A transição energética é um dos desafios mais urgentes do nosso tempo, e o hidrogénio verde surge como uma solução promissora para descarbonizar a economia e impulsionar a sustentabilidade. Em Portugal, o Instituto Tecnológico do Gás desempenha um papel fundamental nesse processo, garantindo a certificação e inspeção de equipamentos para hidrogénio e biocombustíveis, contribuindo para um futuro energético mais seguro e eficiente. Nesta edição da Revista Pontos de Vista, João Ferreira, Diretor Geral do Instituto Tecnológico do Gás, partilha a sua visão sobre as oportunidades e desafios do hidrogénio verde no país.
Como avaliam o papel do hidrogénio verde na matriz energética nacional e na estratégia de descarbonização de Portugal?
O hidrogénio verde contribui decisivamente para a estratégia de descarbonização de Portugal, assumindo-se como um vetor energético essencial para setores onde a eletrificação direta é complexa ou inviável, como por exemplo os setores industriais energeticamente intensivos, os transportes marítimos e transportes rodoviários de longa distância. A sua integração na matriz energética nacional representa uma oportunidade única para modernizar o sistema energético, promovendo a interligação de diferentes fontes de energia, otimizando a gestão da rede elétrica e garantindo um aproveitamento mais eficiente da produção renovável.
Ao possibilitar o armazenamento de energia em períodos de baixa procura e a sua posterior utilização quando necessário, o hidrogénio verde reforça significativamente a segurança e a resiliência do abastecimento energético do país, ao reduzir a dependência de combustíveis fósseis importados. Assim, Portugal pode alcançar uma maior autonomia energética, diminuindo os riscos geopolíticos e a exposição a flutuações de preços no mercado internacional, simultaneamente contribuindo para o cumprimento das metas climáticas e ambientais nacionais e europeias.
Quais são as principais vantagens competitivas do país para se tornar um hub de produção e exportação de hidrogénio verde?
Neste domínio, o país dispõe de um elevado potencial para a geração de energia renovável, beneficiando de condições naturais excecionais para a produção de eletricidade a partir de fontes solares e eólicas. A complementaridade entre estas fontes permite uma produção energética mais estável e previsível, fator essencial para garantir a viabilidade económica da produção de hidrogénio verde a um custo competitivo.
Além disso, a localização geográfica estratégica de Portugal, nomeadamente o seu amplo acesso à bacia atlântica, confere-lhe um acesso privilegiado aos mercados europeus e internacionais, facilitando a exportação de hidrogénio para países com uma procura crescente por esta fonte de energia sustentável. A proximidade com grandes economias europeias, aliada à existência de uma infraestrutura portuária com elevado potencial, reforça a capacidade do país para se tornar um ponto central na exportação de hidrogénio verde.
Como o Instituto Tecnológico do Gás se posiciona neste ecossistema?
O Instituto Tecnológico do Gás (ITG) é uma associação sem fins lucrativos, que desde a sua fundação em 1976, tem desempenhado um papel ativo e relevante no mercado dos gases combustíveis, razão pela qual detém o estatuto de utilidade pública. Historicamente tem respondido às necessidades e solicitações do setor, e em particular dos seus associados, colaborando com várias entidades públicas nacionais e estrangeiras, contribuindo para a inovação e o desenvolvimento do setor energético, nomeadamente no que respeita ao hidrogénio, dada a crescente importância dessa fonte de energia no contexto atual e futuro da sustentabilidade energética.
No sentido de continuar a adaptar-se ao mercado, o ITG criou em 2021 o ITGE – ITG Engenharia, empresa especializada em engenharia e na prestação de serviços técnicos complementares. A criação desta subsidiária reflete a estratégia do ITG de reforçar a sua equipa com profissionais altamente qualificados, permitindo expandir e complementar a sua oferta de serviços no sector energético.
Desta forma, o ITG posiciona-se, de forma estratégica, como um ator de referência no emergente ecossistema energético. A sua missão é clara: promover o conhecimento, a inovação e a segurança das soluções tecnológicas, contribuindo para a transição energética. A sua atuação abrange uma ampla gama de áreas, incluindo o apoio à indústria, quer a nível do licenciamento quer a nível técnico, a formação de profissionais e o desenvolvimento de boas práticas, garantindo que os processos e tecnologias implementados cumpram os mais elevados standards de segurança e eficiência.
Adicionalmente, o ITG é o representante nacional nas comissões técnicas de normalização do CEN e da ISO no domínio do hidrogénio, gerindo comissões técnicas nacionais que fazem o interface com comissões estrangeiras, importando e exportando know-how que fica plasmado nas normas técnicas que regem a indústria.
