Nos últimos anos, a Inteligência Artificial (IA) tem desempenhado um papel cada vez mais relevante no mundo corporativo e não só. O seu impacto vai para além da automação de processos e da eficiência operacional, e tem-se discutido de que forma a IA pode ser utilizada numa perspectiva de aumento do bem-estar, nomeadamente em contexto organizacional.
Algumas das vantagens apontadas na utilização desta tecnologia em prol do bem-estar organizacional têm sido a Monitorização e Prevenção do Burnout, a Personalização de Benefícios, a Melhoria no Equilíbrio entre a Vida Pessoal e Profissional, a Inclusão e Diversidade e o Feedback Contínuo e Desenvolvimento Profissional.
Confesso que ainda não tive a experiência de me cruzar com uma organização que tenha colocado a IA ao serviço de algumas destas áreas mas seria com muito entusiasmo que assistiria a essa aplicação e desenvolvimento.
A IA pode analisar padrões de comportamento dos colaboradores, identificando sinais precoces de exaustão e stress. Ferramentas de análise de sentimentos em e-mails, chats e mensagens internas podem informar e ajudar os líderes com os primeiros sinais de alerta para que as necessárias medidas interventivas e preventivas possam ser tomadas, e de forma personalizada, evitando que o problema se desenvolva e agrave.
Adicionalmente, estes sistemas podem recomendar programas de bem-estar personalizados, como sugestões de actividades físicas, terapia online ou meditação, com base nos perfis individuais dos colaboradores e na análise de sentimentos recolhidas nas comunicações. Em escala, isto pode permitir à organização (como um todo) adoptar programas com condições preferenciais para os seus colaboradores e estimulá-los à participação activa.
Chatbots e assistentes virtuais automatizam tarefas repetitivas, permitindo que os colaboradores se concentrem em atividades mais estratégicas ou que requeiram skills como a criatividade, que a tecnologia não consegue substituir, podendo por isso ser conducentes a níveis mais elevados de bem-estar.
As ferramentas de IA podem ainda ser um contributo importante na tarefa de recrutamento e seleção de talentos, nomeadamente naquelas que são as fontes de recrutamento, reduzindo vieses inconscientes nos processos de recrutamento e promoção, garantindo maior diversidade e equidade nas organizações.
Por fim, outra das grandes vantagens apontadas pela introdução de sistemas baseados em IA é a possibilidade de fornecerem feedback constante e construtivo, ajudando no crescimento, desenvolvimento e motivação dos colaboradores. Se aplicadas em termos de conteúdos formativos e/ou no desenvolvimento de competências e carreiras, podem tornar-se em plataformas de aprendizagem adaptativas, que ajustam o conteúdo de acordo com o progresso, necessidades individuais e objectivos definidos.
Contudo, há um outro lado da moeda, não tão recheado de promessas de maior bem-estar organizacional. Na verdade, tenho muitas reticências em afirmar, como muitos fazem, de que este advento passe a ser o eldorado para a redução da carga de trabalho e de um maior worklife balance. Muitos lembrar-se-ão que essa era também a promessa quando a internet começou a ficar disponível massivamente – seria potencialmente uma ameaça para o trabalho, mas facilitaria as nossas vidas e não teríamos de trabalhar tanto. Foi talvez a mentira mais bem vendida do Sec. XX que se agravou com o fenómeno da globalização. O mercado de trabalho de facto alterou-se: houve trabalhos que desapareceram e ficaram obsoletos e muitos outros que foram criados por causa da tecnologia e da internet. Mas não fomos poupados e não passámos a trabalhar menos – na verdade produzimos hoje muito mais do que se produzia em 1960 ou 1970, mas continuamos a trabalhar o mesmo número de horas ou mais. De facto, pessoalmente encontro um paralelismo enorme entre o surgimento da internet para as massas e este fenómeno da IA, corroborada pelos resultados apresentados no Future of Jobs Report 2025 do World Economic Forum1, apresentado em Davos no mês passado: estima-se um saldo positivo entre a destruição e criação de trabalho nos próximos 5 anos, a necessidade de reskilling, com Portugal a ocupar um dos lugares cimeiros da tabela de países que mais será impactado por essa necessidade, a par da mudança das skills mais necessárias, com a criatividade e a “resiliência, flexibilidade e agilidade” a ocuparem os lugares 4º e 5º mais importantes, apenas antecedidas por competências tecnológicas.
