“Apostar na prevenção é um grande desafio atual na Psicologia na idade Pediátrica”

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A saúde mental das crianças e adolescentes deve ser considerada como uma área absolutamente crucial das políticas em curso numa sociedade, não só a nível dos sistemas de saúde, mas igualmente no que se refere à educação, à proteção social e à defesa dos direitos humanos. Novembro é o mês que se comemora a Convenção sobre os Direitos da Criança, e a nossa parceira Marisa Marques, especialista em Psicologia Infantil e da Adolescência retrata o atual momento vivido na Sociedade sobre o direito ao bem-estar e à educação de qualidade. Saiba mais na sua Pontos de Vista!

Qual a importância da Psicologia Infantil no desenvolvimento saudável das crianças, tanto no aspeto mental quanto no intelectual?

As perturbações de saúde mental da primeira infância são mais comuns do que se imagina, sendo por isso frequente a desvalorização dos problemas e atraso na procura de ajuda. Embora algumas das perturbações (como hiperatividade/défice de atenção, autismo, entre outras) não apresentem tratamento curativo, é sempre possível melhorar a qualidade de vida dos mesmos e da família com uma intervenção adequada, o mais precocemente possível.

De que forma a intervenção psicológica precoce pode influenciar positivamente o futuro de uma criança?

Dada a importância da deteção e intervenção precoce nas idades mais precoces, tem havido, nas últimas décadas, uma crescente preocupação com a saúde mental na infância e na adolescência. Estas são reportadas na literatura como sendo frequentes surgirem em consulta de pediatria e/ou psicologia pediátrica as perturbações do sono, alimentação, regulação emocional, processamento sensorial e de comportamento. A maioria destes problemas têm impacto no desenvolvimento da criança, tornando-as também mais vulneráveis a vir a sofrer de doenças mentais na adolescência ou vida adulta. E é do conhecimento de todos nós que a doença mental não identificada ou não intervencionada de forma correta na infância tem sérias consequências na vida enquanto adolescente e mais tarde enquanto adulto, condicionando a saúde física e mental e limitando oportunidades de vida.

A Convenção sobre os Direitos da Criança enfatiza o direito ao bem-estar e à educação de qualidade. Como a Psicologia Infantil pode contribuir para o pleno exercício destes direitos?

Sabendo à priori de que a família desde os primeiros segundos de vida (como elemento natural) é “aquela peça que nos permite concluir um puzzle”, ou seja é o impacto familiar que permitirá o crescimento e bem-estar de todas as crianças. O papel da família e, posteriormente, da sociedade torna-se imprescindível para o desempenho, para a integração, para o desenvolvimento que o permitirá saber viver uma vida individual e na sociedade plena. Neste sentido, enquanto pais e sociedade, temos presente que o nosso impacto no crescimento e proteção nas crianças é de extrema importância. Garantindo assim uma proteção às crianças e como Psicólogos na área da área Pediátrica temos como obrigação o trabalho com as crianças e as suas, respetivas, famílias em prol do bem-estar e saúde da criança e dos seus pares. Ou seja, junto das famílias, escolas e restantes profissionais de saúde temos como obrigação lutar pela proteção e direitos as crianças, mas também prevenir o promover o sentido de proteção para com o outro que nos rodeia. Pelo que em determinados momentos seremos nós enquanto profissionais de saúde (e não só os Psicólogos, mas também a Pediatria, Medicina Geral e Familiar ou mesmo os profissionais de ensino) junto das crianças, família e todos os contextos onde está inserida, temos de alguma forma permitir que estas mesma tenham acesso e disponíveis para si os cuidados que precisam de acordo com as suas idiossincrasias, dar-lhes o que precisam para que “tenham uma vida plena e decente, em condições de dignidade de forma a atingir o seu maior grau de autonomia e integração social possível” (UNICEF, 2019). Por vezes, somos nós profissionais que temos nas nossas mãos a capacidade e a missão de encorajar e assegurar (dentro do que é possível e está ao nosso alcance), reunir e ajustar condições requeridas e as assistências necessárias e adaptadas à criança, tendo sempre em atenção às necessidades particulares da criança, da família, a escola e todos os contextos onde as crianças se encontram inseridas.

