O setor da saúde enfrenta desafios constantes, exigindo inovação, adaptação e uma gestão eficiente para garantir serviços de qualidade à população. No âmbito do Dia Mundial da Saúde, a Revista Pontos de Vista entrevistou Sara Mendonça, Health Manager, Manager and Consultant of Imaging Clinics na área da Saúde. Com uma trajetória marcada pela dedicação à gestão na saúde, Sara partilha a sua experiência, desafios e perspetivas sobre a evolução do setor.
Como surgiu a sua vocação para a área da saúde e quais foram os principais marcos da sua trajetória até aqui?
O meu gosto pela gestão, pela saúde e bem-estar foram-se cruzando, influenciada pelo ambiente familiar, fazendo parte da minha vida. O meu pai, gestor na área da saúde, sempre foi um exemplo de liderança, responsabilidade, visão, determinação e resiliência. Também seguiu a mesma área o meu irmão, o que reforçou essa vontade de integrar a gestão de saúde.
As minhas formações ajudaram e contribuíram para poder através da organização, planeamento, liderança, inovação, espírito de equipa, criando um impacto positivo numa organização e pessoas envolventes.
Um dos principais marcos que foi relevante no meu crescimento foi a aprendizagem de várias tarefas complementares que me ajudaram a perceber passo a passo o funcionamento das organizações, permitindo perceber e tomar decisões necessárias para uma melhoria contínua.
Enquanto Health Manager na Área da Saúde, quais são os principais desafios que enfrenta no seu dia a dia?
A Área da saúde é um desafio diário, muitas vezes tomar decisões rápidas, assertivas perante imprevistos, manter equipas motivadas, equilibrar desafios financeiros e operacionais, torna a gestão na área da saúde desafiadora, deixando-nos sempre em avaliação.
A gestão de pessoas é um desafio impactante. Lidar com diferentes perfis de pessoas, tentando sempre garantir o comprometimento, responsabilidade, espírito de equipa num ambiente harmonioso e produtivo, requer alguns anos de experiência. Confesso que parece que nunca nos sentimos preparados.
Outro grande desafio é a adaptação constante às mudanças, sejam tecnológicas, legais ou organizacionais. Este setor da saúde está em permanência evolução e em constante supervisão dos utentes que hoje em dia acabam por ter muito mais acesso à informação. São os nossos principais críticos mas também os que nos ajudam a evoluir e a crescer para conseguirmos dar os melhores serviços.
O que a motiva no seu papel como Operations Team Leader na área empresarial da saúde?
O nosso objetivo é criar boas equipas, mantendo a disciplina, motivação e a responsabilidade em cada trabalho executado. Uma boa equipa cria uma boa “casa”, e assim, conseguimos garantir aos nossos utentes uma resposta rápida, humanista e cuidada.
Gerir equipas requer uma boa comunicação, formação e muitas vezes uma liderança mais assertiva. Conhecer bem cada trabalhador, tanto a nível de competências como a nível pessoal, melhora a estratégia de gestão e o seu posicionamento na equipa.
Gosto de dar formação, de partilhar e de dar o exemplo ao executar as tarefas. Na minha opinião, quanto mais se ensinar e mais se partilhar, mais a equipa fica preparada, formada e independente, sabendo resolver os problemas de primeira linha.
Considera que o setor da saúde está a acompanhar as exigências e necessidades da sociedade moderna? Quais são os principais desafios atuais?
O setor da saúde apesar de enfrentar sempre desafios, tem demonstrado avanços positivos e os cuidados de saúde cada vez estão mais acessíveis aos utentes, quer através do SNS, quer através do leque de seguradoras e planos de saúde existentes no mercado.
Por sua vez, os utentes têm mais facilidade e acessibilidade a toda a informação disponível, tanto pelas redes sociais como pela internet, entre outros meios, o que faz com que tenhamos um utente cada vez mais informado e participativo.
A tecnologia tem desempenhado um papel crucial na evolução dos cuidados de saúde. Como vê o impacto da inovação na sua área de atuação?
