Mulheres no empreendedorismo: DESAFIOS, SUCESSO E UMA VISÃO GLOBAL NO MERCADO LUSÓFONO

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Com uma vasta carreira internacional e uma passagem marcante como Chief Commercial Officer (CCO) da TAAG (à qual esteve ligada por duas vezes), a executiva Lisa Mota-Pinto McNally, a Consultora e Administradora de Empresas e de projetos de reestruturação, mergers & aquisições, partilha a visão sobre o mercado global e os desafios enfrentados pelas mulheres no mundo dos negócios. Desde a trajetória pessoal, que a levou a trabalhar com multinacionais em diversas partes do mundo, até ao papel crucial que desempenha atualmente, ajudando empresas lusófonas a crescerem, a profissional revela os obstáculos e as oportunidades do empreendedorismo feminino, destacando ainda conselhos práticos para mulheres que estão a começar no caminho empresarial.

Com uma trajetória de sucesso como CCO da TAAG, como é que vê agora a sua trajetória e o seu approach no mercado internacional?

A minha carreira sempre esteve ligada ao mercado internacional, o que me deu uma perspetiva muito abrangente. Mas existe um carinho especial quando trabalhamos com um país com o qual estamos profundamente conectados, seja porque nascemos lá, porque temos amigos ou porque conhecemos a sua cultura. Eu, por exemplo, depois de concluir a faculdade, decidi ir para o estrangeiro, fazer o mestrado, acabei por me estabelecer lá fora. As oportunidades que surgem quando estamos no mercado internacional são muitas e, com o tempo, torna-se difícil querer voltar ao país de origem, pois há barreiras significativas. Quando finalmente decidimos regressar, deparamo-nos com desafios, como a falta de posições adequadas, ou porque crescemos profissionalmente de tal forma que nos sentimos desligadas do mercado local. Eu tenho um carinho muito grande, por Portugal, e pelos países lusófonos, e gostaria de apoiar empresas – sinto que poderia agregar muito valor em Portugal, em cargos de lideranca – em reestruturações, mergers & aquisitions, impulso comercial, estratégico e operacional, especialmente as que têm uma forte presença internacional.

O que a motivou a dar um passo no empreendedorismo e a oferecer consultoria especialmente nos países lusófonos?

O meu envolvimento com reestruturações empresariais levou-me, naturalmente, a projetos que, por norma, duram entre três a cinco anos. Esses períodos estão, geralmente, ligados a momentos críticos no ciclo de vida das empresas onde é necessário ajustar a direção para melhorar resultados e a “performance” financeira, comercial e/ou operacional das empresas. Ao longo da minha carreira, ganhei uma vasta experiência ao trabalhar com empresas multinacionais de todos os tamanhos, desde aquelas com receitas de 10 biliões de dólares até empresas menores, de 50 milhões. Foi essa experiência que me empurrou para o empreendedorismo quase por acidente. Gostava muito do que fazia e, ao iniciar o meu percurso como Management Consultant & Advisory Board Member, percebi que havia um grande espaço para contribuir, especialmente em países como Angola, onde já estive duas vezes como Administradora Comercial no quadro executivo da empresa onde junto com as equipas, conseguimos liderar e mudar a trajetória da empresa e os seus resultados, com benefícios significativos para stakeholders internos, externos e shareolders. Olhando para o mercado lusófono, vejo-lhe um potencial enorme. A experiência que trago, de 30 anos a trabalhar fora do país é valiosa, pois venho de um mercado onde a abordagem é mais pragmática e estratégica. Isto, em conjunto com o meu conhecimento dos mercados locais (economia, cultura/ língua, “modus operandi”), permite-me trazer uma perspetiva equilibrada para as empresas que precisam de orientação estratégica e operacional.

Como avalia o papel das mulheres no mundo dos negócios e o impacto do empreendedorismo feminino em contextos como Angola e outros países lusófonos?

