Numa altura em que tanto se fala de empreendedorismo e empoderamento no feminino, eis que a Pontos de Vista na sua última edição de 2024 apresenta um puro caso de liderança feminina. A nossa personalidade de destaque de Dezembro é Sónia Melo, Private Chef que se sustenta e se inspira diariamente na cultura açoriana para fazer acontecer! 18 anos de paixão pela gastronomia numa grande entrevista que não deve perder nas próximas linhas!Sónia, conte-nos sobre o início da sua paixão pela gastronomia. Quando é que percebeu que queria ser chefe de cozinha?
A minha paixão pela gastronomia começou há 18 anos, de forma inesperada e por necessidade. Na altura, vi-me a precisar de aprender a cozinhar para cuidar de mim e da minha família. O que começou como uma necessidade básica, transformou-se rapidamente numa verdadeira paixão. A cada novo prato que preparava, descobria um mundo de criatividade e expressão através da comida. Com o tempo, fui aprofundando o meu conhecimento e a minha técnica, e percebi que a cozinha era, na verdade, o meu caminho. Não foi apenas uma profissão que escolhi, mas uma paixão que encontrei e que transformei em missão.
Quais foram os principais marcos da sua carreira que considera fundamentais até hoje?
Foram vários os momentos marcantes que me definiram como profissional e como pessoa. Um dos que destaco, sem dúvida, foi a decisão de começar a trabalhar como Private Chef. Este passo foi desafiador em muitos sentidos, mas permitiu-me criar experiências gastronómicas únicas, especialmente para turistas que visitam os Açores.
Outro marco significativo foi termos ganho as distinções nacionais e internacionais. São reconhecimentos que validam o trabalho que tenho desenvolvido e reforça a minha confiança no meu projeto.
Ter terminado o curso de culinária também foi um marco que elevou a minha carreira profissional. E por fim, o feedback positivo dos meus clientes é algo que considero um marco contínuo, pois é o que me motiva a melhorar todos os dias e a inovar naquilo que faço.
Sendo um rosto conhecido na gastronomia, como vê a relação entre o público e a arte de cozinhar?
Hoje, as pessoas estão mais conscientes da importância dos alimentos que consomem, da qualidade dos ingredientes e das histórias por trás de cada prato. Cozinhar deixou de ser apenas uma necessidade para se tornar uma forma de arte, de expressão e de conexão.
O público está também mais interessado em aprender, experimentar e até aventurar-se em recriar as suas próprias versões de pratos. Isso reforça o papel do chef como um contador de histórias e um educador, alguém que partilha o seu conhecimento e paixão com quem o aprecia. Para mim, essa troca é um dos aspetos mais bonitos da gastronomia.
Como é que a sua trajetória foi impactada pela sua presença na comunicação social? O que essa visibilidade trouxe à sua carreira?
Teve um impacto significativo no meu caminho, sem dúvida, especialmente ao permitir que o meu trabalho alcançasse um público mais vasto. Cada presença minha na comunicação social, é uma oportunidade de partilhar a minha visão sobre a gastronomia e de desmistificar o conceito de Private Chef. Essa visibilidade trouxe não apenas reconhecimento, mas também confiança e oportunidades. Além disso, ajudou a atrair clientes que procuram experiências gastronómicas únicas, especialmente aqueles que valorizam uma abordagem personalizada e autêntica. Mais do que promover a minha carreira, vejo esta visibilidade como uma responsabilidade de inspirar outros, de valorizar os produtos locais e de contribuir para a valorização da nossa região e da nossa cultura gastronómica.
Influências e Paixão pelo Arquipélago dos Açores
A cultura açoriana tem grande importância para si. Como é que os Açores inspiram os pratos que cria?
A cultura açoriana é uma fonte inesgotável de inspiração para mim. Os Açores são ricos em sabores autênticos, ingredientes frescos e tradições culinárias que contam histórias de gerações. Desde os produtos da terra até aos sabores do mar, tudo isto influencia os pratos que crio. A simplicidade e a autenticidade das receitas tradicionais servem de base, mas gosto de dar um toque moderno e criativo a cada prato. Por exemplo, usar técnicas contemporâneas para realçar os sabores naturais dos nossos produtos, criando uma experiência gastronómica que respeita a tradição, mas também surpreende.
Qual é o ingrediente ou técnica açoriana que mais ama usar na sua cozinha? Pode contar-nos uma história sobre isso?