A inovação é essencial para alcançarmos melhorias positivas tanto a nível clínico como a nível ambiental.
Deixamos de usar películas em radiologia para realizar exames digitais, o que facilita não só a partilha dos resultados como a análise pelo médico. As próprias prescrições de exames complementares de diagnóstico (MCDT) passaram a ser desmaterializadas, ou seja em formato eletrónico, facilitando ao utente a sua execução, poupando tempo aos utentes e aos prestadores de cuidados de saúde e evitando o uso excessivo de papel.
O SPMS prepara a partilha de resultados até ao médico de família (MGF), o que ajudará o médico de família a aceder rapidamente aos exames prescritos e a eliminar a preocupação dos utentes em levar os resultados.
Outro exemplo é a aplicação (App) do SNS, que tem sido bastante útil para os prestadores de serviços, especialmente quando o utente não tem os códigos das prescrições eletrónicas, além de contribuir para o seu histórico clínico.
A tecnologia continuará a desempenhar um papel crucial com os primeiros passos da inteligência artificial, sempre acompanhada de humanização.
O que falta para que os serviços de saúde sejam mais eficientes e acessíveis?
Além de toda a evolução tecnológica e formação contínua, é também preciso dar mais apoios aos prestadores de cuidados de saúde, tanto na revisão de acordos, como no que diz respeito aos procedimentos burocráticos em constante mudança, que já por si são exigentes.
No interior do País, há muitas pessoas idosas com baixo nível de escolaridade, que se deslocam em camionetas ou táxis para realizar exames pelo Serviço Nacional de Saúde (SNS), pois não têm possibilidade de ter um seguro de saúde ou um plano de saúde. Os prestadores de cuidados de saúde querem continuar a trabalhar focados nos utentes, dando respostas rápidas na marcação de exames, deslocando mais médicos radiologistas para o interior do País, conscientes da grande oferta existente nas grandes cidades, e oferecendo as condições necessárias para um diagnóstico e tratamento de qualidade.
No entanto, estes prestadores de cuidados de saúde acabam muitas vezes por passar despercebidos, apesar de continuarem a confiar e a dar resposta a um SNS que não revê acordos e não incentiva médicos, nomeadamente radiologistas, a deslocarem-se ou a fixarem-se no interior do nosso país.
Certamente, estes pontos contribuem para uma maior acessibilidade e eficiência no setor da saúde.
O Dia Mundial da Saúde deste ano reforça a importância da promoção do bem-estar. De que forma a prevenção e o diagnóstico precoce podem transformar a realidade da saúde?
O bem-estar está presente em hábitos saudáveis, como uma alimentação equilibrada, a prática de exercício físico e o bem-estar psicológico. Para uma saúde mais cuidada, são importantes as boas práticas e devemos todos ser preventivos, realizando exames regulares e check-ups, como também devemos, nós mulheres, praticar o autoexame na apalpação da mama.
A prevenção e o diagnóstico precoce fazem toda a diferença na qualidade de vida de uma pessoa, assim como, em muitos casos no tempo de vida, conseguindo atempadamente soluções e tratamentos não invasivos.
A imagiologia médica é essencial na deteção precoce de diversas patologias. O que tem sido feito para melhorar a acessibilidade e eficácia destes serviços?
Tem havido um investimento em equipamentos mais modernos e com dispositivos mais digitais, que permitem uma maior precisão, bem como uma resposta mais rápida.
A área da imagiologia tem evoluído, permitindo oferecer mais respostas aos utentes. Falamos, por exemplo, da radiologia e neurorradiologia de intervenção em que a tecnologia inovadora permite obter uma maior precisão com menos invasão e desconforto para o utente.
A imagiologia, como o nome sugere, aposta na imagem e no diagnóstico proveniente desta.
Qual a importância da multidisciplinaridade no setor da saúde e como se reflete no seu trabalho?
