A Ordem dos Contabilistas e Auditores de Moçambique (OCAM) tem desempenhado um papel essencial na capacitação de profissionais, na promoção de boas práticas de governança corporativa e na colaboração com diversas instituições para garantir que a contabilidade seja vista como uma ferramenta estratégica para o crescimento sustentável das empresas. Nesta entrevista à Pontos de Vista, o Prof. Mário Sitoe, Bastonário da OCAM, aborda os desafios e oportunidades das PME em Portugal e Moçambique, o papel da contabilidade no desenvolvimento sustentável e como a digitalização e a inovação tecnológica estão a transformar o setor.Como avalia o atual estado das Pequenas e Médias Empresas (PME) em Portugal e Moçambique, especialmente no que toca à sustentabilidade e equilíbrio financeiro?
Em Portugal, como na maioria dos países no Mundo, as PME representam a espinha dorsal da economia, contribuindo significativamente para o PIB, o emprego e promoção da inovação. No entanto, muitas enfrentam desafios como o acesso a financiamento, a pressão competitiva e a necessidade de adaptação às exigências de sustentabilidade. A transição para práticas mais sustentáveis ainda é lenta, embora haja um crescente reconhecimento da sua importância.
Em Moçambique, as Micro, Pequenas e Médias Empresas (MPME) são vitais para o desenvolvimento económico, mas enfrentam obstáculos como o elevado nível de informalidade, a falta de acesso a crédito e a fragilidade das infraestruturas. A sustentabilidade ainda não é uma prioridade para muitas empresas, mas há um potencial significativo para o crescimento através da adoção de práticas mais responsáveis. Em ambos os países, o equilíbrio financeiro é um desafio, especialmente após a pandemia e no contexto de incertezas económicas globais.
Qual tem sido o papel da Ordem dos Contabilistas e Auditores de Moçambique (OCAM) no apoio às PME na gestão contabilística e estratégica?
A OCAM tem promovido a formação e capacitação dos profissionais de contabilidade, auditoria, estudantes, gestores e público em geral, garantindo que estes estejam aptos a apoiar as PME na gestão financeira, estratégica, administrativa, isto é, direito comercial, fiscalidades e outras vertentes que afetam o funcionamento das empresas tais como tecnologias de informação, automação dos processos, inteligência artificial, entre outros.
a OCAM tem também incentivado as boas práticas de governação corporativa que ajuda à melhoria da transparência e a credibilidade das PME perante potenciais investidores, instituições financeiras e demais stakeholders. Além disso, a OCAM tem trabalhado junto com a Confederação Moçambicana das Associações Económicas (CTA), o Instituto para Promoção de Pequenas e Médias Empresas (IPEME), a Associação Moçambicana de Pequenas Médias Empresas (APME), a Associação Moçambicana de Bancos (AMB), a Bolsa de Valores de Moçambique (BVM) e Organizações da Sociedade Civil sobre a importância da contabilidade como ferramenta estratégica para a sustentabilidade e crescimento.
De que forma a contabilidade pode contribuir para um futuro mais sustentável e equilibrado das PME?
A contabilidade pode fornecer dados precisos e relatórios que ajudam as empresas a monitorizar o seu desempenho ambiental, social e económico, alinhando-se com os princípios ESG. Através da contabilidade de custos, as PME podem identificar oportunidades para reduzir desperdícios e melhorar a eficiência dos recursos. A contabilidade também permite a elaboração de relatórios de sustentabilidade, que são essenciais para atrair investidores e melhorar a reputação da empresa.
Que práticas contabilísticas sustentáveis devem ser adotadas pelas empresas para garantir uma gestão mais eficiente e responsável?
Sim, adoção de normas internacionais como as IFRS (International Financial Reporting Standards) e as ISSB (International Sustainability Standards Board); implementação de sistemas de contabilidade ambiental para monitorizar o impacto ecológico das operações; uso de ferramentas de análise de dados para prever tendências e tomar decisões mais informadas.
Como a transparência contabilística pode impactar a perceção dos investidores e stakeholders sobre a sustentabilidade das PME?
A transparência aumenta a confiança dos investidores, mostrando que a empresa está comprometida com boas práticas de gestão e sustentabilidade. Relatórios claros e detalhados sobre o desempenho ESG podem atrair investidores socialmente responsáveis e melhorar o acesso a financiamento.