É difícil escolher apenas um ingrediente, porque os Açores têm uma riqueza incrível, mas se tivesse de destacar, diria que o queijo é uma verdadeira paixão na minha cozinha. O queijo açoriano, com os seus sabores intensos e únicos, é versátil e permite criar pratos que vão desde entradas a sobremesas. Tenho usado os mais diversos queijos das ilhas, nas mais diversas situações, impressionando sempre, principalmente quando conseguimos combinar o doce e o salgado de forma harmoniosa. Gostamos de reinventar os sabores da nossa tradição, mantendo a sua essência. No que toca a técnicas, não uso nenhuma em especial. Tento manter a confecção dos pratos o mais original possível. Quanto mais simples, melhor.
Em que medida a sua paixão pela cultura dos Açores mudou ou influenciou a sua forma de cozinhar?
A minha paixão pela cultura dos Açores mudou completamente a forma como vejo e pratico a cozinha. Passei a valorizar ainda mais os ingredientes locais, os métodos tradicionais e, sobretudo, as histórias que cada prato carrega.
Os Açores ensinaram-me a cozinhar com mais respeito pelos ciclos naturais e pela sazonalidade dos alimentos. Hoje, priorizo o uso de produtos frescos e regionais, e procuro sempre destacar o que as ilhas têm de melhor. Mais do que criar pratos, sinto que cada refeição é uma oportunidade de partilhar um pouco da essência dos Açores com quem nos contrata.
Essa paixão fez-me perceber que cozinhar não é apenas uma técnica, mas também uma forma de preservar e honrar a nossa herança cultural, adaptando-a aos tempos modernos sem perder a autenticidade.
Se pudesse escolher um único prato para representar a essência dos Açores, qual seria e porquê?
Se tivesse de escolher um prato para representar a essência dos Açores seria algo que incluísse o ananás, o nosso “fruto rei”. O ananás dos Açores é único, com um sabor incrível e uma doçura equilibrada que o torna inconfundível. Vejo-o como um símbolo de riqueza e prosperidade. Um dos pratos que mais gosto de preparar é um lombinho de porco caramelizado com ananás. Este prato une a tradição da nossa gastronomia, com o toque tropical e fresco do ananás. O contraste entre o doce e o salgado cria uma explosão de sabores que representa bem a diversidade da nossa cozinha.
O ananás, com a sua história e singularidade, é para mim a perfeita tradução da riqueza natural e cultural dos Açores, e é sempre uma honra incluí-lo nas minhas criações.
Inovação, Eventos e Desafios no Mundo Gastronómico
Inovar é um grande desafio na cozinha. Como é que encontra o equilíbrio entre tradição e inovação?
Inovar na cozinha é, de facto, um grande desafio, especialmente quando se lida com tradições tão enraizadas como as da gastronomia açoriana. No entanto, acredito que a inovação não significa abandonar a tradição, mas sim reinterpretá-la de forma a surpreender e a oferecer novas experiências ao paladar, sem perder a essência dos sabores originais.
O equilíbrio entre tradição e inovação é algo que procuro alcançar com muito cuidado e respeito. Muitas vezes, começo com um prato tradicional, algo familiar, e depois exploro novas técnicas ou combinações de ingredientes para dar-lhe uma nova vida.
Gosto de incorporar elementos modernos, como técnicas de cozinha ou apresentações mais contemporâneas, mas sempre com o objetivo de realçar o sabor autêntico dos ingredientes locais.
O segredo está em respeitar o passado, mas também ter a ousadia de experimentar, sempre com um olhar atento ao que o futuro da gastronomia pode trazer. Esse equilíbrio é o que faz a cozinha evoluir e continua a desafiar a minha criatividade.
Qual foi o evento mais desafiador que já organizou, e o que o tornou memorável?
Eu diria que os todos os nossos jantares privados são os eventos mais desafiadores. Todos exigem uma experiência totalmente personalizada e autêntica e com pratos que reflitam a essência dos Açores. Temos sempre o desafio de criar um menu que seja sofisticado, inovador e que respeite as tradições locais.
O que torna tudo memorável não é só o sucesso da execução, mas a reação dos clientes. A satisfação ao experimentar sabores tão intensos e autênticos é o que me marca todos os dias. Além disso, é sempre uma oportunidade para mostrar a versatilidade da gastronomia açoriana e para afirmar o conceito de Private Chef; em que a experiência é tão importante quanto a refeição. Este tipo de evento reforça a importância de personalizar cada experiência gastronómica de acordo com as expetativas e desejos dos clientes e faz-me crescer muito como profissional.