No meu ponto de vista, só faz sentido trabalhar em equipa, direcionados para os mesmos objetivos, dando respostas e servindo bem os que nos procuram (utentes). Uma boa empresa é construída por uma boa equipa e as boas equipas são formadas por pessoas.
A multidisciplinaridade é fundamental para garantir complementaridade e harmonia em cada profissão. Juntos, formamos uma instituição, composta por: médicos, enfermeiros, auxiliares de saúde, administrativos, advogados, contabilistas, gestores, técnicos de informática, pessoal de limpeza, etc. Cada uma dessas funções complementa o local onde o utente escolhe tratar da sua saúde. Assim, a qualidade do serviço prestado e a eficiência transmitem ao utente uma experiência de confiança.
Quais são as principais competências que um gestor na área da saúde deve possuir atualmente?
Atualmente, um gestor na área da saúde deve ter capacidade de liderança, visão estratégica, espírito de inovação, boa comunicação, motivação, uma boa dose de resiliência, empatia, humanização, gestão de stress, agilidade de decisão e capacidade de ouvir e observar.
Um gestor nesta área da saúde deve ter conhecimentos teóricos, adquiridos através de formação adequada mas, acima de tudo, deve ter conhecimentos práticos, pois cresce e evolui com a experiência.
Nem sempre a função de gestor é fácil, uma vez que exige planear, organizar, dirigir e controlar o bom funcionamento de tarefas e/ou equipas.
O gestor também tem um papel desafiador quando tem de direcionar o trabalhador para uma tarefa que foi decidida após análise. A confiança no gestor e na gestão pode não ser sempre compreendida, mas é essencial confiar e permitir que o gestor faça o seu trabalho.
Como vê o futuro da gestão de saúde em Portugal? Há mudanças urgentes que precisam de ser feitas? Portugal tem um sistema de saúde acessível a todos os cidadãos, sem qualquer custo. Há algo melhor?
Para continuarmos a garantir as melhores condições à população, são necessárias algumas mudanças. É essencial a revisão de acordos, como, por exemplo, os preços das tabelas dos exames MCDT que devem acompanhar a realidade e as exigências atuais. Também é necessário incentivar os médicos e convencê-los a colaborarem com os vários centros de imagiologia do País.
Precisamos de investir mais em tecnologia, apoiar melhor as pessoas, fazer um planeamento estratégico para fortalecer e aperfeiçoar o SNS. Além disso, é preciso melhorar as burocracias exigidas, que muitas vezes não melhoram, mas sim prejudicam o bom funcionamento.
Que conselhos daria a quem deseja seguir uma carreira na área da gestão em saúde?
Trata-se de uma área desafiante, onde todos os dias surgem problemas para resolver, mas quando a interajuda está presente e trabalhamos em prol da saúde e do bem-estar do outro (utente), tudo se torna mais gratificante.
Ao construirmos uma boa estrutura na equipa, baseada nos mesmos valores e orientada pela missão que todos partilhamos nesta área, isso torna-se possível.
É essencial investir em formação contínua e estar disposta a aprender todos os dias. Neste momento encontro-me a frequentar um Mestrado de Gestão e Economia de Serviços de Saúde, na Faculdade de Economia do Porto, que tem proporcionado muitas ferramentas e competências aplicáveis ao meu dia a dia.
Qual é a sua mensagem para os profissionais de saúde e para a sociedade neste Dia Mundial da Saúde?
O nosso bem-estar, a nossa saúde física e mental é um bem precioso que requer atenção, cuidado e carinho.
Podemos todos ajudar a cuidar de nós e a cuidar dos outros. Somos todos humanos, com altos e baixos, e a empatia, humildade e respeito pelo trabalho do outro são essenciais.
Os profissionais de saúde merecem reconhecimento pela resiliência e desempenho que demostram todos os dias. Que, apesar do cansaço e das dificuldades do dia a dia que não percam a empatia e o lado humano para com os utentes.
Que não se critique tanto, que se faça mais e melhor por este País e que este País faça mais por todos nós.