Nos últimos 10 anos, a Befashion Textil Agency, sob a liderança de Patrícia Ferreira, destacou-se no setor têxtil internacional, enfrentando crises económicas globais, insolvências de grandes marcas e a pandemia de COVID-19, mas conseguindo superar os desafios com resiliência e visão estratégica. A agência, que produz exclusivamente em Portugal para marcas estrangeiras, consolidou-se em mercados como França, Alemanha e Itália, e agora aposta no mercado norte-americano, sempre guiada por um forte compromisso com a sustentabilidade e inovação.
Patrícia Ferreira, uma líder que equilibra a gestão empresarial e familiar, reflete sobre a evolução da sua empresa, o impacto da liderança feminina e a adaptação às novas exigências do mercado global.
Quais foram os maiores desafios enfrentados pela Befashion ao longo destes 10 anos?
Um dos maiores desafios que a Befashion enfrentou foi a insolvência de duas grandes marcas com as quais trabalhávamos, uma francesa e outra holandesa. Isso afetou-nos profundamente, assim como a três fabricantes com quem colaboramos, colocandonos numa situação financeira muito preocupante. Estas marcas entraram em processo de insolvência e, consequentemente, não pagaram os trabalhos realizados. Isso foi devastador, pois não recebemos os pagamentos e os nossos parceiros também não foram pagos. Felizmente, conseguimos ultrapassar esta crise. Tive de “arregaçar as mangas” e ir à luta, procurar novos clientes, e consegui. Sempre fui muito determinada, e até brinco que alguns fabricantes dizem que tenho um dom: sou tão convincente que, se fosse preciso, conseguia vender facas em vez de t-shirts. A crise económica global também foi um grande desafio. A pandemia de COVID-19, os layoffs, e agora a crise provocada pela guerra, tornaram tudo ainda mais complicado. Manter os clientes foi uma tarefa árdua, e continuar a aumentar o volume de faturação, como fizemos ao longo destes 10 anos, foi uma vitória, especialmente num cenário tão difícil para a indústria têxtil. Recentemente, tenho tido conhecimento de que várias agências têxteis, que normalmente têm entre cinco a 10 funcionários, estão a enfrentar grandes dificuldades. O mercado alemão, que é muito importante no setor, está a atravessar uma crise severa, o que tem afetado as empresas que dependem deste mercado. Muitos estão em layoff parcial, mas eu tomei uma decisão diferente: estou a reforçar a minha equipa. Durante a crise, em vez de reduzir, estou a apostar no crescimento.
Como a liderança feminina moldou o sucesso da empresa?
No início, foi difícil sermos respeitadas, especialmente num setor dominado por homens. Mas hoje, não noto grandes diferenças. Sinto que a liderança feminina é agora muito respeitada. Muitas vezes, até brinco e digo que os homens sempre tiveram uma mulher como líder nas suas vidas — as mães, que os guiaram desde que nasceram. Os homens mudaram a sua mentalidade e agora aceitam e valorizam as mulheres em posições de liderança. Nós, mulheres, temos a capacidade de fazer muitas coisas ao mesmo tempo, o que é uma vantagem. Os homens, por outro lado, tendem a focar-se num único objetivo. Não estou a criticar os homens, de todo, mas acho que essa diferença é real. Além disso, as mulheres têm uma sensibilidade que, muitas vezes, os homens não possuem. No meu caso, valorizo muito o meu instinto. Obviamente, sou uma pessoa racional — caso contrário, não teria a empresa a crescer há 10 anos com lucros consecutivos — mas o instinto tem-me guiado em muitos momentos. É algo que acho que nos distingue, especialmente em situações de liderança. Hoje, sinto-me respeitada e até admirada pelos homens com quem trabalho. O facto de gerir uma empresa e ser mãe de três filhos, incluindo um de quatro anos, faz com que os meus colegas masculinos reconheçam a minha capacidade de gestão e me admirem por isso. Inicialmente, enfrentámos alguns preconceitos, mas isso mudou. Agora, sinto que sou tratada com respeito em qualquer reunião ou empresa onde vou, independentemente de quem está do outro lado da mesa.
Quais são os principais mercados internacionais da Befashion e o que os torna estratégicos para a empresa?
