Foi a experiência de vida de Cátia Arnaut que a fez despertar para o tema da felicidade e bem-estar. Viveu nos Emirados Árabes Unidos por 1 ano e em Angola 5. Nesse período observou que o rendimento não era um fator determinante para se ser feliz. O que seria então? O clima? A cultura? Teria a religião algum papel de influência? Em 2020 decide dedicar-se à pesquisa sobre o tema dedicando-lhe a tese de doutoramento que se encontra em fase de conclusão. Participante em outras edições da Pontos de Vista, voltamos à conversa com a Cátia Arnaut sobre saúde mental nas organizações.
De que forma a saúde mental dos colaboradores é importante para as organizações?
É fundamental – Uma pobre saúde mental dos colaboradores tem um impacto direto nos resultados das organizações para as quais trabalham e, consequentemente para o país. Deixo aqui alguns números para melhor ilustrar a dimensão desse impacto: De acordo com o Prof. Jeffrey Pfeffer, o stress poderá custar aos empregadores norte americanos mais de 300 mil milhões de dólares todos os anos e ser o causador de 120 mil mortes a mais.
Em Inglaterra, e estes são valores de 2024, estima-se que os empregadores percam cerca de 56 mil milhões de libras esterlinas anualmente, o que corresponde a um aumento de 25% face a 2019.
Por outro lado, o chamado “presenteísmo” está estimado custar 28 mil milhões de libras anualmente. Apesar de não haver ainda valores estimados do custo de uma pobre saúde mental para Portugal e as suas organizações, os valores avançados pelo Laboratório Português dos Ambientes de Trabalho Saudáveis no relatório publicado recentemente são alarmantes – “cerca de 80% dos trabalhadores tem pelo menos um sintoma de burnout” e “63% dos trabalhadores apresenta pelo menos três sintomas”. Estes valores são consubstanciados pelos dados da OCDE que demonstram que historicamente o nosso país é o campeão no consumo de ansiolíticos e anti-depressivos no conjunto de países da OCDE. Isto demonstra que o recurso a estas terapias medicamentosas tenta colmatar uma falta crónica de profissionais de saúde mental no sistema nacional de saúde, enquanto comprova que o apoio em termos de saúde mental é efetivamente necessário.
Estamos doentes, e as organizações têm assim um papel importante nesta matéria, na medida em que devem estar sensíveis para a realidade portuguesa por um lado, que se espelha nos seus colaboradores, e garantirem que não são elas o foco que alimenta uma pobre saúde mental, por outro.
Para além destes dados, não podemos naturalmente ignorar o rust out – caracterizado pela falta de ímpeto para enfrentar projetos com a mesma energia, na irritação com os colegas, ou apenas na sensação de que o dia-a-dia tem vindo a tornar-se monótono, sensações das quais as mulheres profissionais de alto desempenho estão mais permeáveis, nomeadamente pela sensação de que têm de trabalhar mais arduamente para serem elegíveis para a mesma progressão que os homens -, o turn-over associado a uma pobre saúde mental influenciada pelo ambiente organizacional, que ainda há bem pouco tempo assolou o mercado de trabalho através dos fenómenos que ficaram conhecidos como great resignation (o grande despedimento) ou o quiet quitting (o despedimento silencioso), bem como os custos associados ao absenteísmo.
Inversamente, organizações com colaboradores que apresentem uma boa saúde mental, com maior bem-estar, impactam positivamente os resultados, com aumentos de produtividade na ordem dos 13%. Portanto, ter colaboradores com uma boa saúde mental é basilar para o desenvolvimento e cumprimento dos objetivos das organizações.
De que forma podem os líderes apoiar um ambiente que promova a saúde mental?