Pode contar-nos sobre um momento em que se arriscou com uma receita ou conceito? Qual foi o resultado?
Esse momento aconteceu quando decidi criar uma sobremesa combinando os dois ingredientes típicos dos Açores que falámos aqui – o queijo e o ananás – de uma maneira completamente diferente. A ideia era criar um prato doce que unisse o sabor do ananás dos Açores com queijo, criando um contraste entre o doce e o salgado, algo que muitos considerariam combinações improváveis.
Quando coloquei a sobremesa na mesa, sabia que estava a correr um risco, mas estava confiante na combinação de sabores. O resultado foi surpreendente! O contraste entre a cremosidade do queijo e a doçura do ananás conquistou os convidados, e a sobremesa tornou-se um verdadeiro sucesso.
Esse momento ensinou-me que, na cozinha, arriscar é essencial para evoluir, e que mesmo os pratos mais ousados podem resultar em algo único e memorável, desde que sejam criados com respeito pelos ingredientes e pela técnica.
A cozinha é uma paixão exigente. Como se mantém motivada e inspirada mesmo em situações de pressão?
A cozinha é, de facto, uma paixão exigente, especialmente quando se trabalha sob pressão. Para manter-me motivada e inspirada, procuro sempre lembrar-me do propósito e da missão por trás de tudo o que faço. Cada prato que crio é uma oportunidade de transmitir a minha paixão e de oferecer aos meus clientes uma experiência única. Esse foco no resultado e na satisfação dos outros ajuda-me a manter a motivação, mesmo nos momentos mais desafiantes.
Além disso, tento manter a minha criatividade a fluir, seja explorando novos ingredientes ou técnicas, seja através da troca de ideias com outros profissionais da área. A inspiração pode vir de uma simples conversa ou de uma visita ao mercado, onde vejo novos produtos sazonais que me desafiam a criar algo inovador.
Quando estou em situações de pressão, sei que a chave é manter a calma, confiar em mim mesma e na minha experiência.
Sucesso e Visão para o Futuro
Como define o sucesso, enquanto chefe e empresária?
Para mim, o sucesso vai muito além de resultados financeiros ou reconhecimento. Defino sucesso como a capacidade de criar experiências memoráveis para os meus clientes, respeitando a tradição gastronómica, enquanto trago inovação e criatividade aos pratos. O verdadeiro sucesso está em fazer com que cada pessoa que experimente o meu trabalho se sinta valorizada e tenha uma conexão genuína com a cultura e os sabores que ofereço.
Enquanto empresária, o sucesso também está em construir uma marca que represente a minha visão e os meus valores. Acredito que o mais importante é conseguir equilibrar a paixão pela cozinha com a gestão eficaz do meu negócio, e ser capaz de crescer de forma sustentável, sem comprometer a qualidade ou a autenticidade do meu trabalho.
O sucesso é também saber que estou a inspirar e a abrir portas para outros, promovendo a gastronomia açoriana e o conceito de Private Chef de uma forma que faça sentido para os tempos atuais.
Como vê o futuro da gastronomia nos Açores? Existe algum aspeto em particular que gostaria de desenvolver ou explorar mais?
O futuro da gastronomia nos Açores é, sem dúvida, muito promissor. Com o crescente interesse em produtos locais e autênticos, vejo que a região tem o potencial de se destacar ainda mais no cenário internacional. A nossa rica biodiversidade e as tradições culinárias que carregam tanta história são os pilares sobre os quais podemos construir um futuro gastronómico inovador.
Um aspeto que gostaria de desenvolver mais é a promoção e valorização dos ingredientes locais, que ainda têm um grande potencial a explorar. Gostaria de continuar a criar pratos que celebrem esses produtos de forma inovadora, sem perder a essência do sabor tradicional.
Os Açores, com a sua natureza única e paisagens deslumbrantes, são o cenário perfeito para criar experiências de gastronomia que vão além do simples ato de comer — transformando-o em momentos inesquecíveis que envolvem todos os sentidos.
Que conselhos daria a jovens aspirantes a chefes de cozinha que estão a começar agora?
Nunca subestimem o valor da experiência. A cozinha é um lugar onde a prática e a aprendizagem constante são fundamentais. Trabalhar em diferentes ambientes, aprender com outros profissionais e estarem dispostos a começar do zero é essencial para o crescimento.