De que forma o Instituto Tecnológico do Gás apoia empresas e indústrias no desenvolvimento de soluções para o hidrogénio verde?
Entre os principais serviços oferecidos, destacam-se a certificação de equipamentos e a realização de inspeções técnicas, fundamentais para garantir que os sistemas e as infraestruturas desenvolvidas atendam aos mais elevados padrões de segurança, fiabilidade e eficiência. O ITG assegura que as soluções adotadas pelas empresas estejam em conformidade com as normas técnicas e regulamentações específicas para o setor, contribuindo para a confiança no uso do hidrogénio como fonte de energia.
Além disso, oferece formação profissional especializada, direcionada a profissionais e técnicos que necessitam de adquirir conhecimentos aprofundados sobre as tecnologias e as melhores práticas no setor do hidrogénio.
A consultoria especializada também é um dos grandes diferenciais oferecidos pelo ITG. As empresas podem contar com uma equipa experiente que as apoia em todas as fases do processo, desde a conceção ao licenciamento, até à execução de projetos relacionados com o hidrogénio verde. Este suporte inclui a definição de estratégias para o desenvolvimento de infraestruturas eficientes e seguras, bem como a avaliação de viabilidade técnica e económica dos projetos.
Assim, o ITG assume-se como parceiro estratégico para as empresas e indústrias que desejam desenvolver soluções inovadoras para o hidrogénio verde, oferecendo um conjunto de serviços que abrange toda a cadeia de valor deste setor, sempre com foco na segurança, sustentabilidade e eficiência.
Como garantem a certificação, inspeção e segurança dos equipamentos usados na produção, armazenamento e distribuição de hidrogénio?
O ITG detém uma ampla gama de acreditações que atestam a sua competência na certificação, inspeção e segurança dos equipamentos utilizados em todas as fases da cadeia de valor do hidrogénio — desde a sua produção até ao armazenamento e distribuição.
O ITG, sendo um Organismo Notificado no âmbito dos equipamentos sob pressão e Organismo de Certificação de Produtos, trabalha com os fabricantes de equipamentos no âmbito do hidrogénio assegurando que o fabrico destes equipamentos cumpre os mais elevados critérios de segurança e, consequentemente, são certificados por normas internacionais, permitindo a sua colocação no mercado nacional e europeu através da marcação CE.
Antes da sua entrada em funcionamento, estes equipamentos são inspecionados no seu local de instalação para garantir que estão reunidas todas as condições para operarem em segurança, sendo certificados pelo ITG como Organismo de Inspeção.
Este conjunto de acreditações posiciona o ITG como um dos principais atores em termos de confiabilidade e competência no mercado nacional e europeu.
Além disso, como Organismo de Normalização Sectorial, o ITG desempenha um papel ativo na elaboração e atualização de normas técnicas que regulam as tecnologias do hidrogénio, estando, portanto, permanentemente atualizado no que respeita às últimas práticas comprovadas neste domínio, que importa para as suas ações de formação neste âmbito como Entidade Formadora acreditada.
Há parcerias estratégicas com empresas, startups ou universidades para fomentar a inovação no setor?
Sim, o Instituto Tecnológico do Gás (ITG) mantém diversas parcerias estratégicas a nível nacional e europeu com empresas, startups e universidades, com o objetivo de fomentar a inovação e promover a investigação aplicada no setor do hidrogénio. Estas colaborações são fundamentais para acelerar o desenvolvimento de novas tecnologias e soluções sustentáveis, que são essenciais para o avanço do hidrogénio como uma fonte de energia limpa e eficiente.
Estamos, atualmente, numa fase de mudança significativa, em que o setor do hidrogénio enfrenta muitas incertezas relacionadas com a adoção e implementação em larga escala das tecnologias necessárias para o seu desenvolvimento. Neste contexto, a colaboração e a aposta em parcerias estratégicas são mais importantes do que nunca. Ao unir esforços com diferentes atores da indústria, o ITG está a construir uma rede de conhecimento e recursos que favorece a experimentação de novas soluções, o desenvolvimento de novas tecnologias e a integração de soluções inovadoras que podem fazer toda a diferença na transição energética para um futuro mais sustentável.
Que tipos de serviços e soluções oferecem para garantir a conformidade técnica e regulatória de equipamentos para hidrogénio e biocombustíveis?
Conforme anteriormente referido, entre os principais serviços oferecidos, destacam-se a inspeção e certificação de equipamentos e instalações para hidrogénio, garantindo que os sistemas utilizados no armazenamento, transporte e distribuição de hidrogénio cumpram com as normas de segurança e qualidade. Este processo de certificação é essencial para garantir que os equipamentos sejam operados com fiabilidade, minimizando riscos e maximizando o desempenho.