Acredito que, a mulher lusófona nestes Países, tem um potencial enorme, e isso está muito ligado à nossa cultura e à forma como somos educadas. Somos práticas, diretas, e temos uma capacidade impressionante de tomar decisões rápidas. Existe a palavra desenrascar, que define muito bem essa caraterística portuguesa de adaptação e resolução de problemas. Esse traço cultural, na minha opinião, facilita a transição para o mundo dos negócios. Temos um lado materno, intrínseco, de cuidar de pessoas e equipas. E também de organização estruturada algo que se traduz bem no ambiente corporativo. Também não aceitamos facilmente um não como resposta e temos a tendência de desafiar o status quo. Algo que pode, por vezes, e na medida certa, beneficiar durante momentos críticos… tanto no mundo corporativo como empreendedor. No entanto, apesar das mulheres terem esse potencial, ainda enfrentam muitas barreiras. Durante muitos anos, o papel da mulher foi o de dona de casa, e embora isso tenha vindo a mudar, muitas mulheres ainda optam por tirar tempo para cuidar da família. Uma mudança importante seria as mulheres apoiarem-se mais mutuamente. Falta muitas vezes um sentido de união entre as mulheres, o que é crucial para podermos avançar de forma mais sólida nos negócios. Em Angola, por exemplo, há um estereótipo de que os homens têm mais poder e controlo, mas a minha experiência mostrou-me o contrário. Metade da minha equipa era composta por mulheres, e todas muito capacitadas. Acredito que o mesmo se verifica em outros mercados lusófonos: há uma força feminina em ascensão e é importante que continuemos a fomentar essa mudança.

Quais considera serem as principais barreiras que as mulheres enfrentam ao empreender e como essas dificuldades podem ser superadas? Existe algo que gostaria de destacar do seu percurso pessoal?

Uma das maiores barreiras que as mulheres enfrentam é o facto de, para subir um degrau na carreira, termos de estar, muitas vezes, melhor preparadas do que os homens que já lá estão. Existe um nível de escrutínio mais elevado sobre nós, e isso exige que sejamos sempre um pouco mais fortes, estratégicas, astutas e boas a mostrar resultados (results driven), com pouco espaço para erros e dúvidas! Além disso, há regras de comunicação permitidas a homens que não se aplicam às mulheres. Por exemplo, quando um homem é assertivo ou “bate com a mão na mesa”, isso é aceite como firmeza. Já quando uma mulher faz o mesmo, muitas vezes é vista como agressiva ou inadequada. Precisamos de mudar essa perceção e promover uma cultura empresarial mais equilibrada. As empresas que têm uma combinação saudável de géneros, idades e culturas mostram ter melhores resultados. No meu percurso, percebi que a chave para superar estas barreiras está em mantermos uma rede de apoio sólida e estarmos sempre preparadas para os desafios. As mulheres que persistem e mostram competência acabam por encontrar o seu espaço, mas, este é um caminho que exige resiliência e perseverança.

A sua experiência na TAAG proporcionou-lhe uma ampla rede de contactos e um conhecimento profundo do mercado empresarial. Como é que esses fatores influenciam a sua atuação como consultora e o sucesso dos seus clientes?

Não foi apenas a TAAG que me proporcionou esta rede, networking é algo que se constrói ao longo dos anos, mas o facto de ter trabalhado em diversos países, nomeadamente em várias empresas de renome mundial. Ter estado em cargos de liderança, especialmente em contextos internacionais, abre muitas portas. Quanto mais sénior é a nossa posição, mais fácil é criar e manter uma rede de contactos valiosa. O networking é essencial em qualquer etapa da carreira, mas é ainda mais crucial para quem está a entrar no mundo da consultoria. As relações que criamos ao longo dos anos são o que nos permitem avançar e encontrar novas oportunidades, seja para projetos, seja para colaborar em diferentes mercados. O meu conselho é que nunca se subestime o poder de uma boa rede de contactos – ela pode ser a chave para o próximo grande passo na carreira de qualquer pessoa ou empresa.