Quais são os principais desafios que os profissionais de Psicologia Infantil enfrentam hoje em dia, considerando o cenário atual, onde fatores como o uso da tecnologia e as pressões sociais estão cada vez mais presentes na vida das crianças?

A saúde mental é determinada por um leque diverso de fatores, que ultrapassam em larga medida as dimensões exclusivamente centradas na prestação de cuidados. Muitos desses fatores começam numa fase precoce da vida a influenciar e criar marcas significativas no futuro de cada um de nós, em termos de resiliência e de capacidade de adaptação às várias fases do ciclo de vida. Neste sentido, a saúde mental das crianças e adolescentes deve ser considerada como uma área absolutamente crucial e indispensável, não só a nível dos sistemas de saúde, mas igualmente na escola, famílias e locais de lazer e desporto. Pessoalmente, sinto que a Psicologia deve uma visão integradora, centrada nas crianças, nos jovens e nas famílias, reforçando as relações terapêuticas e tendo sempre em consideração todas as dinâmicas dos vários sistemas do mesmo. Apostar na prevenção é um grande desafio atual na Psicologia na idade Pediátrica, particularmente, porque as crianças e adolescentes são os agentes ativos da nossa sociedade. E como tal, enfrentamentos algumas dificuldades não só a nível da escassez de avaliação das intervenções preventivas existentes e eficazes, devido às desigualdades socioeconómicas que vivemos hoje e dado a ausência de recursos humanos no sistema publico, que leva ao privado. Mas acima de tudo devido ao nosso maior “inimigo” – as Tecnologias (TI). Que em o seu uso abusivo que aos olhos da saúde mental e pediátrica são casos de adição onde o uso das TI é tóxico, e já são vários os estudos científicos que nos mostram que uso abusivo e inadequado tem levado a comportamentos de dependência nas crianças, tal como acontece com outras substâncias que levam a comportamentos aditivos (ex.: álcool, drogas, jogo, …). Situação está que nos últimos anos tornou-se num aumento substancial e clinicamente significativo a nível de saúde mental tais como níveis de ansiedade e depressivos aumentados (devido ao isolamento, dificuldade em interagir em sociedade, …), aumento das vivências de ataques de pânico (muito associados a situações sociais, de interação com o mundo externo, medo de errar e falhar em sociedade, …), aumento dos comportamentos auto lesivos e de comportamentos suicidários ( que são apoiados entre comunidades de crianças e adolescentes nas Redes Sociais, onde partilham experiencia e dão visões desadaptativas levando a outras crianças a faze-lo também como refugiu e estratégias de coping desadaptativas para lidarem com as suas dificuldades e os seus sentimentos e/ou pensamentos negativos), entre outros.

A saúde mental das crianças ganhou ainda mais relevância após a pandemia de Covid-19. Que impacto esta fase teve no desenvolvimento emocional das crianças, e quais medidas podem ser tomadas para minimizar os efeitos a longo prazo?

Nomeadamente após pandemia tornou-se ainda mais percetível que no nosso mundo há muita que aconteceu desde o início da pandemia, mas que ainda muita coisa ainda está para acontecer. E o problema é sobretudo um: a imprevisibilidade em que vivemos. Esta questão da imprevisibilidade é muito relevante quando lidamos com a ansiedade. É uma das questões fundamentais para a criação de sentimentos de ansiedade. E para uma criança, é muito mais difícil digerir essa imprevisibilidade, lidar com as permanentes contradições– vai para a escola / afinal, já não vai; pode estar com os outros / é mais seguro estar sozinho…Mas, se no contexto familiar, a situação for sendo vivida de forma positiva, sem representações dramáticas ou catastróficas do que se vai passando, a maior parte das crianças e adolescentes vai ultrapassar tudo isto sem problemas de maior. Contudo os anos Covid-19 trouxe dinâmicas positivas e agradáveis (exemplo: ficar em casa e brincar em família, fazer jogos e bolos, …) mas também criou tensões inesperadas, porque foi preciso fazer tudo ao mesmo tempo: a telescola, o teletrabalho, o trabalho doméstico e o acompanhamento dos mais pequenos. O que implicou a perda das rotinas e das referências, o que pode potencialmente tornar-se complicado em miúdos com problemas mais específicos. E para as crianças com algum tipo de patologia mental ou problemas de desenvolvimento e que já tinham intervenções em curso, a alteração das rotinas e as restrições a que foram obrigados criou situações mais complicadas, que foram vividas com mais sofrimento e o impacto ainda hoje é visível a olho nu. Por outro lado, quanto aos “bebés da pandemia” tem sido muito discutido o potencial de risco que, por causa da pandemia, os constrangimentos no momento do parto e após o nascimento das crianças podem implicar no seu desenvolvimento. As alterações na relação precoce, uma das fases mais importantes da evolução das crianças, podem, de facto, ser potencialmente arriscadas. Mas a verdade é que as crianças têm uma capacidade de adaptação e uma plasticidade muito grandes – ainda que essa resposta também dependa muito da forma como o adulto de referência, neste caso, a mãe e o pai gerem a situação.

