“Para acelerar a transição energética, é fundamental adotar uma abordagem integrada e multifacetada”

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A descarbonização assume um papel central no Portugal 2030, com o objetivo de alcançar a neutralidade carbónica até 2050. Um compromisso para combater as mudanças climáticas, garantir um futuro sustentável e impulsionar a competitividade da economia portuguesa. De forma a tornar esta informação mais relevante, convidamos para a Revista Pontos de Vista o nosso parceiro LNEG, na pessoa da sua presidente, Teresa Ponce de Leão. Saiba mais sobre o que o Mundo enfrenta com este caminho!

A descarbonização é uma prioridade global. Quais são, na sua opinião, os maiores desafios que o mundo enfrenta hoje para atingir as metas de neutralidade de carbono?

Em primeiro, um pensamento sistémico por parte dos governos. As decisões devem ser tomadas de forma integrada com medidas de financiamento alinhadas com a estratégia industrial. Isto é valido para Portugal, mas também para a Europa que continua fragmentada, veja-se os problemas levantados no recente relatório Draghi1. Em segundo lugar, avaliar os impactos das medidas. Um dos grandes desafios é a disponibilização de ferramentas capazes de medir, otimizar, prever e tornar transparente a descarbonização. Aqui a ciência de dados desempenha um papel crucial no apoio às empresas, governos e organizações para decisões informadas e eficientes através da disponibilização de instrumentos para a monitorização das emissões, na modelação de cenários de evolução climática, na otimização de recursos, na inovação e desenvolvimento de tecnologias limpas, na análise do Ciclo de Vida e não menos importante na definição de políticas e regulação. Tudo isto se pode alcançar utilizando AI.

O que acredita ser fundamental para acelerar a transição energética, especialmente no contexto da inovação tecnológica e da eficiência energética?

Para acelerar a transição energética, é fundamental adotar uma abordagem integrada e multifacetada, olhemos para o exemplo do Cubo de Rubik, se acertarmos só uma face desorganizamos todas as outras. Temos de apostar em tecnologias eficientes, mas integradas nas condições da envolvente olhando para todas as faces do problema. Utilizar o potencial de digitalização para otimizar as soluções (p. ex. a integração entre o potencial de produção e o consumo). Encontrar regulamentação adequada à oferta tecnológica e inovadora em colaboração com os centros de conhecimento, indústria e governos.

FUNIL DA INOVAÇÃO

Não descurar novas soluções, mesmo que pouco maduras, mas que podem ser importantes para popular o funil da inovação garantindo assim que o caminho estreito do sucesso das soluções inovadoras é permanentemente alimentado por novas soluções. A qualificação dos profissionais e a informação às populações sobre os impactos e vantagens da transição energética são pontos igualmente importantes.

Como vê o papel das energias renováveis (solar, eólica, hidrogénio verde, etc.) na matriz energética global nos próximos anos? Quais são as áreas de maior potencial e desafio? O EU Green Deal alicerça-se em vários pressupostos hierarquizados. Em primeiro lugar, devemos apostar na eficiência energética, pois a melhor energia é a que não se consome, em segundo lugar, eletrificar a economia e a sociedade recorrendo a fontes de energia renovável, em terceira prioridade, apostar em gases renováveis como o bio metano e o hidrogénio verde para descarbonizar os sectores difíceis de eletrificar como alguma indústria pesada e os transportes de longo curso incluindo os marítimos e a aviação.

INTEGRAÇÃO DE SISTEMAS

Por último, a aposta na transição digital que nos traz os meios para otimizar os processos que conduzem à descarbonização.

Portugal tem sido apontado como um país de referência na adoção de energias renováveis. Quais são as lições que o país pode oferecer ao resto do mundo nesta área?

Neste momento Portugal tem um mix energético na produção de cerca de 80% de potência instalada a partir de fontes renováveis e no consumo2 de acordo com a REN, fontes renováveis garantiram 73% da eletricidade consumida até setembro, havendo frequentes períodos de tempo em que a alimentação do consumo elétrico é 100% renovável.

POTENCIA INSTALADA

Este trajeto é o resultado de uma política consistente no aproveitamento dos nossos recursos endógenos que se iniciou com o plano da eólica, no continente, passando pela aposta noutras fontes como o solar fotovoltaico e mais recentemente o plano nacional para o hidrogénio verde e o plano de ação para o biometano ou ainda a eólica offshore. Os gases renováveis são muito relevantes para as políticas integradas, primeiro, pela importância que têm para funcionar como backup do sistema elétrico à medida que as centrais a gás natural saem de serviço, segundo, porque além de reforçar a produção a partir de uma fonte renovável vem resolver um problema ambiental como é o da gestão dos resíduos.

A União Europeia tem desempenhado um papel central na liderança da transição energética. Na sua opinião, que políticas e incentivos são necessários para manter e acelerar esse ritmo de transformação?