O ITG também realiza uma análise de conformidade técnica, verificando se os projetos e equipamentos relacionados com o hidrogénio e os biocombustíveis estão alinhados com as normas e regulamentações em vigor, tanto a nível nacional quanto internacional. Este serviço oferece às empresas a garantia de que os seus projetos não só são tecnicamente viáveis, mas também estão em conformidade com as exigências legais, o que é essencial para garantir a segurança e a eficiência operacional.
Além disso, o ITG oferece auditorias de segurança, com o objetivo de avaliar os sistemas e processos utilizados na produção, armazenamento e distribuição de hidrogénio e biocombustíveis, identificando possíveis riscos e implementando soluções para mitigar qualquer tipo de perigo. Estas auditorias ajudam as empresas a manter um ambiente de trabalho seguro e a garantir que os processos operacionais estejam em conformidade com as melhores práticas do setor.
Por fim, o ITG também disponibiliza consultoria especializada para a implementação de projetos de biocombustíveis e gases renováveis, oferecendo apoio estratégico e técnico na conceção, desenvolvimento e execução desses projetos. A consultoria abrange todas as fases do ciclo de vida do projeto, desde a conceção até à implementação e monitorização, ajudando as empresas a otimizar os seus processos e a garantir a sustentabilidade e a eficiência energética das suas operações.
Estes serviços são fundamentais para assegurar que as soluções tecnológicas implementadas não só atendem aos padrões de segurança e eficiência, mas também cumprem com as exigências regulatórias nacionais e internacionais.
Como a digitalização e novas tecnologias (como sensores inteligentes e análise de dados) estão a ser incorporadas nos processos de certificação e inspeção?
Recentemente o ITG integrou um consórcio europeu liderado pelo Politécnico de Turim, composto por 18 participantes oriundos de 10 países europeus que agrega Universidades, administração pública, associações e empresas. Este consórcio, denominado STRONG –Sustainable Technologies for Resilient Operations of Next Generation hydrogen infrastructures, pretende desenvolver um projeto de inovação a nível europeu dedicado à utilização de sensores inteligentes para deteção antecipada de fugas em infraestruturas de hidrogénio bem como desenvolver ferramentas digitais que previnam ou mitiguem ataques cibernéticos a estas infraestruturas, tornando-as mais resilientes. Pretende ainda desenvolver técnicas de inspeção remotas através de drones de alta tecnologia que poderão simultaneamente operar como mecanismos de dissuasão contra ataques de outros drones.
Este consórcio é demonstrativo da relevância do hidrogénio no mercado europeu e como é encarado como um vetor estratégico para a União Europeia na prossecução dos seus ambiciosos objetivos de descarbonização, sendo demonstrativo de como as novas tecnologias poderão ser integradas na gestão e segurança de infraestruturas críticas de hidrogénio.
Estão a desenvolver ou apoiar projetos-piloto que testem a viabilidade de tecnologias emergentes para o hidrogénio?
Sim, o ITG tem em curso um projeto interno que visa testar a adequabilidade das atuais infraestruturas domésticas de gás natural a um blend de gás natural com hidrogénio. Basicamente pretendemos avaliar se as existentes tubagens nos edifícios, que podem ser de chumbo, cobre ou aço, podem, de forma segura, ser utilizadas sem qualquer tipo de alteração para conduzir a mistura GN/H2 que será no futuro injetada na rede de transporte e nas redes de distribuição de gás natural.
Este projeto pretende complementar a jusante outros projetos já em curso, quer na rede de transporte, quer nas redes de distribuição de gás natural, fechando o ciclo entre o transporte e a utilização.
Quais são os principais desafios que as empresas enfrentam para adotar o hidrogénio verde em Portugal?
As empresas em Portugal enfrentam uma série de desafios significativos para a adoção do hidrogénio verde, que envolvem tanto questões técnicas quanto económicas e estruturais, bem como regulamentares. Um dos principais obstáculos é o elevado custo inicial de investimento necessário para implementar tecnologias de hidrogénio, que frequentemente envolvem infraestrutura de ponta e sistemas complexos. Este elevado custo, aliado a um retorno sobre o investimento ainda incerto em algumas áreas, podem ser fatores dissuasores para muitas empresas, especialmente para as de menor dimensão ou com menos capacidade financeira.
Outro desafio crucial é a necessidade de desenvolvimento de infraestrutura adequada, como estações de abastecimento, sistemas de armazenamento e redes de transporte de hidrogénio. A construção e adaptação destas infraestruturas exigem investimentos consideráveis, bem como um planeamento estratégico para garantir a sua compatibilidade com as infraestruturas energéticas existentes.
