A mobilidade elétrica, sendo um dos setores em rápida evolução e de grande impacto ambiental e social, tem vindo a demonstrar como um modelo de gestão sustentável pode ser simultaneamente inovador e humano. Neste contexto, a Revista Pontos de Vista teve o prazer de entrevistar Luís Barroso, CEO da MOBI.E, uma empresa que se destaca pelo seu compromisso em acelerar a transição para uma mobilidade mais verde e eficiente em Portugal. Nesta conversa, exploramos as perspetivas para 2025 e de que forma a liderança baseada no propósito pode impactar o setor da mobilidade elétrica.
Como define o conceito de liderança baseada no propósito?
Ter uma abordagem de liderança que procura alinhar os objetivos da organização com valores fundamentais com os quais a equipa de colaboradores se identifica. Na MOBI.E, procuramos seguir também esta abordagem, uma vez que nos assumimos como o dinamizador e o facilitador do processo de transição para uma mobilidade mais sustentável em Portugal. A nossa sociedade está cada vez mais alerta e consciente para as questões ambientais e a necessidade imperativa de tomarmos ações quotidianas em prol da sustentabilidade, pelo que acabamos por encontrar uma coincidência de valores entre aquilo que é a atividade e os objetivos da empresa e o que são os valores individuais dos nossos colaboradores nesta matéria.
De que forma a MOBI.E incorpora o propósito na sua estratégia empresarial?
A MOBI.E, sendo uma empresa relativamente recente, acabou por desenvolver naturalmente uma cultura de sustentabilidade, atendendo à sua própria atividade. Recorde-se que, desde 2015, o nosso papel foi evoluindo, mas sempre com o propósito de facilitar o desenvolvimento do mercado da mobilidade elétrica em Portugal assente no princípio de garantir a melhor experiência possível ao utilizador de veículo elétrico. Na era da desinformação, somos permanentemente confrontados com falsas ideias e, pior, muitas vezes pela pouca propensão das pessoas para serem devidamente esclarecidas. Desta forma, definimos a visão de nos assumirmos como dinamizadores e facilitadores do processo de transição e afirmação da mobilidade elétrica em Portugal.
Desde o início, envolvemos a nossa equipa de colaboradores na criação da “cultura” MOBI.E. A sua participação ativa foi essencial para criarmos uma identidade própria que resultasse, portanto, das perspetivas de cada um sobre o propósito geral da organização. Para acelerar o processo, procurámos reproduzir um ambiente de trabalho que refletisse também esta postura, as paredes brancas que simbolizam a pureza que devemos atingir, tons de madeira natural que lembram a transparência com que devemos atuar, o azul, a energia elétrica que sustenta a mobilidade que promovemos, e o verde a sustentabilidade do futuro, criando muitos espaços diferentes que os colaboradores podem livremente utilizar, mais privados ou colaborativos, de acordo com as tarefas que desempenham em cada momento, o que permite que os colaboradores “respirem” e “sintam” a organização e o seu objetivo.
Na componente de comunicação externa, criámos um site também nos mesmos tons que transmite informação fidedigna e credível sobre a mobilidade elétrica, o estado da rede MOBI.E em tempo real e mede os seus impactos ambientais em permanência. Os dados agregados de toda a rede em tempo real constituem uma informação única no Mundo, destacando Portugal internacionalmente, como um exemplo vivo de boas práticas no setor e levaram-nos a criar uma marca própria – MOBI.Data – que serve de chapéu e que é extremamente valorizada por todos os nossos stakeholders.
Que impacto espera que uma liderança orientada pelo propósito tenha no setor da mobilidade elétrica em 2025?
A MOBI.E, sendo uma empresa do setor empresarial do Estado, tem também a preocupação de defender o interesse comum, tendo nesta fase um papel muito importante em termos de serviço público que presta aos seus stakeholders. Obviamente que esta matriz só é possível porque conseguimos também desenvolver um modelo económico que permite cobrir os gastos com a atividade sem depender de qualquer cêntimo do Orçamento do Estado. Muito embora se viva um contexto de alguma incerteza, parece-me que a dinâmica criada em Portugal no processo de transição energética da mobilidade é uma realidade indesmentível e cujos resultados nos destacam dos outros Países, como Espanha, Itália, França ou Alemanha. Comparando, por exemplo, com Espanha, no nosso País vende-se uma proporção de veículos eletrificados 3 vezes superior.