Como as famílias e as escolas podem colaborar de forma eficiente com os psicólogos infantis para garantir que as crianças recebam o apoio necessário para o seu bem-estar mental e intelectual?

Nos dias de hoje, os pais passam os dias a correr, têm cada vez dias mais longos de trabalho e menos tempo para a família. Chegar cansado, sem ter uma noite seguida de sono há meses e cuidar de um bebé/criança com algum problema, inevitavelmente aumenta os níveis de ansiedade dos adultos que moram em casa, o que se transmite, involuntariamente, para os mais pequenos, aumentando por sua vez os problemas iniciais das crianças, criando um ciclo fechado, que precisa de ser interrompido. As perturbações de saúde mental da primeira infância são mais comuns do que se imagina, sendo por isso frequente a desvalorização dos problemas e atraso na procura de ajuda. Embora algumas das perturbações (como PHDA, Autismo, entre outras) não apresentem tratamento curativo, é sempre possível melhorar a qualidade de vida dos mesmos e da família com uma intervenção adequada, o mais precocemente possível. Desta forma, não é fácil ser-se criança e adolescente nos dias que correm, tanto pelos ritmos de vida, estilos de vida e níveis de exigência. Prevenir em idades precoces é uma grande oportunidade de promover práticas e comportamentos saudáveis, com impacto positivo na vida adulta.

A diversidade de ambientes socioeconômicos pode influenciar o desenvolvimento psicológico das crianças. De que forma os psicólogos podem apoiar crianças em situações de vulnerabilidade?

Nós enquanto psicólogos pouco podemos fazer além do que fazemos de forma a intervir e apoiar as crianças e as suas famílias. Neste momento as entidades que poderão tentar atuar nesse sentido serão os serviços públicos de forma a integrar mais equipas especializadas em Saúde Mental de forma que seja possível dar acompanhamentos mais próximos e abrangentes na sociedade. Contudo além dos recursos humanos sabe-se que ainda existe muita necessidade de que a proposta de Lei do Orçamento do Estado dê mais enfase à saúde mental, nomeadamente na idade pediátrica.

Torna-se assim uma prioridade a dedicação e o investimento do SNS na saúde mental.

Que mensagem gostaria de deixar para os pais e educadores sobre a importância de cuidar da saúde mental das crianças desde os primeiros anos de vida?

Segundo a Associação Americana de Psiquiatria da Infância e da Adolescência 1/5 crianças apresenta diagnóstico de psicopatologia, sabemos que mais de 24% (aproximadamente) das crianças e adolescentes apresentam comportamentos auto lesivos e suicidários, mais de 12% (aproximadamente) estão sob efeito de ansiolíticos e/ou antidepressivos, cerca de 14,2% estão medicadas para as dificuldades de sono. Os números estão assustadores e
não podes esquecer que estas crianças e adolescentes são os nossos adultos de amanhã.
Pelo que gostaria de terminar alertando que todos nós como partes integrantes da evolução e desenvolvimento dos nossos bebés- todos nós temos o direito ao bem-estar mental, acompanhando o bem-estar físico e o bem-estar social, e estás três componentes são absolutamente indissociáveis.

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Revista Pontos de Vista Edição 139

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