Além disso, a adaptação das redes energéticas para o transporte e armazenamento eficientes do hidrogénio implica desafios técnicos consideráveis, uma vez que as infraestruturas atuais nem sempre estão preparadas para lidar com o hidrogénio, que exige requisitos específicos de segurança e operação.
Outro fator que dificulta a implementação do hidrogénio verde é a falta de conhecimento técnico especializado. A escassez de profissionais qualificados e a necessidade de formação avançada no domínio do hidrogénio e das tecnologias associadas tornam o processo de transição mais complexo. A adoção de soluções inovadoras requer uma atualização contínua de competências e um esforço conjunto entre empresas, universidades e centros de investigação para suprir essa lacuna de conhecimento.
Por último, a incerteza regulatória também pode ser um obstáculo importante, já que as políticas públicas e os incentivos governamentais ainda estão em fase de consolidação. A falta de uma regulamentação clara e estável para o hidrogénio verde pode gerar insegurança jurídica e financeira, dificultando a tomada de decisões por parte das empresas.
Existe um quadro regulatório sólido para impulsionar este setor ou há lacunas a serem preenchidas?
Não. Há uma estratégia Nacional para o Hidrogénio que necessita ser posta em prática. A União Europeia tem avançado consideravelmente na definição de um quadro regulatório para apoiar o hidrogénio verde que visa acelerar a transição energética e a descarbonização dos setores industriais. No entanto, a implementação prática e a eficácia desses regulamentos exigem mais clareza e uniformidade.
Como o Instituto pode contribuir para o desenvolvimento de normativas e boas práticas que garantam a segurança e eficiência da cadeia do hidrogénio?
O Instituto, ao colaborar de forma contínua com diversas entidades e parceiros, nacionais e internacionais, assegura que as normas sejam atualizadas de forma a refletir as inovações tecnológicas no campo do hidrogénio, enquanto mantém um foco firme na segurança e eficiência.
Quais são os planos do Instituto Tecnológico do Gás e do ITGE para os próximos anos no setor do hidrogénio?
Temos planos ambiciosos que incluem a expansão da consultoria técnica, oferecendo suporte especializado para a implementação de projetos de hidrogénio, desde a fase de conceção até a operação. Isso abrange áreas como o desenvolvimento de infraestruturas de hidrogénio, o armazenamento e a distribuição, além de oferecer formação e capacitação técnica às empresas que desejam adotar essas tecnologias.
Por fim, o ITG também está focado na expansão da sua presença internacional, ajudando a desenvolver soluções de hidrogénio em mercados emergentes.
Como podem acelerar a transição energética e fomentar um ambiente favorável ao investimento e inovação?
Uma das principais formas de acelerar a transição é através da capacitação técnica. O ITG investe constantemente em programas de formação e qualificação. Este foco na educação e no desenvolvimento de competências também contribui para aumentar a confiança nas soluções de hidrogénio e outras energias renováveis, preparando as equipas para implementar e gerir infraestruturas de forma eficiente e segura.
Além disso, o ITG oferece suporte técnico especializado na implementação de projetos inovadores, ajudando empresas e outras entidades a transformar ideias em soluções práticas e viáveis. Este suporte inclui desde a fase de planeamento e conceção de novos projetos até a execução e monitorização das operações, sempre com o objetivo de garantir a eficiência e a segurança das tecnologias implementadas. Ao apoiar o desenvolvimento destes projetos, o ITG contribui diretamente para o crescimento sustentável do setor, ao mesmo tempo que impulsiona a adoção de novas tecnologias que favorecem a descarbonização e a eficiência energética.
Como veem o papel do Instituto na criação de um mercado sustentável e competitivo para o hidrogénio verde em Portugal?
Através de uma atuação estratégica e técnica, o ITG pretende contribuir para a implementação de infraestruturas e tecnologias que são não apenas seguras e eficientes, mas também alinhadas com as metas ambientais nacionais e europeias, colaborando com as entidades públicas e empresas para este fim.
O ITG pode ainda ter um papel estratégico na definição de políticas públicas e na implementação de iniciativas regulatórias, assegurando que as normas nacionais e europeias para o hidrogénio sejam adequadas e propícias à sua expansão e desenvolvimento. A nossa experiência técnica e a nosso posicionamento como uma referência em certificação e inspeção, tornam o ITG uma peça-chave na construção de um mercado competitivo e sustentável para o hidrogénio verde em Portugal.
Em resumo, estamos empenhados em contribuir decisivamente para a criação de um mercado de hidrogénio verde em Portugal que seja sustentável, competitivo e alinhado com as metas ambientais do país e da União Europeia, garantindo a segurança, a eficiência e a inovação em todas as etapas da cadeia de valor do hidrogénio.