Neste momento, em Portugal, por cada 4 veículos vendidos, 1 é totalmente elétrico. A utilização da rede MOBI.E, em janeiro, cresceu mais de 50% relativamente ao período homólogo do ano anterior. Isto é o propósito da MOBI.E com a ação imprescindível dos seus colaboradores a acontecer. Portugal tem hoje um sistema de mobilidade elétrica que funciona de forma idêntica a um multibanco, que permite que qualquer utilizador de veículos elétricos possa aceder com um único meio de acesso a todos os postos de carregamento da rede MOBI.E e aceder em tempo real à disponibilidade de toda a infraestrutura de carregamento, informação que mais nenhum país, até ao momento, conseguiu disponibilizar e os resultados estão à vista em termos do parque automóvel eletrificado e esperamos que esta tendência de crescimento continue a evoluir não só em 2025 como durante os próximos anos.
Que iniciativas a MOBI.E tem adotado para promover um ambiente de trabalho mais equilibrado e saudável?
O facto da MOBI.E ser uma empresa pequena e relativamente recente permitiu, praticamente, desde o início, construir uma cultura participativa com grande facilidade de adaptação ao evoluir dos acontecimentos. Desde o início, envolvemos a nossa equipa de colaboradores na definição das palavras que consideram que melhor representam o dia-a-dia da empresa assente neste propósito.
Selecionámos 5: “Dinamismo, Futuro, Colaboração, Inovação e Sustentabilidade” e construímos um painel numa das paredes do escritório para manter viva esta relação, pois são os colaboradores que fazem a organização MOBI.E. A pandemia representou um desafio para todas as organizações e para a MOBI.E também, com consequências pós-pandemia a que a organização tem procurado adaptar-se. O principal efeito foi o trabalho remoto que, para a MOBI.E veio a revelar-se uma oportunidade, já que neste momento temos 3 colaboradores do Norte a trabalhar remotamente.
Esta é uma realidade só possível pela pandemia. Mas também os colaboradores que residem mais perto do escritório passaram a valorizar o trabalho remoto, pelo que a organização rapidamente teve de se adaptar ao regime misto de trabalho. Mas para que o trabalho remoto se possa desenvolver adequadamente e em segurança, a empresa teve que investir em equipamentos e softwares robustos que permitam proporcionar o melhor ambiente de trabalho possível para que os colaboradores possam desenvolver as suas tarefas da forma mais eficiente onde quer que estejam a realizar as suas funções.
Como vê a relação entre bem-estar organizacional e a retenção de talento?
Acredito que, até certo ponto, a relação entre estes dois fatores é direta. Estando a MOBI.E enquadrada no Setor Empresarial do Estado, encontramos muitas dificuldades em sermos dinâmicos nos mecanismos de incentivos remuneratórios. Procuramos ultrapassar esta barreira investindo muito no bem-estar organizacional e na criação de um ambiente de trabalho que, respeitando as particularidades de cada um, potencie os valores da organização e produza bons resultados, de forma que os colaboradores queiram manter-se na MOBI.E.
Desta forma, para além da criação de um ambiente de trabalho atrativo, procuramos proporcionar outras condições que são valorizadas tanto ou mais pelos colaboradores, como o bom senso nas decisões de gestão, o respeito pelas particularidades de cada colaborador, potenciando a relação casa-trabalho, desenvolvimento de mecanismos de flexibilidade na execução das tarefas e incentivos à participação ativa na evolução da organização. A aposta na formação e ações de team building têm também contribuído decisivamente para atrair e reter talento.
Num setor em rápida evolução como a mobilidade elétrica, como a colaboração entre stakeholders pode acelerar a inovação?
A colaboração é fundamental para que exista partilha de informação e de experiências e para que o crescimento conjunto seja possível e acelerado. Estes pressupostos estão na base do sistema desenvolvido na rede MOBI.E. Até 2020, o nosso mote foi a “Energia que nos Move” que correspondeu basicamente ao período de construção da denominada rede piloto e do mercado de mobilidade elétrica. Com a concessão da rede piloto e o início da fase plena de mercado, evoluímos para uma perspetiva de “Dar vida ao futuro”, as pessoas começavam a sentir que a transição estava a acontecer e que o futuro seria este.
