Portugal tem enfrentado um desafio persistente: a saída de talento jovem para mercados mais competitivos. O fenómeno da emigração qualificada, impulsionado por factores como baixos salários, políticas fiscais desajustadas e percepções de falta de oportunidades – a dificuldade de sonhar, mesmo que comedidamente, com uma vida confortável em que as pessoas sintam que podem florescer e constituir familia e um futuro – ameaça o crescimento sustentável do país. Para reverter esta tendência, é necessário adoptar medidas que tornem Portugal mais atractivo para os profissionais nacionais e (porque não?) internacionais. Isso passa por três grandes eixos: a valorização salarial, uma política fiscal adaptada à nova realidade laboral, e a criação de um ambiente que promova o bem-estar e a qualidade de vida.
O tema da saída de cérebros do país é um tema sobre o qual me é impossivel falar de um ponto de vista teórico ou conceptual. Eu fui uma dos muitos jovens que, sem perspectivas de futuro, saiu do país para fazer carreira e dinheiro para viver, em vez de ganhar um salário apenas para sobreviver.
Nessa altura, em 2012, no arranque das grandes ondas de emigração dos “jovens”, os pioneiros foram apelidados de traidores, que não fazíamos falta ao país e que talvez, bom, bom seria irmos vender pastéis de nata para onde quer que fôssemos. Quem proferiu estas afirmações não esteve nos aeroportos, nas despedidas em lágrimas, nem na dificuldade de se tomarem decisões de deixar tudo para trás. Foi contudo necessária uma década para esses responsáveis perceberem que a “geração rasca”, ou melhor dizendo “à rasca”, era a mais qualificada até então, e que a sua saída beliscava o país, representava uma perda de investimento nacional, muito provavelmente irrecuperável, e acelerava o envelhecimento da sociedade.
Partilho com o leitor as motivações que me levaram a sair do país que, não sendo iguais a todos os jovens que emigram, certamente terão pelo menos a questão financeira como ponto comum. Tinha acabado de gerir com sucesso um grande projecto em Portugal, que chegou a ser o maior do mundo na sua área na altura. Até aqui tudo parece cor-de-rosa não fossem os meus 34 anos e a vontade de continuar a crescer profissionalmente num país que não tinha dimensão para que isso fosse possivel na minha área, sendo que crescer hierarquicamente, com aquela idade e sendo mulher era uma coisa que não iria acontecer nem sequer a médio prazo. Com uma filha de 3 anos exclusivamente a meu cargo, pagava as contas todas ao dia 27 de cada mês, forrava o frigorifico para o mês, e percebia que não podia ter um espirro durante o mês, uma avaria no carro, uma surpresa de saúde que o seguro não cobrisse, ou outro imprevisto qualquer, porque ficaria imediatamente no vermelho, em dívida. Quem é que quer viver assim, sem perspectivas de futuro, nomeadamente de poder proporcionar uma vida digna à filha, nem digo no longo prazo, digo no imediato, nos 2 anos seguintes, que permita sair de uma situação de risco financeiro, periclitante?
Mais de 10 anos depois, constato que a realidade não só não mudou como se agravou. Um estudo da Associação Académica da Universidade de Coimbra, de 2024, aferiu que “quase 70% dos estudantes (…) pensam em emigrar, mais de metade nos próximos cinco anos”[1] o que pode custar “95 mil milhões de euros ao país”[2] e as motivações não são muito diferentes daquelas que me levaram a mim e à minha geração a sair do país: salário, ofertas de trabalho e progressão na carreira e acesso a habitação.
Estes jovens estão sem perspectivas de futuro. Sentem que o país não lhes dá as condições elementares que lhes permitam realizar a vida que idealizaram, não necessariamente a vida dos super famosos/ricos, mas antes uma vida com algum conforto financeiro mínimo que lhes permita considerarem serem independentes e poderem constituir família.
Segundo a carta dos Direitos Humanos, artigos 23 e 25, que Portugal subscreve, estes são direitos inalienáveis que os jovens não verificam nem perspectivam vir a verificar num prazo razoável. Esta falta de bem estar, este modo de sobrevivência e não de vivência, que assistiram durante toda as suas vidas no dia a dia das suas familias, é o que os jovens rejeitam.
Assim, que estratégias deve o país adoptar para reverter esta situação?
- Aumentar Salários:
O Fator-Chave para a Retenção
O principal motivo para a saída de jovens qualificados é a discrepância salarial face a outros países europeus. Em sectores estratégicos como a tecnologia, engenharia e saúde, os profissionais encontram no estrangeiro ofertas mais vantajosas, dificultando a retenção do talento em Portugal.
É essencial um compromisso do sector privado e do Estado para aumentar os salários de forma sustentável, sem que esse aumento seja canibalizado pela carga fiscal. Isto pode passar por incentivos fiscais para empresas que ofereçam melhores condições, redução da carga fiscal sobre o trabalho e a promoção de mecanismos como o “salário emocional”, que inclui benefícios como horários flexíveis, oportunidades de desenvolvimento profissional e participação nos lucros.