O nosso principal mercado continua a ser França. Desde o início, trabalhamos apenas no mercado internacional e produzimos exclusivamente em Portugal para marcas estrangeiras. Comecei no mercado francês, onde construímos uma reputação sólida. Curiosamente, nunca fizemos publicidade. Todo o nosso crescimento em França foi orgânico, através de recomendações de clientes satisfeitos. O “boca a boca” tem sido a nossa maior ferramenta de marketing. Dentro de uma marca, uma pessoa recomenda a Befashion a outra, e assim temos vindo a expandir. O interessante é que, nas grandes marcas, os decisores, como as compradoras, mudam de posição a cada três ou quatro anos. Quando deixam uma marca e vão para outra, continuam a trabalhar connosco, levando o nosso nome para novos projetos. Isso tem-nos permitido crescer de forma consistente em França. Atualmente, também trabalhamos com mercados como a Alemanha, Itália, Roménia, Dubai, Bélgica, Suíça e Reino Unido. O nosso próximo grande objetivo é o mercado dos Estados Unidos. Já começámos a dar os primeiros passos, mas acreditamos que será uma grande aposta para o futuro.
De que forma a empresa pretende expandir a presença nos Estados Unidos?
Estamos a trabalhar numa parceria com uma freelancer francesa, que nos ligou a um designer americano. Este designer trabalha tanto para grandes marcas quanto para hotéis nos Estados Unidos e quer produzir em Portugal. É uma parceria vantajosa para ambos, já que ela é freelancer e recebe uma parte dos ganhos, e nós fazemos o nosso trabalho habitual de produção. Além disso, um cliente francês com quem trabalhamos, e que tem uma marca nos Estados Unidos, contactou-nos quando soube que estávamos a começar a trabalhar com o mercado americano. Ele mencionou que os custos de produção nos Estados Unidos são altíssimos e perguntou se não poderíamos transferir parte da produção para Portugal. Esta ligação fortalece a nossa entrada no mercado norte-americano, e acredito que, assim como aconteceu em França, o crescimento virá naturalmente através de boas recomendações. Não será necessário um grande investimento em publicidade. O que precisamos é de continuar a fazer um excelente trabalho. Como sempre digo, a chave está na comunicação rápida, na competitividade dos preços e, claro, na qualidade. Por isso, temos vindo a reforçar o nosso departamento de controlo de qualidade. Há algum tempo, tínhamos apenas uma pessoa dedicada a essa função. Hoje, temos três pessoas e meia (uma delas divide o tempo entre o escritório e o controlo de qualidade). Este reforço é essencial para garantir que mantemos o nível de excelência que nos diferencia da concorrência.
Como é que a Befashion está a implementar práticas de sustentabilidade nas suas operações?
Como somos um escritório, implementar grandes mudanças em termos de sustentabilidade é um desafio. Mas temos feito o que está ao nosso alcance. Sempre utilizámos computadores portáteis para reduzir a necessidade de impressão. Toda a nossa comunicação é feita por email, Zoom ou Skype, e praticamente não usamos papel. Quando precisamos de imprimir algo, usamos papel reciclado. Todas as luzes do escritório são LED, para reduzir o consumo de energia. No que diz respeito à produção, trabalhamos exclusivamente com empresas certificadas. Temos clientes que ainda resistem ao tema da sustentabilidade, mas estamos a fazer o nosso papel para mudar essa mentalidade. Em cada coleção, sugerimos matérias-primas orgânicas ou recicladas. Recentemente, um cliente pediu fechos para roupa infantil que são proibidos, e nós imediatamente alertámos para o problema. Hoje em dia, a diferença de preço entre o algodão convencional e o orgânico é mínima — cerca de 60 cêntimos por peça. Embora isso possa parecer muito para os portugueses, para os mercados internacionais, como França, Itália, Alemanha e Estados Unidos, é um valor irrisório. Portanto, acreditamos que a sustentabilidade é o futuro, e estamos a ajudar os nossos clientes a perceber isso.
Quais são as principais inovações que a Befashion trouxe para o setor têxtil nos últimos
anos?
Uma das inovações que introduzimos logo no início foi o estampado digital, numa altura em queainda era pouco conhecido. Alémdisso, quando o poliéster reciclado começou a surgir no mercado, já o estávamos a propor aos nossos clientes como alternativa ao poliéster convencional. Outro aspeto em que inovámos foi no aconselhamento dos clientes. Muitas agências focam–se apenas em produzir grandes quantidades, mas nós tentamos ir além. Aconselhamos os nossos clientes a gerir melhor os seus stocks e a fazerem verificações
de qualidade rigorosas. Este acompanhamento personalizado ajuda a evitar problemas futuros e tem sido um diferencial importante para a Befashion. Como sempre digo, temos de lutar sempre, vencer talvez, desistir nunca. Esta é a filosofiaque nos tem guiado ao longo destes 10 anos e que, acredito, continuará a ser a chave do nosso sucesso nos próximos anos.