No contexto da consultoria, como ajuda as empreendedoras a desenvolverem as suas capacidades e a expandirem os seus negócios? Pode partilhar alguns exemplos ou áreas de maior demanda?

Quando assumo uma posição numa empresa, a integração é crítica, falamos do “Nós” e não do “Eu & Vocês”. No meu caso quando assumo um cargo de liderança passo a ser parte integral da empresa e da equipa. Consultoria é apenas um termo contratual. É importante integrar a equipa como um todo desde o primeiro dia, passando a fazer parte nuclear da mesma. É complicado ganhar a confiança e respeito dos que estão na empresa há mais de 20 ou 30 anos. É importante ter a humildade e respeito pelos que estão e o que foi feito, mesmo que a nossa função seja melhorar, mudar o panorama idealizado. Liderar pelo exemplo e com integridade para ser respeitada e ser um exemplo a seguir é o objetivo primordial. Força e arrogância nunca será, aos meus olhos, o meio de ir em frente. Uma das minhas prioridades é adaptar-me à cultura local, respeitando-a, em vez de tentar impor as minhas próprias ideias. Isso é especialmente importante quando trabalhamos em diferentes países ou mercados.

Quais são, no seu ponto de vista, as qualidades essenciais para uma mulher empreendedora nos dias de hoje?

Acredito que uma das qualidades mais importantes é a humildade. É fundamental nunca se deixar levar pela arrogância e manter sempre a disposição para aprender com todas as pessoas que encontramos. No momento em que uma pessoa acredita que já sabe tudo, começa a travar o seu crescimento. A aprendizagem deve ser contínua, e essa humildade é crucial para o sucesso. Outra característica essencial é a estrutura. Vejo muitas pessoas e empresas apenas a funcionarem num estilo “desenrascado”, mas este modo de atuação sozinho não funciona… é importante existir um bom planeamento e estrutura. Tomar decisões estratégicas e ver como qualquer decisão tomada hoje afeta os planos posteriores; para isso é necessário ter um plano futuro, pensar e funcionar estrategicamente e depois executar e medir o progresso em relação aos objetivos traçados no final do ano anterior. É importante também ser flexível nestas metas, mas evitar o “caos” e demasiadas mudanças pois pode ser muito desmotivador para as equipas, levando mesmo a perder bons líderes. Para crescer de forma sustentável, é imprescindível ser estruturado. Um empreendedor precisa de saber claramente onde quer chegar, como medir o progresso e como ajustar os planos táticos de forma organizada. Além disso, é necessário ter foco e um plano estratégico bem definido. Muitas vezes, os empreendedores sem uma estrutura sólida acabam por ver os negócios a desviarem-se da direção pretendida e quando reparam, é tarde demais. A flexibilidade é crucial para saber ajustar as mudanças da indústria e/ou competência. Esse dinamismo e habilidade de observar o ambiente externo que rodeia a empresa/ negócio associado a um “modus operandi” organizado e bem estruturado faz com que a empresa possa navegar suavemente, em momentos de turbulência. São esses os negócios que, na minha experiência, sobrevivem mais tempo. Mas isto é muito mais complicado em ambientes pequenos do que em empresas grandes. E, claro, é preciso ser flexível para ajustar as estratégias de acordo com as necessidades. A capacidade de adaptação e a determinação, estrutura e resiliência com humildade são, para mim, sem dúvida, algumas das principais caraterísticas de sucesso. E para quem não as tem todas deve procurar equipas que entre os seus indivíduos combinem estes estereótipos. É por isso que multiculturalidade e igualdade do género são tão importantes nas organizações, trazem-nos o melhor dos dois mundos.

Que conselhos daria às mulheres que estão a começar no mundo do empreendedorismo e que ainda têm receios ou dúvidas sobre seguir este caminho?

