O mercado laboral encontra-se em transformação acelerada um pouco por todo o mundo. Os empregadores e os colaboradores estão a braços com o colossal desafio da Inteligência Artificial e a reconfiguração do leque de competências. São múltiplas as frentes que obrigam a uma grande capacidade de adaptação, de ambos os lados. Como seria de esperar, o universo da Contabilidade não está imune a este momento sui-generis.
Um estudo do banco norte-americano Goldman Sachs, realizado o ano passado, indica que os programas de IA de criação de conteúdos podem pôr em causa 300 milhões de postos de trabalho. Só nos Estados Unidos e na Europa cerca de dois terços dos trabalhadores estão expostos a algum grau de Inteligência Artificial. Por muito que, uma vez mais, a profissão de contabilista seja apontada como uma das que estará condenada à extinção, ainda não será desta – após as várias “certidões de óbito” que nos foram passadas – que as máquinas vão desempenhar, por completo, o nosso trabalho. Farão, naturalmente, algumas tarefas, mais rotineiras e repetitivas, permitindo que estes profissionais fiquem mais focados nas funções de âmbito estratégico e de aconselhamento.
O contabilista certificado sempre foi um profissional multifacetado, dotado de múltiplas valências e colocado à prova – com sucesso – em momentos tão exigentes como foram a desmaterialização das declarações fiscais, o sistema de normalização contabilística para a administração pública, o SNC-AP, ou os efeitos da terrível pandemia de covid-19. Bem sei que a memória dos primeiros meses de 2020 já começa a ficar distante no tempo, mas esta foi das poucas profissões que nunca esteve confinada, permitindo que o extraordinário plano de apoios arquitetado pelo Estado, do dia para a noite, chegasse às empresas. Se os profissionais da saúde salvaram milhares de vidas, os contabilistas pouparam milhares de empresas da dissolução.
Apesar de ter alcançado um patamar de dignificação e de credibilidade social, sem paralelo no passado, esta profissão tem no rejuvenescimento dos seus membros um desafio imperioso. Talvez o mais relevante. O novo estatuto da Ordem é uma oportunidade adicional para trazer para a enorme «família» dos contabilistas certificados jovens com novas formas de pensar e de perspetivar o mundo que os rodeia, mais adaptados às mutações tecnológicas, nunca perdendo de vista que a componente formativa e a reciclagem permanente não deixarão de ser verdadeiras e permanentes preocupações. Um necessário «sangue novo» com que ansiamos contar.
Esta é uma profissão que apresenta problemas e tem que lidar com constantes desafios mas, ao mesmo tempo, “vende” confiança para a sociedade como poucas as que existem no mercado laboral. E é esta lógica que tem de ser consolidada. Um profissional que se afirme e que seja visto como um parceiro útil e indispensável no ecossistema económico, derrubando, de uma vez por todas, a narrativa que o considera um custo de contexto. Aprofundar o conceito de profissional dinâmico e multidisciplinar, com uma enorme capacidade de adaptação, essencial para se manter sempre a par com as mudanças do mundo.
A formação é uma condição fundamental para termos uma profissão mais sólida, mais qualificada e reputada. Os contabilistas certificados são, certamente, dos profissionais deste país que mais tempo passam em ações formativas. Seja em modo presencial, seja no modelo online, cada vez mais popular entre os membros da Ordem dos Contabilistas Certificados. As sessões sobre o Orçamento do Estado, que normalmente se realizam a partir do mês de janeiro, são sempre as mais concorridas. Em média, são quase 20 mil os profissionais que frequentam estas ações, no continente e nas regiões autónomas. «Boas práticas segundo o novo estatuto» é a próxima grande formação, a realizar entre 23 de setembro e 8 de outubro, em 31 localidades a nível nacional e que considero de imprescindível importância. Os dois manuais a distribuir são gratuitos e correspondem, grosso modo, ao volume 1 e 2 do «Manual das boas práticas» que serviu de apoio à formação eventual realizada há sensivelmente um ano, sob o tema «Implementação de boas práticas profissionais».
Se a questão ética e deontológica é transversal e permanente a esta atividade, o relato não financeiro e de sustentabilidade assume-se como o repto mais recente. Da forma como os profissionais mobilizem as milhares e milhares de empresas do nosso país para o cumprimento deste desígnio, em particular as micro ou pequena dimensão, vai, uma vez mais, depender a sobrevivência de muitos negócios e investimentos. É, por isso, fundamental, continuar a tudo fazer para promover uma profissão com maior interesse público e que mais valor acrescente à sociedade civil. É preciso estar ao lado das empresas e dos empresários, nos momentos mais doces e também nos momentos mais adversos e dramáticos. Neste mundo cada vez mais interligado, o sucesso do contabilista também depende do êxito dos seus clientes.
Numa economia que não funciona sem contabilistas certificados porque onde há empresas, há contabilistas, é fundamental elevar a nossa profissão. Se o fizermos, estaremos a ajudar também os empresários a crescer e vingar com os seus projetos e sonhos. Sem falsas modéstias, temos de ambicionar, enquanto classe, que a profissão de contabilista certificado seja a mais importante da área das Ciências Económicas. Para os mais céticos, basta lembrar que há seis anos as “férias fiscais”, o regime do justo impedimento e os atos próprios e a regulação profissional reforçada eram objetivos que se assemelhavam a uma miragem e hoje são uma feliz e palpável realidade. Bem justa e merecida, por sinal.
É importante salientar que os contabilistas certificados são os únicos profissionais que escrevem todos os dias a história das empresas e a qualidade desta história é fundamental para o desenvolvimento da economia e do país. Eles são os verdadeiros e insubstituíveis «guardiães» das boas contas, em sentido restrito ou amplo. Nos dias que correm, falar de contas certas já é muito mais do que uma moda. Começa a tornar-se uma obrigação no que à saúde financeira diz respeito. Seja para o Estado, para as empresas, para as famílias e até para os tão populares clubes de futebol. Admito a minha parcialidade, por ser juíza em causa própria, mas acredito convictamente que o trabalho dos contabilistas certificados será um contributo relevante para «salvar» o mundo em que vivemos. Missão concretizável? É difícil, sim, mas se fosse fácil não era para nós.