Além disso, é importante desenvolver uma paixão genuína pela gastronomia e pelos ingredientes que se utilizam. Conhecer os produtos locais, e entender como cada um pode transformar um prato, é um diferencial significativo. A cozinha não é só técnica, é também respeito pelos ingredientes e pelas histórias que eles carregam.
Mantenham a humildade e a curiosidade. A cozinha está sempre a evoluir, e os melhores chefes são aqueles que estão sempre dispostos a aprender, a experimentar e a se desafiar.
Finalmente, para quem deseja seguir um caminho mais empresarial, é fundamental entender que ser chefe é também ser gestor. A capacidade de equilibrar a criatividade com a gestão de negócio é crucial para o sucesso a longo prazo.
Nunca percam o foco e nunca se esqueçam das vossas raízes e de voltar às bases (aos básicos) da cozinha!
Se pudesse deixar uma marca no mundo da gastronomia, como gostaria de ser lembrada?
Gostaria de ser lembrada como alguém que trouxe uma nova visão à região; como alguém que ofereceu uma experiência memorável (e para a vida) aos seus clientes.
Para mim, a verdadeira marca está em conseguir emocionar e conetar as pessoas através da comida, criando memórias que vão além da refeição em si.
Além disso, gostaria que o meu trabalho contribuísse para mostrar que não há limites para quando queremos muito e que se queremos ser diferentes, temos que pensar diferente. (conselho que me foi passado e que gostaria de passar também para alguém).
Personalidade e Vida Pessoal
lado a lado
Quando não está na cozinha, como gosta de passar o seu tempo?
Quando não estou na cozinha, gosto de estar a pensar em voltar para a cozinha (risos)!
Brincadeiras à parte, gosto de aproveitar o tempo para recarregar as energias e explorar outras facetas da vida. Uma das coisas que mais me preenche é estar em contato com a natureza, desfrutar da tranquilidade que as nossas ilhas oferecem.
Além disso, gosto de estar com os meus animais de companhia, com a minha família e amigos, partilhar momentos simples, como uma boa conversa.
Outro momento que me dá gosto é o de estudar e aprender mais, seja sobre novas tendências na gastronomia ou sobre a cultura açoriana, porque sei que o conhecimento contínuo é essencial para o crescimento profissional e pessoal.
Qual é a receita caseira ou comfort food favorita que ama fazer para si e para a família?
Pratos de massa; assados; uma boa sopa, ou uma feijoada! Pratos simples, mas cheios de conforto, que me façam sentir em casa, independentemente de onde esteja.
Pratos que me tragam memórias de momentos em família, onde todos se reúnem à volta da mesa e partilham histórias enquanto saboreiam uma refeição feita com carinho.
Por mais que eu trabalhe com ingredientes sofisticados e crie pratos inovadores, nada se compara aos “pratos de tacho”, que é sempre um verdadeiro abraço para a alma.
Sónia, existe algum sonho que ainda queira realizar na sua vida profissional?
Sim, continuo com a visão de expandir o conceito de “Private Chef” e levar a minha gastronomia a mais pessoas, não só a nível nacional, mas também internacional. Mas esse sonho já está a começar a ganhar asas. Teremos novidades para breve,
Além disso, tenho o desejo de abrir um espaço próprio, onde possa não só criar, mas também partilhar a minha paixão pela cozinha com mais pessoas de uma forma íntima e acolhedora. Um local que não seja um restaurante, mas sim um verdadeiro centro de experiências gastronómicas, onde se possa aprender, degustar e celebrar a nossa gastronomia de uma forma única.
Por fim, quero continuar a inspirar jovens chefes a explorar a riqueza da gastronomia açoriana e a abraçarem o mundo da cozinha com coragem e criatividade, tal como eu fiz.
Para finalizar, qual seria o prato perfeito para representar quem é?
Seria uma criação que misturasse tradição com inovação. Um prato que combinasse ingredientes típicos da região e com um toque moderno. Este prato teria uma fusão de sabores autênticos e frescos, mas apresentado de forma criativa e inesperada, refletindo a minha abordagem à cozinha.
Teria de ser um prato que já tivesse sido pensado, mas que ainda não tivesse sido criado. Para representar na íntegra o meu projeto: Algo que já nasceu, mas que ainda está a ser melhorado e aperfeiçoado. Para mim, a comida é uma extensão de quem sou: uma mistura de respeito pelas raízes e coragem para criar algo e especial.