Pode haver também um lado negro da utilização da tecnologia que, por falta de regulação, deixa os colaboradores e os utilizadores em geral dependentes apenas da ética das organizações e de quem as lidera. O uso de IA para monitorar produtividade dos colaboradores pode gerar preocupações éticas e de invasão de privacidade, criando um ambiente big-brother de vigilância excessiva, resultando inevitavelmente em ansiedade entre os colaboradores, diminuição na colaboração e potencialmente do engagement e, naturalmente, um aumento da toxicidade do ambiente organizacional.
A dependência excessiva de algoritmos pode reduzir a interação humana e a empatia nas organizações, afetando negativamente a cultura corporativa e a conexão entre as equipas. Adicionalmente, os algoritmos podem eventualmente reproduzir preconceitos existentes (género, raça, credo, e outros) nos dados, resultando em decisões discriminatórias na gestão dos colaboradores, promoções e avaliações de desempenho.
Muitos profissionais temem que a IA substitua os seus empregos, gerando insegurança e stresse. Como vimos acima, para algumas actividades esse é um cenário plausivel e até expectável, especialmente se ao advento da IA adicionarmos a robotização. A transição para um ambiente mais automatizado requer uma comunicação clara e a adopção de estratégias para a requalificação dos colaboradores, que passarão pelas organizações mas também pelo Estado.
Finalmente, o excesso de dados gerado por sistemas de IA pode tornar-se um problema para a tomada de decisão que terá de seleccionar qual a informação sob a qual se deve focar ou deve priorizar, sob pena de não conseguir agir no timing certo.
Neste contexto é preciso clareza para avançar e garantir uma integração saudável da IA e aproveitar os benefícios dessa tecnologia em prol do aumento do bem-estar organizacional. Desta forma, parece-me que alguns do valores prementes a considerar são:
1) A transparência e ética no uso da IA: as organizações devem garantir que os colaboradores sabem como as suas informações estão a ser utilizadas e estabelecer diretrizes éticas para o uso da IA no local de trabalho, no fundo um passo mais profundo e detalhado do já existente RGPD.
2) A promoção de uma cultura organizacional centrada no ser humano deve ser uma prioridade, garantindo que a implementação de IA serve para melhorar as condições de trabalho, e não apenas a eficiência empresarial. Por outro lado, e por mais entusiasmante que esta tecnologia seja, a utilização da IA deve complementar e não substituir a interação humana. É fundamental que os líderes e os gestores estejam envolvidos nas decisões e na gestão do bem-estar dos seus colaboradores.
3) Os programas de formação devem considerar a preparação dos colaboradores para trabalhar com a IA, garantindo que a tecnologia potencializa as suas habilidades e competências, para que dela possam tirar o melhor partido para a realização das suas tarefas.
4) Finalmente, as organizações devem recolher a opinião dos seus colaboradores regularmente, nomeadamente sobre como a IA impacta o bem-estar dos trabalhadores, de forma a poderem ajustar as suas estratégias conforme necessário.
A Inteligência Artificial tem o potencial de transformar positivamente o ambiente de trabalho, promovendo um maior bem-estar organizacional. No entanto, há riscos que é preciso conhecer e gerir. É essencial equilibrar a tecnologia e humanização para evitar desafios éticos e impactos negativos. O futuro do trabalho deve ser moldado por soluções que beneficiem tanto as empresas quanto os colaboradores, garantindo um ambiente mais saudável, inclusivo e produtivo para todos, onde os colaboradores se sintam seguros e onde possam verdadeiramente florescer e realizar o seu potencial.
1 World Economic Forum. (2025). Future of Jobs Report 2025 (Issue January). https://www.weforum.org/reports/the-future-of- jobs-report-2025/
Nota: O artigo foi redigido sem observar o acordo ortográfcio que a autora não subscreve.
A Cátia Arnaut é a Fundadora e Chief Happiness Officer (CHO) da empresa Happyology – The Science of Happiness, uma organização que promove o bem-estar individual e das organizações através de serviços de formação e consultoria. Com um doutoramento na área do bem-estar, a Cátia assina o espaço Happy Hub onde mensalmente traremos temas de Felicidade Organizacional.