agradável entrevista e repleta de vida, sentimento e determinação, a Revista Pontos de Vista foi conhecer uma portuguesa, que das áreas das tecnologias de Informação e Comunicação durante mais de 30 anos, recentemente embarcou para um mundo completamente diferente, o do Imobiliário e Construção. De Lisboa para Luanda, Ana Mascarenhas assume nesta mais recente etapa da sua vida o papel de Diretora Geral do Grupo Boa Vida, retratando nas próximas linhas a sua forma de estar, de assumir as dinâmicas da vida e os passos necessários a dar da forma que devem ser dados. Não perca!!!
Começamos esta entrevista pelo ponto de partida, que é, quem é a Ana Mascarenhas. O que podemos saber de si, desde a mulher, a profissional que partiu de Portugal e rumou a Angola há mais de 10 anos e que assumiu recentemente um cargo de liderança numa empresa do Setor Imobiliário e da Construção.
Eu, Ana Mascarenhas, sou uma eterna amante da vida, acima de tudo acredito e por isso aposto nos desafios que a vida me proporciona. Sou Licenciada em Estudos Portugueses e Lusófonos e com uma Pós-graduação em Gestão de Empresas, dedico também parte do meu tempo em investimento de carreira através de cursos e formações que pautem o meu crescimento profissional. Abracei vários projetos ao longo da minha carreira profissional, no entanto, a que mais se destaca está ligada à Área das Tecnologias de Informação e Comunicação.
A decisão de partir não foi fácil, mas foi a mais assertiva, esta decisão mudou a minha vida radicalmente e hoje, sou a mulher que me tornei graças a decisões que foram tomadas de forma correta para o meu desenvolvimento pessoal e profissional. Foram mais de 30 anos ligada a esta área, pelo, que, quando surgiu a oportunidade de abraçar um projeto totalmente diferente do que tinha vindo a trabalhar até então, não hesitei em desafiar-me para que este novo projeto ganhe asas e voe com direção assertiva e condigna.
Como Diretora Geral do Grupo Boa Vida, quais os maiores desafios que enfrentou ao assumir essa posição, especialmente sendo uma mulher no setor imobiliário e de construção em Angola?
Ora aqui está uma excelente pergunta. O Grupo Boa Vida pauta-se por vários Diretores Gerais, consoante a área de atuação de cada um. Trata-se de um grupo muito grande que emprega mais de 7.000 colaboradores em toda a sua extensão, como entidade e grupo de empresas aliadas com o mesmo propósito: Fazer crescer a empresa através do crescimento de Angola.
O maior desafio é limar arestas quanto aos processos e às pessoas. Desafiar as pessoas no que diz respeito aos processos é, sem sombra de dúvida, a maior provocação que eu poderia ter abraçado. Estou a formar pessoas, a criar processos e também a provocar desconforto para que haja ação e, não uma reação.
As pessoas devem ser proativas e não reativas, devem ser estimuladas, sim, mas também devem ser responsáveis. Não posso esquecer que a Europa tem uma cultura completamente diferente, as pessoas tiveram uma preparação escolar que em África, praticamente toda a África, não teve, logo, ajudar estas pessoas não é só um mero trabalho é, também, uma missão. E a minha maior missão é transformar pessoas, ideias e alavancar projetos de dimensão que possam fazer Angola crescer mais e melhor.
Com mais de 20 anos de experiência profissional, como vê a evolução das mulheres em cargos de liderança, tanto em Portugal quanto em Angola?
Em pleno século XXI ainda há um estigma muito grande em relação às mulheres em cargos de liderança. Não é só em Angola ou Portugal, é um pouco por todo o mundo. Obviamente, por razões históricas, mas, acima de tudo culturais, em África, nomeadamente em Angola, esta evolução dá-se de forma paulatina, mas não estática. Os cargos de liderança começam a ser vistos como fator diferenciador independente do sexo, raça ou religião, prova disso, é o meu cargo e de outras grandes mulheres no mundo político, social, económico e financeiro.
Quais foram os principais conteúdos de aprendizagem trazidos da sua experiência com empresas tecnológicas em Portugal que aplicou no mercado angolano?
Basicamente e, pese embora esteja ligada às Tecnologias de Informação e Comunicação, as mais valias foram o conhecimento profundo de como funciona o Estado a nível de Central de Compras, quer em Portugal, quer em Angola que, aos poucos, acabou por acompanhar a tendência portuguesa. Hoje e com a Lei da Contratação Pública em Angola (LCP) as aquisições são feitas consoante os montantes previstos, desta forma é dada transparência e clareza a todos os processos de aquisições para a Administração Pública de Angola. A transparência, a regularização de processos e a clareza na informação visam melhor eficácia quando se fala em custo benefício. Isso é o pretendido.
Angola tem se mostrado um mercado em crescimento, especialmente no setor imobiliário. Quais são as principais oportunidades e dificuldades que identificou ao trabalhar neste país?
É muito recente ainda, até porque abracei este cargo há pouco mais de 2 meses. No entanto, oportunidades existem e quando não existem, criam-se. As dificuldades podem ser transformadas em desafios, nada nesta vida é fácil, se fosse, não estaria aqui a fazer nada. Viver em Angola, por si só, já é um desafio, temos é que ter consciência que tudo faz parte do crescimento interior da pessoa, enquanto ser humano e enquanto profissional. Acredito que o ser humano não encerra em si uma única capacidade, a sua aptidão em adaptar-se vai muito mais além do que ele próprio acredita, basta testar, experimentar, acreditar e… quando damos por ela, já contribuímos para um crescimento sustentável e inclusivo. Nós podemos ser o que gostamos de fazer.