Em relação a esta questão e socorrendo-me do relatório Draghi, a Europa carece de foco. Os Estados Membros articulam objetivos comuns, mas não são consequentes na definição de prioridades claras ou na sequência com ações políticas conjuntas. A europa reclama que favorece a inovação, mas continua a não inovar na regulamentação acrescentado custos regulamentares às empresas europeias, em especial às PME onde mais de metade consideram os obstáculos regulamentares e os encargos administrativos o seu maior entrave. O mercado único, fragmentado há décadas, tem um efeito em cascata na nossa competitividade. Vemos as empresas de elevado crescimento a deslocarem-se para o estrangeiro, reduzindo o conjunto de projetos e dificultando o desenvolvimento dos mercados de capitais europeus. Sem projetos de elevado crescimento e sem mercados de capitais para os financiar, os europeus perdem oportunidades de criar riqueza. Embora as famílias da UE poupem mais do que as suas congéneres americanas, a sua riqueza cresceu apenas um terço desde 2009. A Europa está a desperdiçar os recursos da União. Temos um grande poder de despesa coletiva, mas diluímo-lo em vários instrumentos nacionais e da EU, seja apar apoio ao investimento seja para investigação e inovação. Por outro lado3, ver relatório Act, Align and Accelerate, coordenado por Manuel Heitor, onde está explícito que estamos a desperdiçar projetos de investigação e inovação excelentes por falta de financiamento. Acresce que não estamos a unir esforços na indústria da defesa o que ajudaria as nossas empresas a integrarem-se, cooperarem e a atingirem escala. Os contratos públicos europeus em regime de colaboração representaram menos de um quinto das despesas com a aquisição de equipamento de defesa em 2022. Também não favorecemos empresas europeias de defesa competitivas. Entre meados de 2022 e meados de 2023, 78 % das despesas totais com contratos públicos foram para fornecedores de fora da UE, dos quais 63 % para os EUA. O sector público da UE gasta em I&I montante equivalente aos EUA, em percentagem do PIB, mas apenas um décimo desta despesa é efetuada a nível da UE. A Europa não coordena políticas onde é importante. Se olharmos para as estratégias industriais dos EUA e a China, assentam numa combinação de múltiplas políticas, desde as fiscais para incentivar a produção nacional, às comerciais para penalizar comportamentos anti-concorrenciais e às económicas externas para assegurar as cadeias de abastecimento. No contexto da UE, esta articulação de políticas exige um elevado grau de coordenação entre os esforços nacionais e comunitários. O nosso espaço europeu é lento e desagregado o que prejudica a capacidade Europeia de produzir uma resposta comum. A tomada de decisão assenta em regras do passado, de uma Europa com menos países e sem ter em conta o ambiente global mais hostil e complexo. O processo legislativo é lento com um prazo médio de 19 meses para adotar nova legislação.

O que precisa ser feito para garantir que o processo de descarbonização seja economicamente viável e socialmente inclusivo, beneficiando todas as camadas da sociedade?

É necessário legislar e regulamentar para que produtos legislativos como a Reforma do Mercado da Eletricidade que muda o paradigma do mercado marginalista em que o preço de mercado é determinado pelo custo marginal da última central elétrica necessária para satisfazer a procura (geralmente uma central a gás) o que resulta em preços altos e promove mecanismos que permitem preços mais estáveis e previsíveis, incentivando contratos de longo prazo para energias renováveis através da aplicação de Contratos por Diferença (CfD) e Acordos de Compra de Energia (PPA), que garantem preços fixos aos produtores de energia renovável. Isso proporciona segurança tanto para os produtores como para os consumidores. Apostar nas renováveis certas e em licenciamento simplificado4, neste relatório está descrito um produto pioneiro na Europa para simplificação do licenciamento. Também ao nível das interconexões deveria ser feito um esforço de reforço para um mercado de energia integrado. São apenas alguns exemplos onde a coordenação e integração urgem.

Como imagina o futuro energético daqui a 20 anos? Quais serão as inovações ou transformações que irão moldar o caminho para um planeta mais sustentável e eficiente?

Prevejo o aparecimento de soluções de Geoengenharia, isto é, intervenções deliberadas e em grande escala no sistema climático da Terra, com o objetivo de mitigar os efeitos das mudanças climáticas. As principais soluções de Geoengenharia podem ser divididas em duas categorias: remoção de dióxido de carbono (CDR) e gestão da radiação solar (SRM). No caso da CDR podemos encontrar soluções para remover o dióxido de carbono (CO₂) da atmosfera e armazená-lo de forma segura, ajudando a reduzir os níveis de gases de efeito estufa. No caso das técnicas de SRM, visam refletir uma pequena parte da luz solar de volta ao espaço, e assim reduzir o aquecimento global ao podemos referir a Injeção de Aerossóis Estratosféricos que imita os efeitos de grandes erupções vulcânicas, que arrefecem temporariamente o clima. Embora as soluções de Geoengenharia possam ter o potencial de combater as mudanças climáticas, apresentam ainda riscos e incertezas significativas. As soluções de Geoengenharia são, por enquanto, uma opção complementar, mas também o solar fotovoltaico o era há 20 anos.

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Revista Pontos de Vista Edição 137

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