No ano passado, com a dinâmica de crescimento que estamos a conseguir, sentimos que, afinal, o futuro é já o presente e evoluímos para um conceito que representa muito a nossa cultura colaborativa, uma rede de todos (os agentes de mercado) para todos (os utilizadores). É a materialização dos princípios da “Interoperabilidade” de redes dos agentes de mercado que permite a “Universalidade” da utilização por todos os utilizadores, através do acesso em tempo real da informação agregada sobre a disponibilidade de toda a infraestrutura de carregamento.
Estes princípios que Portugal consagrou no seu modelo de mobilidade elétrica em 2010 e que são hoje uma realidade única no mundo foram reproduzidos em 2023 no Regulamento Europeu para Infraestruturas de Combustíveis Alternativos (AFIR) e que os restantes Estados Membros agora procuram conseguir. Só por isto o modelo português continua por si a ser inovador.
O facto de funcionarmos como uma rede permite potenciar a inovação. Permitimos criar um mercado onde start ups, pequenas, médias e grandes empresas podem participar, podendo cada uma apresentar a todos os utilizadores, na mesma plataforma, as ferramentas inovadoras que vão desenvolvendo. Isto fez com que a rede MOBI.E disponibilizasse, desde abril de 2021, carregamentos ad hoc, quando, só desde o ano passado, a União Europeia começou a exigir gradualmente esta funcionalidade aos seus Estados Membros.
Que exemplos de colaborações bem-sucedidas a MOBI.E pode partilhar?
Desde logo, o modelo MOBI.E é um modelo colaborativo, que pressupõe a envolvência dos Operadores dos Pontos de Carregamento (OPC) e dos Comercializadores de Eletricidade para a Mobilidade Elétrica (CEME) numa joint venture em que existe segregação das funções de cada um no ecossistema e todos ganham, em especial, o utilizador final.
Posso dar ainda outro exemplo que permite também Portugal destacar-se dos outros países e que resulta da interação constante com os nossos stakeholders para benefício comum. Uma das principais dificuldades para quem quer instalar um posto de carregamento na via pública é conhecer os pontos de ligação à rede de distribuição de energia. Muitos OPC fizeram-nos chegar esta dificuldade. Através das ações constantes que realizamos com os diferentes distribuidores de redes de energia conseguimos sensibilizar a E-Redes a divulgar no seu site a localização e potência dos pontos de ligação à rede, o que facilita muito os OPC no planeamento dos seus investimentos.
E, recentemente, temos o exemplo do Projeto “Ruas Elétricas”, um piloto que vai levar postos de carregamento para veículos elétricos a zonas residenciais ou comerciais, onde existe escassez de opções de estacionamento em 79 municípios. Este é um exemplo de um projeto colaborativo em que, com o apoio do Fundo Ambiental, a MOBI.E conseguiu estabelecer parcerias com municípios, servindo também de ponte entre municípios e OPCs, aproximando-os e facilitando futuras colaborações, e, assim, apostar em soluções úteis para as pessoas.
Como espera que as parcerias estratégicas evoluam nos próximos anos para impulsionar a transição energética?
É fundamental que evoluam em prol da densificação e dispersão da infraestrutura de carregamento, para que possa chegar a todos. E claro, espero que a evolução se sinta também ao nível das tecnologias, sustentabilidade e potência das infraestruturas de carregamento. Como costumo dizer aos nossos stakeholders, coloquem-nos o desafio e cá estaremos para procurar ajudar.
Qual considera ser o maior desafio de um líder em equilibrar a inovação tecnológica com a dimensão humana da liderança?
Entendo que a liderança é a arte extrema de aplicar o bom senso. Este é um desafio que exige muito bom senso e equilíbrio nas decisões.
Para mim, o foco principal deve manter-se nas pessoas enquanto se adotam novas tecnologias. Não existe uma fórmula mágica, pois cada indivíduo reage à sua maneira e, muitas vezes, as novas tecnologias têm ritmos de adoção lentos. Sabemos que, naturalmente, existe uma resistência humana à introdução de novas Tecnologias, pelo que é essencial que os colaboradores percebam a razão, integrar a evolução tecnológica na cultura da empresa, dar formação aos colaboradores para que possam tirar o melhor proveito possível da inovação e promover a sua participação no processo. Estes são aspetos fundamentais para garantir os melhores resultados.