Os líderes têm um papel preponderante não só na construção de ambientes com boa saúde mental mas também na manutenção dos mesmos. E aqui dividiria a capacidade de intervenção em 2 níveis de liderança – a liderança intermédia e a liderança de topo, já que o raio de ação e a capacidade de intervenção junto dos colaboradores é diferenciada. Ao nível das lideranças intermédias é fundamental que os líderes estejam (ou sejam) capacitados para a escuta ativa, inteligência emocional e compaixão (que resulta da fórmula empatia + ação). É ainda muito importante que os líderes intermédios estejam sensíveis para as diferentes necessidades e triggers emocionais aos quais as diferentes gerações respondem – hoje temos uma paisagem geracional muito distinta, dos baby boomers à geração Z, que exige adaptação e flexibilidade dos líderes, para responder de forma adequada perante cada pessoa individualmente.
Finalmente, e possivelmente o mais importante, é essencial que os líderes intermédios tenham a capacidade de criar espaços de segurança psicológica, isto é, espaços onde há lugar à opinião dos colaboradores, nos quais a opinião de todos é acolhida positivamente e sem julgamentos, onde haja espaço para o erro, para o debate e a partilha da decisão, onde todos sejam convidados a encontrar soluções. No caso das lideranças de topo, para além do acumular destas competências, devem ter particular preocupação com a área Social da tríade ESG, da qual destacaria como primordiais os temas da diversidade, equidade e inclusão, com particular destaque para a equidade, e nesta, a equidade de género. E claro, a comunicação e transparência em todas as decisões.
Então que estratégias podem as organizações adotar para garantir uma melhoria na saúde mental dos seus colaboradores?
Há muito por e para fazer nesta área, e as organizações, independentemente da sua dimensão, podem certamente incorporar medidas que promovam a (boa) saúde mental nas suas políticas, de forma isolada ou combinando medidas. Enumero aqui algumas sugestões como a flexibilização do horário de trabalho, modelos de trabalho flexíveis (híbrido e remoto), a semana de 4 dias, que no projeto piloto em Portugal obteve resultados muito animadores ao nível da saúde mental, com 21% de redução na ansiedade, redução de 23% em termos de sintomas de fadiga, e 19% menos de sintomas de exaustão, insónia e problemas de sono. Outras medidas, como a implementação de regalias que vão para além de prémios (puramente) financeiros, como tempo de férias, vouchers de bem-estar, dia do animal de estimação entre outros, tempo definido para reuniões nos calendários dos colaboradores, a criação de uma linha de apoio, por telefone, e-mail ou correio, para a qual os colaboradores possam escalar situações que percecionam como incorretas, que não cumpram a ética ou os valores essenciais, com tratamento independente assegurando total sigilo ao colaborador, ou o estabelecimento de parcerias com gabinetes de psicologia / psicoterapia com condições preferenciais para os seus colaboradores e núcleo familiar mais próximo, podem também ser boas apostas.
Na sua opinião, as organizações em Portugal estão a implementar as medidas necessárias para promoverem uma boa saúde mental?
Gosto pouco de generalizar, mas diria que a grande maioria das organizações em Portugal não está sensível ainda a estas matérias e desconhece o impacto que uma pobre saúde mental acarreta em termos de resultados.
Vemos boas iniciativas em organizações das áreas de tecnologia e sistemas de informação, que por força da natureza do seu negócio e das caraterísticas da sua pirâmide organizacional se tem vindo a adaptar, com particular relevância a partir de 2020 com a pandemia. Mas vemos também outros setores económicos, porventura mais tradicionais, em que o tema da saúde mental nem sequer é considerado. Arrisco-me a dizer que há todo um processo de humanização das organizações que carece ser resgatado em Portugal. Até meados do século passado em Portugal as empresas de maior dimensão, e não só, tinham verdadeiros programas sociais para os seus colaboradores que incluíam creches para os filhos dos funcionários e até escolas. O sector privado supria as carências sociais em diversas esferas para apoiar os seus colaboradores.
No decorrer do sec. XX e com o desenvolvimento do Estado Social estes programas foram fechando, as organizações foram crescentemente focando-se nos resultados e, de alguma forma, as pessoas, que afinal são quem fazem esses mesmos resultados, ficaram esquecidas. Precisamos resgatar essa faceta humanizada que as organizações já tiveram e encontrar um novo equilíbrio entre resultados, saúde mental e bem estar.