“A OCC foi e continua a ser o referencial de apoio técnico aos contabilistas”

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No cenário dinâmico e desafiante da economia atual, a contabilidade assume um papel crucial na sustentabilidade e crescimento das Pequenas e Médias Empresas (PME). Em entrevista à Revista Pontos de Vista, Paula Franco, Bastonária da Ordem dos Contabilistas Certificados (OCC), partilha a sua visão sobre as prioridades estratégicas para 2025 e discute como os CEO’s podem alinhar as suas estratégias para garantir a resiliência e competitividade das empresas num mercado cada vez mais regulado e sustentável. Saiba mais!Como avalia o atual estado das Pequenas e Médias Empresas (PME) em Portugal, especialmente no que toca à sustentabilidade e equilíbrio financeiro?

A sustentabilidade e equilíbrio financeiro continuam a ser o maior desafio das PME. Portugal continua a não promover a acumulação de capital e as empresas, em geral, continuam com ciclos de tesouraria muito instáveis fruto da conjuntura económica instável e de uma cultura de falta de compromisso com o cumprimento dos prazos de pagamento.

 

Qual tem sido o papel da OCC no apoio às PME na gestão contabilística e estratégica?

A OCC foi e continua a ser o referencial de apoio técnico aos contabilistas. Capacitando contabilistas, estes ficam mais aptos a atuar como parceiros de negócio dos seus clientes. Mas o papel da OCC não se substitui ao dos contabilistas, que são profissionais que podem estender a sua área de atuação dada a enorme polivalência de conhecimentos e aptidões técnicas.

O que se tem feito é tentar reduzir os elevados custos de contexto, que continuam a pesar muito e a influenciar o custo do cumprimento, e promover o debate e atuação em áreas de evolução técnica que sejam, sobretudo, praticáveis e úteis para a comunidade empresarial.

 

De que forma a contabilidade pode contribuir para um futuro mais sustentável e equilibrado das PME?

A contabilidade oferece fiabilidade, rigor e detalhe da informação. A sustentabilidade faz parte da agenda dos contabilistas há vários anos, e temos tentado provar aos stakeholders que são profissionais incontornáveis na preparação do relato de sustentabilidade. Não em exclusividade, mas sem os excluir. O contabilista tem de, necessariamente, fazer parte dos preparadores que garantem a fiabilidade do relato de sustentabilidade, porque conhece, melhor do que ninguém, o negócio e o impacto da atuação das empresas no seu ambiente de negócios e na comunidade.

 

Que práticas contabilísticas sustentáveis devem ser adotadas pelas empresas para garantir uma gestão mais eficiente e responsável?

A prática mais sustentável que podemos antever é a do relato fiável e de qualidade, com propósito. E o propósito não pode ser o de antepor o relato ao seu conteúdo. Focar nos indicadores mais relevantes e detalhar o seu impacto.

Corremos o risco de as exigências regulatórias se tornarem mais relevantes do que a própria sustentabilidade.

 

Quais são os principais desafios que as PME enfrentarão em 2025 no contexto económico, regulatório e ambiental?

A instabilidade geopolítica e económica, a procura de novos equilíbrios no comércio internacional, e, em face deste cenário, a fragilidade na efetiva implementação das normas de sustentabilidade. Do ponto de vista ambiental, o principal desafio é saber se o relato é mais importante que o próprio desafio climático, que se adensa.

 

Como pode a contabilidade ajudar os CEO’s a tomarem decisões mais informadas e alinhadas com os princípios ESG (Environmental, Social, Governance)?

A contabilidade não decide nem comanda as decisões dos CEO’s, quando muito pode apoiar na identificação da relevância das decisões no relato. Mas também integrar a matéria como parte da chave de leitura do relato. Nessa perspetiva, o paradigma científico da contabilidade conhece uma revolução, pois a utilidade do relato passa a ser perspetivada para além da mera perspetiva económica e financeira. Na contabilidade, chamamos a esta visão a leitura de dentro para fora.

 

Quais são as principais iniciativas da OCC para apoiar os profissionais da contabilidade na transição para um modelo mais sustentável e inovador?

Formação e orientação para a sensibilização. Voltamos à leitura de dentro para fora, em tornar útil o relato não financeiro em geral e o relato de sustentabilidade em particular.

 

Como a digitalização e a inovação tecnológica estão a impactar a contabilidade e a assessoria financeira das PME?

É uma revolução em curso, que ainda não atingiu a sua plena maturidade. Temos desafios demasiado exigentes que ainda não permitem otimizar todo o potencial da digitalização, nomeadamente as mudanças constantes de legislação, de entendimentos das autoridades, dos tribunais, das mudanças impostas pela União Europeia, pela OCDE e por tantas outras instituições. Não há estabilidade legislativa, os Estados procuram renovadas fontes de captação de receita, novas normas de relato contabilístico para dar resposta a uma maior exigência dos utentes da informação financeira. E a tecnologia e a digitalização já fazem muitíssimo, mas a intervenção humana continua a ser demasiado exigente num mundo com escassez de talento.

 

Que mensagem gostaria de deixar aos CEO’s das PME sobre a importância da contabilidade na sustentabilidade e crescimento empresarial?

Confiem nos contabilistas. Eles são o vosso porto seguro e a garantia de independência e, portanto, da fiabilidade do relato.

 

Como vê o futuro da contabilidade em Portugal e a sua evolução nos próximos anos?

A profissão vai estar dominada pela escassez de recursos humanos. Este é o grande desafio.

Como já se disse, a digitalização e a inovação tecnológica são muito importantes para fazer face ao problema humano, mas também são incapazes de gerir a complexidade dos fenómenos legais e regulatórios.

 

A inteligência artificial também não será a resposta mais convincente, pois a sua eficácia depende de uma curadoria muito bem trabalhada da informação que alimenta as máquinas. E se as regras estiverem sempre em mudança, como esperar que a inteligência artificial consiga fazer a sua parte?

Os modelos contabilísticos e tributários evoluem de forma recorrente e instável numa economia global fragmentada, dominada por rivalidades de blocos em concorrência.

Os modelos de tributação estão em reconfiguração, com muitas dificuldades em impor acordos globais, mas, ao mesmo tempo, com ambições demasiado grandes, como o controlo em tempo quase real das transações, maior transparência dos modelos de negócio e da receita que alocam a cada território, maior eficácia na cobrança de impostos, evoluções normativas na contabilidade a apelar a profundo conhecimento dos negócios. E os modelos estão sempre em mudança, pelo que a digitalização e a tecnologia não conseguirão resolver a escassez de mão de obra ainda que sejam muito úteis. Este paradoxo, de que já se fala há alguns anos, apenas se tem adensado.

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Revista Pontos de Vista Edição 138

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