Quais são os principais desafios que as PME enfrentarão em 2025 no contexto económico, regulatório e ambiental?
A nível Económico em Moçambique, impacto negativo das manifestações pós-eleitorais, a redução da atracão dos investimentos estrangeiros diretos, assim como nacionais, devido a incerteza sobre a estabilidade política e as consequências da destruição de infraestruturas. A nível Regulatório, o aumento das exigências em matéria de combate a lavagem de dinheiro, branqueamento de capitais e financiamento ao terrorismo.
Como pode a contabilidade ajudar os CEO’s a tomarem decisões mais informadas e alinhadas com os princípios ESG?
Fornecendo dados precisos sobre o desempenha da empresa.
Identificando áreas de risco e oportunidade relacionadas com a sustentabilidade.
Apoiando a elaboração de estratégias de longo prazo que integrem objetivos financeiros e sustentáveis.
Existem oportunidades emergentes no setor contabilístico que podem ser aproveitadas para melhorar a competitividade das PME?
A digitalização e automação de processos contabilísticos podem reduzir custos e aumentar a eficiência. A consultoria em sustentabilidade e ESG é uma área em crescimento que pode diferenciar as PME no mercado. A formação contínua em novas tecnologias e normas internacionais pode melhorar a qualidade dos serviços prestados.
Quais são as principais iniciativas da Ordem dos Contabilistas e Auditores de Moçambique para apoiar os profissionais da contabilidade e auditoria na transição para um modelo mais sustentável e inovador?
A OCAM dispõe de uma academia de capacitação para os membros e sociedade em geral, onde são ministrados cursos online, presencial e híbrido. A Academia dispõe de uma rede nacional e internacional de parceiros na área de formação e troca de conhecimento tais como a OROC, IBRACON, FIPECAFI, OCC, Deserv, entre outros. Neste sentido, tem promovido cursos e workshops sobre contabilidade, auditoria, ética, gestão estratégica, fiscalidade, direito comercial, inteligência artificial, segurança de dados, tecnologias digitais e sobre relatório sustentável e normas internacionais de relato financeiro, auditoria, contabilidade do setor público, entre outros.
Como a digitalização e a inovação tecnológica estão a impactar a contabilidade e a assessoria financeira das PME?
Está a impactar de diversas formas tais como: a automação de processos rotineiros liberta tempo para os contabilistas se focarem em atividades de maior valor acrescentado, como a análise estratégica, ferramentas de análise de dados permitem prever tendências e identificar riscos com maior precisão, e a digitalização também facilita o cumprimento de obrigações fiscais e regulatórias.
De que maneira a cooperação internacional entre ordens profissionais pode contribuir para a evolução e fortalecimento da contabilidade em Moçambique?
A troca de experiências e boas práticas com ordens de outros países que têm acelerado o processo de adoção de normas internacionais (IFRS, IPSAS, Ética, entre outras); as parcerias têm facilitado o acesso a formação avançada e recursos tecnológicos. A cooperação internacional também tem contribuído para melhorar a credibilidade dos profissionais de contabilidade e auditoria da OCAM no cenário global. A OCAM dispõe de diversos acordos de reciprocidade e mobilidade de profissionais entre ordens.
Que mensagem gostaria de deixar aos CEO’s das PME sobre a importância da contabilidade e auditoria na sustentabilidade e crescimento empresarial?
A contabilidade não é apenas uma obrigação legal, mas uma ferramenta estratégica para o crescimento sustentável. Invistam na qualificação dos profissionais das empresas e em tecnologias que permitam uma gestão financeira transparente e responsável.
Como vê o futuro da contabilidade em Portugal, Moçambique e no contexto global nos próximos anos?
A contabilidade continuará a evoluir, com um foco crescente na sustentabilidade e na digitalização. Em Portugal e Moçambique, a cooperação e troca de experiências na adoção de normas internacionais e a formação contínua são pilares essenciais para manter a competitividade. Recentemente foi eleito o Conselho Federal de Contabilidade (CFC) e a presidência da União dos Contabilistas e Auditores de Língua Portuguesa, que é organismo de cooperação estratégico dos países da CPLP.
Invistam em formação contínua, especialmente em áreas como a sustentabilidade, tecnologia e normas internacionais; desenvolvam competências analíticas e de comunicação, que são essenciais para agregar valor às empresas; e, finalmente, estejam abertos à inovação e à mudança, pois a contabilidade está em constante evolução.