De que forma o seu papel como líder influenciou a cultura organizacional e os valores da empresa que lidera?
Ainda está a influenciar. As pessoas não estão habituadas a regras, a normas a processos. Não faz mal, faz parte do crescimento de uma empresa, para que ela se torne ainda mais sólida, eficiente e eficaz. A resistência irá existir sempre, afinal o ser humano é avesso às mudanças, mas também não podemos esquecer que a única constante nesta vida é ela própria a “Mudança”. Assim, mudar faz parte, crescer também dói… sim, dói, porque temos, por vezes, que tomar políticas impopulares. A reestruturação implica mudanças drásticas na vida das pessoas, mas, o que é preferível? Uma transformação ou reestruturação para que a empresa vingue no mercado e possa empregar mais 3.000 ou 4.000 trabalhadores, ou manter a empresa como está e o seu crescimento ser de forma milimétrica? Acredito que todos gostamos de ver as empresas cresceram, mas crescerem de forma sustentada e equilibrada.
Como mulher residente em Angola desde 2013, quais foram as maiores mudanças que observou no ambiente empresarial do país ao longo dos anos?
Observei uma grande diferença cultural para melhor. Enquanto que na Europa as pessoas 50+ já são velhas demais para trabalhar, mas novas para a reforma, em África é precisamente o contrário. Por exemplo, aqui em Angola, as pessoas mais velhas são respeitadas e muito requisitadas no mercado, não só pela experiência que adquiriram ao longo da sua carreira profissional, mas, também, pela sapiência que a vida lhes deu. Nós, os mais velhos, como dizem aqui, acabamos por ensinar os mais novos de forma correta e respeitosa. Eu costumo dizer que a Europa está doente no que diz respeito aos valores morais, éticos e profissionais. Hoje tudo se faz, tudo se pode em prol da liberdade de expressão que, mais não é do que uma libertinagem escondida. Eu acredito em África porque a estima é grande, não se vê ou ouve em momento algum faltas de respeito dos mais novos para com os mais velhos ou vice-versa, a aprendizagem é mútua e o respeito é constante. Aprendi muito, continuo a aprender, ensino muito, continuo a ensinar, e são muitas as adversidades porque estas pessoas passam e mesmo assim, o sorriso está-lhes no rosto, é algo que nenhum europeu consegue saber verdadeiramente o que é. Acredito que todo o ser humano devia passar uma temporada em África para saber o que são verdadeiramente as adversidades da vida.
Que conselhos daria a outras mulheres que aspiram a assumir posições de liderança, particularmente em setores dominados por homens como o imobiliário e a construção?
Bom! Acredito que não é apenas o setor imobiliário e da construção que são dominados por homens, outros setores existem, mas o que posso dizer é o seguinte: Comecei a trabalhar muito nova, eu trabalhei e estudei, paguei os meus estudos, a minha carta de condução, as minhas várias formações ao longo da vida, tudo com o meu trabalho. Por isso, nada nos impede de crescer profissionalmente, se acreditarmos. Acima de tudo devemos traçar pequenos objetivos na vida, que sejam tangíveis e no espaço de tempo que nos propusemos fazer. Falhar faz parte, o importante é aprendermos com os nossos próprios erros. Importa investirmos em nós, ou através de formações, workshops, mentorias, entre outros. Importa saber o que queremos verdadeiramente, como caminhamos e para onde queremos caminhar. Ou seja, a orientação para o resultado é o foco, mas como chegar lá? Então, devemos traçar um plano estratégico para a nossa carreira evolutiva e acreditar que conseguimos lá chegar através de esforço, dedicação e acima de tudo, comprometimento. O comprometimento é a base, é a sustentabilidade para que possamos vingar no mundo empresarial.
Como equilibra as suas responsabilidades como líder, mulher e residente num país com uma cultura tão distinta e complexa?
Não foi fácil, confesso que paguei um preço bem alto, ainda estou a pagar. Vivo sozinha em Angola, os meus filhos estão criados e os meus netos a crescer. Atualmente o preço que pago é não acompanhar de perto o crescimento dos meus netos. Aqui está a grande questão. O que queremos para a nossa vida? No meu caso, é um caso particular do qual não irei expor nesta entrevista, no entanto, importa salientar uma vez mais a grande diferença cultural entre países. Em Portugal somos velhos demais para trabalhar e novos para a reforma, um estigma que nos persegue e irá continuar até haver uma mudança de mentalidade e paradigma. Aqui, trabalho e concilio a distância da família através das tecnologias, como WhatsApp, Teams, entre outras ferramentas. Por isso, até me sinto uma sortuda em viver neste século em que a tecnologia nos traz também a proximidade. Imaginem no tempo dos nossos avós que emigravam e a carta era o único meio de comunicação, isso sim, foi resiliência. Hoje estamos todos à distância de um click, o que é longe pode tornar-se perto e os poucos momentos que estou em Portugal tento ao máximo transformá-los em momentos únicos e de qualidade. Aprendi que não é a quantidade de horas que estás com a família que vai fazer a diferença, é, antes sim, a qualidade do tempo que estás com ela, em que a tua marca é deixada e a saudade também, afinal, só existe saudade se os momentos forem bons, isso é o que importa.
Quais são os próximos objetivos que tem como foco para a sua trajetória profissional e pessoal?
Tenho vários objetivos do qual prefiro não expô-los neste momento. Ainda estou a traçá-los e como se costuma dizer, o segredo é a alma do negócio, assim, e, quem sabe, numa próxima entrevista já possa divulgar o que estou a planear.