O meu primeiro conselho é que façam contas. Peguem numa folha de cálculo e coloquem as ideias no papel, coloquem a mente a trabalhar e quantifiquem as oportunidades. Receitas, custos, margens e metas de performance para cada trimestre durante os próximos 3 anos pelo menos deve ser uma prioridade a ter em conta. Não tenham medo de realizar cálculos porque muitos empreendedores fazem-no por instinto e isso é prejudicial. É crucial ter uma visão clara dos números e da viabilidade do negócio. Além disso, acreditem na ideia que estão a desenvolver. Acho que a paixão é meio caminho andado. Se uma pessoa se sente verdadeiramente apaixonada pelo seu projeto, a intensidade e a determinação vêm naturalmente. Se começarem algo que não as entusiasma, será muito mais difícil manter o fôlego necessário para ultrapassar os obstáculos. Nos Estados Unidos, por exemplo, há um sucesso notável na área do empreendedorismo, e muito disso deve-se ao facto de haver uma cultura de partilha de ideias. Um exemplo disso é Silicon Valley, onde se criou um ecossistema de empreendedores que partilham experiências e ideias. Criar uma “rede de contatos” com outros empreendedores, porque nos momentos de maior dificuldade essas pessoas vão ter a energia e a motivação certas para os ajudar a avançar é uma meta que recomendo. O ambiente de negócios pode ser duro, é por isso que ter a tal rede forte é tão importante.

Considerando o panorama empresarial atual, quais são as tendências que vê como mais promissoras para as empreendedoras, tanto a nível local como global?

O mercado português ainda tem muitas oportunidades para crescer, especialmente na área da consultoria. Não me refiro apenas às grandes consultadorias que já estão estabelecidas, mas também aos consultores independentes. Em Portugal, tal como em outros países lusófonos, estamos a assistir a uma tendência crescente de atrair consultores executivos estrangeiros para cargos de liderança de empresas nacionais e internacionais com base em Portugal, com pacotes salariais internacionais o que é importante para atrair talento. Mas não vejo grande foco em procurar talento português que foi para fora e fizeram boas carreiras em várias indústrias. É importante procurar e trazer de volta alguns desses portugueses com carreiras internacionais para integrar as equipas locais. É importante reter esses talentos e focar em treinar aqueles que ficaram e que têm imenso potencial de crescimento e que se sentem atraiçoados quando veem outros tomar essas posições de liderança com salários bastante mais elevados. Planos de sucessão e treino são importantes para alavancar estes círculos. Como outros países o fazem, Portugal deve dar mais oportunidades a que indivíduos possam ir trabalhar para fora e das as boas-vindas de braços abertos ao regresso dos mesmos para esse ou outro cargo. Devemos também abrir a mente a mais pessoas tirarem uma pausa sabática. É importante criar ambientes para as pessoas crescerem intelectualmente e profissionalmente. Se assim não for, corremos o risco de criar uma cultura onde precisamos recrutar estrangeiros para todos os cargos de liderança… mas estas mudanças não se fazem de um dia para o outro. Salários e benefícios são baixos em Portugal e as pessoas trabalham muitas horas. A grande maioria fica mais de 20 ou 30 anos na mesma empresa e, por isso, não se veem os aumentos de salários necessários para criar alguma competitividade. Rotação e mudança pode trazer crescimento e isso é bom para o indivíduo e para as empresas. Isso mostra que Portugal está a tornar-se um destino interessante para profissionais qualificados. A criação de modelos de referência (role models) é igualmente importante.

Como vê o futuro do empreendedorismo feminino no mundo lusófono e quais são as suas esperanças em relação à próxima geração de líderes empresariais femininas?

Eu acho que há talento e oportunidades. No entanto, tem que haver dentro das empresas, uma área focada em criar awareness e equilíbrio salarial, cultural e de igualdade de género. Seria importante que as empresas tivessem esse equilíbrio como metas de forma a criar um balanço mais uniforme e mais perto dos 50/50. O mundo está a mudar e Portugal tem que se adaptar para não ficar mais para trás.

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Revista Pontos de Vista Edição 135

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