Como garantir que a revolução digital e a automação não afastem os valores humanos da gestão?
As organizações existem para facilitar a vida das pessoas, pelo que acredito que a revolução digital e automação apenas são úteis enquanto se mostrarem benéficas para a sociedade. A partir do momento em que os prejuízos superarem os benefícios, a humanidade deixará de promover digitalização e automação. Ou seja, considero que a revolução digital e a automação existem porque potenciam os valores humanos e que a liderança as promove para beneficiar a organização, os seus colaboradores e os seus stakeholders.
Por isso, a sua introdução deve ser convenientemente comunicada, ser apoiada em ações de formação e de alguma forma servir para melhorar a comunicação dentro da organização e a cultura organizacional. Só assim continuaremos a preservar os valores humanos das organizações e a beneficiar com a introdução da tecnologia.
Que grandes tendências poderão moldar o futuro da mobilidade elétrica em Portugal e na Europa?
O contexto geopolítico internacional está em mudança, pelo que é natural que os mercados vivam numa conjuntura de incerteza que poderá afetar o ritmo de evolução da mobilidade elétrica. Em termos tecnológicos, vamos continuar a assistir à evolução da autonomia e rapidez de carregamento das baterias, à evolução gradual das viaturas para a automação, melhorando a segurança e a experiência de condução. Será natural continuar a haver uma aproximação do custo de aquisição das viaturas elétricas ao custo de aquisição dos veículos a combustão, bem como uma maior proliferação de modelos eletrificados.
Contudo, a recente ameaça por parte de alguns países de introduzirem tarifas aduaneiras poderá ter impactos negativos na evolução esperada da mobilidade elétrica. Quanto a Portugal, espera-se que o ritmo de crescimento do parque automóvel eletrificado continue a acentuar-se e a infraestrutura de carregamento a responder adequadamente a estes crescimentos.
Por parte da MOBI.E, queremos, em conjunto com os nossos parceiros, introduzir mecanismos de flexibilidade da gestão de energia num projeto piloto a desenvolver com a E-Redes, bem como desenvolver um piloto que permita disponibilizar soluções de plug&charge aos utilizadores na rede MOBI.E. Além disso, estamos preparados para ajudar os nossos parceiros no desenvolvimento dos seus negócios, através da plataforma digital gerida pela MOBI.E. Finalmente, esperamos que 2025 seja o ano de arranque da mobilidade elétrica para os veículos pesados de mercadorias.
Como antecipa que a MOBI.E se posicione face à crescente digitalização e sustentabilidade do setor?
O papel da MOBI.E é de atuar como facilitador dos agentes de mercado, de forma que estes possam oferecer a melhor experiência possível ao crescente número de utilizadores de veículos elétricos. Desenvolvemos uma plataforma digital única que permite a integração de qualquer agente de mercado para que este possa desenvolver os seus negócios na mobilidade elétrica permitindo, ao mesmo tempo, disponibilizar em tempo real informação agregada sobre a disponibilidade da rede, aspeto que tem sido fundamental e diferenciador para gerar confiança do utilizador na mobilidade elétrica.
Que mensagem gostaria de deixar para os parceiros, comercializadores e operadores no âmbito dos desafios e oportunidades de 2025 no Setor?
Penso que tem sido uma experiência enriquecedora o ecossistema que temos sabido construir em torno da mobilidade elétrica com a preocupação de garantir a melhor experiência possível ao utilizador.
Para mim, tem sido uma experiência gratificante e motivadora assistir na primeira fila a esta revolução. Conseguir fazer evoluir o mercado de mobilidade elétrica ao ritmo que temos conseguido, apoiado essencialmente, no investimento privado, onde empresas de diferentes dimensões, maturidade, desenvolvimento tecnológico e conhecimento do negócio conseguem oferecer soluções diversificadas aos seus clientes, gerando a confiança necessária para a mudança, tem sido muito gratificante, pelo que só tenho de agradecer a todos por esta oportunidade. Quanto aos desafios, todos sabemos que vivemos momentos de alguma incerteza, mas todos sabem que o caminho conjunto que temos efetuado tem trazido sucesso, quando comparado com a generalidade dos outros países. Eles, mais do que ninguém, sabem o risco dos seus investimentos, uma vez que estamos ainda muito no início do processo de transição para a mobilidade elétrica.