Nesta entrevista, temos a honra de dialogar com Tatiana Serrão, sócia da FBL Advogados, uma das mais prestigiadas sociedades de advogados em Angola. Com uma carreira que se estende por mais de 15 anos na advocacia, Tatiana traz uma perspetiva única sobre os desafios e conquistas de ser uma mulher líder no setor jurídico angolano. A sua trajetória ilustra o papel vital das mulheres na transformação do setor jurídico, impulsionando mudanças significativas no cenário económico e legal do país. Prepare-se para uma conversa inspiradora sobre liderança, inovação e o futuro do mercado jurídico angolano.
Como define o seu trajeto na FBL Advogados e como chegou à posição de Sócia e Co-coordenadora da Área de Societário e Investimento Privado?
Gostava de comentar um pouco este ponto por razões de contexto: eu entrei na FBL ADVOGADOS por acaso. Na altura, eu estava no Ministério do Comércio como Consultora Jurídica da Ministra e surgiu a oportunidade de me juntar à FBL. Acedi ao convite que me foi feito e fui acolhida pelo projeto FBL, onde estou há cerca de 15 anos. Comecei em 2011, como advogada intermédia e fui seguindo o meu percurso, até me tornar sócia em 2017.
Quais foram os principais desafios ao longo da sua carreira e como a sua experiência em um setor predominantemente masculino influenciou a sua forma de liderar?
Nesta minha caminhada tive, sem dúvida, muitos desafios. Mas marcou-me o facto de alguns clientes, sobretudo estrageiros, me terem perguntado se as mulheres em Angola podem ser advogadas. Para esses clientes, ser advogado é só para homens. Nestas circunstâncias, a melhor forma de liderar é sempre demonstrando a nossa competência e o nosso valor.
Em sua opinião, como a presença feminina tem transformado o mercado jurídico angolano e quais as principais barreiras que ainda precisam ser superadas?
Felizmente, há uma forte presença feminina no mercado angolano. Temos grandes referências da advocacia que é feita no feminino. Felizmente, algumas dessas referências são (ou foram) docentes universitárias e serviram de inspiração para muitas nós, ainda na faculdade. Penso que, a partir do momento que as mulheres angolanas passaram a ter acesso à educação e ao ensino universitário, foi possível termos uma forte presença feminina na advocacia e nas restantes profissões jurídicas, como é o caso da magistratura (não só dos tribunais comuns, mas também especiais). Acho que a nossa principal barreira ainda consiste na necessidade de termos de provar o nosso real valor.
De que maneira a sua atuação na área de Societário e Investimento Privado tem contribuído para o fortalecimento das relações comerciais entre Angola e o resto do mundo?
A área do societário e do investimento privado é das áreas mais vincadas na FBL. Fazemos bastante advocacia de negócios e temos experiência no tratamento das questões relacionadas a estas áreas que vão além da advocacia. Isto acontece na medida em que um investidor quando pretende investir em Angola, regra geral, não conhece o país e passa por um processo de familiarização dos nossos procedimentos, da nossa forma de estar e, obviamente, da legislação vigente. Os investidores não querem apenas aconselhamento jurídico, mas também tentam perceber como é a dinâmica das nossas instituições, os constrangimentos que nos são familiares, as expetativas que precisam de gerir, e por aí fora. Assim sendo, penso que temos conseguido não só demonstrar que sabemos trabalhar (e bem), mas também tentamos passar um pouco daquilo que é o país. Como tal, e desta forma, acredito que temos conseguido estreitar relações entre Angola e o resto do mundo.
Como é que a sua experiência no Governo e em entidades como o Tribunal Constitucional de Angola e o Ministério do Comércio contribui para a sua prática como advogada e líder na FBL Advogados?
Tive experiências muito enriquecedoras quer no Ministério do Comércio, quer no Tribunal Constitucional. No Ministério do Comércio, onde estive mais tempo, tive a oportunidade de trabalhar na preparação de legislação regulatória da atividade comercial. E alguma legislação em questão ainda vigora. É um grande orgulho para mim poder saber que de algum modo dei o meu contributo para essa legislação. Portanto, esta experiência, deu-me a possibilidade de tomar decisões e de trabalhar sabendo o que significa estar em cada uma das posições: a de cumpridor/aplicador da Lei e a de regulador/proponente de legislação.
Qual é o impacto das suas ações na criação de um ambiente mais inclusivo e inovador para os profissionais do direito em Angola?
Começando pela inclusão, ao nível da FBL Advogados recrutamos estagiários e advogados das mais diversas universidades, permitindo assim incluir profissionais de diversas proveniências. Isto permite-nos igualmente ter uma grande diversidade de influência jurídica, o que é bastante saudável.
Quanto à inovação, por força das parcerias que temos com escritórios estrangeiros, não só em Portugal e em outros países europeus, mas também em África, temos procurado melhorar a nossa atividade. Estas melhorias vão desde o marketing, a nossa presença em redes sociais, e sistemas internos de trabalho. Pessoalmente, tenho procurado também fazer parte de Associações de Advogados Internacionais, participar nos diversos fóruns que organizam e colher o máximo de experiência. Algumas desses Associações têm vários comités, dos quais destaco o comité de gestão das sociedades de advogados, onde se discutem temas interessantíssimos como, por exemplo, a saúde mental e a inteligência artificial. Um grande desafio que ainda existe ao nível da advocacia angolana é o facto de a nossa fluência em inglês não estar num nível tão avançado. Acaba por ser uma limitação porque a participação em fóruns internacionais é uma forma de partilharmos experiências e, com isso, adotarmos medidas que nos permitem inovar.
De que maneira a liderança feminina pode impulsionar mudanças significativas no setor jurídico e económico de Angola, especialmente no que diz respeito à atração de investimentos e à modernização do sistema jurídico?
Penso que a liderança feminina em Angola está em alta. Há uma grande franja de mulheres no setor da advocacia (e não só) com reconhecida competência e capacidade. Ao nível do investimento privado e do societário, temos referências que seguimos e acredito que podemos ser um grande impulsionar de mudanças com os nossos contributos, dando voz às nossas ideias e materializando melhor as nossas ações. A título de exemplo, temos já algumas juristas/advogadas com obras de referência ao nível do direito societário.
Temos também alguns registos de bibliografia relativa ao investimento privado. Portanto, continuar é preciso.