Além disso, a valorização salarial deve ser acompanhada por uma actualização dos contratos colectivos, garantindo estabilidade e perspectivas de progressão que evitem a precariedade laboral, nomeadamente através de mecanismos de flexiblização do mercado de trabalho que permitam às empresas aumentarem e reduzirem o seu headcount com mais facilidade.
- Atração de Investimento:
Directo Estrangeiro e Cérebros Estrangeiros
A atracção de investimento directo estrangeiro (IDE) permite o aumento da oferta de trabalho qualificado, potenciando a retenção de recursos no país. Mas para que Portugal seja um destino que apresente uma elevada competitividade em termos de atracção face a outros é necessário que a carga fiscal seja revista, e que não seja preferencial em relação a empresas estrangeiras, que o nível geral da burocracia seja seriamente reduzido, a dificuldade no acesso e rapidez dos serviços do Estado seja melhorada, e que a justiça seja reformada de forma a dar respostas céleres. Considero, efectivamente, que a lentidão da nossa justiça é possivelmente um dos maiores detractores da fixação de IDE em Portugal. Por outro lado, a atractividade de Portugal a cérebros estrangeiros pode ser melhorada através de campanhas dirigidas, acessibilidade a habitação, nomeadamente descentralizada das grandes cidades, e um regime fiscal competitivo que garanta por um lado a cobertura dos serviços públicos, nomeadamente de saúde, e por outro lado que seja equitativo com os residentes e nómadas digitais portugueses (residentes em Portugal com contratos no estrangeiro).
- Actualização da Política Fiscal
O aumento do trabalho remoto e o aumento do número de nómadas digitais são realidades que Portugal, e em bom rigor o mundo, ainda não regulamentou de forma eficaz. O país tem sido um destino atractivo para estrangeiros que procuram uma elevada qualidade de vida, mas a estrutura fiscal não responde a esta realidade, nem em termos de retenção fiscal em Portugal para o usufruto dos serviços públicos, nem na compensação fiscal do país onde o contrato se encontra sedeado.
Os nómadas digitais beneficiam, por vezes, de regimes fiscais mais vantajosos do que os trabalhadores portugueses, criando desigualdades e incentivando a saída dos nacionais para destinos onde a carga fiscal é mais competitiva, para além dos salários. Para equilibrar esta balança Portugal deve rever o regime fiscal, nomeadamente por comparação com os restantes regimes da Europa e com aqueles dos países principais destinos de emigração Portuguesa, garantindo competitividade, nomeadamente face a contrapartidas do Estado Social (serviços do Estado, transportes públicos, segurança social, saúde e outros) garantindo uma maior justiça entre trabalhadores residentes e estrangeiros.
A simplificação dos impostos sobre o trabalho e a criação de um sistema mais flexível para trabalhadores remotos e freelancers são medidas urgentes para evitar a fuga de talento. Além disso, a redução da tributação sobre stock options e incentivos à inovação podem atrair e reter startups e empresas tecnológicas de elevado valor acrescentado.
- Qualidade de Vida e Bem-Estar:
O Trunfo Português
Portugal destaca-se pela segurança, clima, cultura e acesso a serviços de saúde e educação de qualidade. No entanto, para transformar estes fatores em vantagens competitivas, é necessário melhorar a oferta habitacional, reduzir os custos de vida e investir em infraestruturas que facilitem o equilíbrio entre vida pessoal e profissional.
A crise habitacional, com preços de arrendamento inflaccionados, torna difícil para os jovens estabelecerem-se em grandes cidades como Lisboa e Porto. Adicionalmente, faltam incentivos para a fixação em outras regiões do país, tanto para residentes como para estrangeiros, para estes últimos onde pode haver um grande potencial de crescimento. Políticas de habitação acessível e incentivos para a descentralização do emprego para cidades de média dimensão podem contribuir para uma maior fixação de talento.
Além disso, empresas que promovam práticas de bem-estar corporativo, como horários flexíveis, regimes de trabalho flexiveis (hibridos ou totalmente remotos), apoio à parentalidade, incorporem principios de worklife balance, e disponham de benefícios de saúde mental, terão mais sucesso na retenção de talento. Portugal pode aprender com exemplos internacionais, como o modelo escandinavo de trabalho, ou os modelos seguidos nos países nórdicos que aliam produtividade a qualidade de vida.
Um Novo Modelo de Competitividade
Portugal precisa de uma abordagem holística para atrair e reter talento. O aumento dos salários, uma política fiscal adaptada à nova economia e a aposta no bem-estar dos trabalhadores são os pilares para um modelo de competitividade sustentável.
As empresas e o governo devem actuar em conjunto para criar um ambiente onde os jovens não apenas queiram ficar, mas sintam que têm oportunidades de crescimento e realização pessoal e profissional. Só assim Portugal poderá transformar-se num polo de atracção de talento, reduzindo a fuga de cérebros e garantindo um futuro mais próspero para o país.
A Cátia Arnaut é a Fundadora e Chief Happiness Officer (CHO) da empresa Happyology – The Science of Happiness, uma organização que promove o bem-estar individual e das organizações através de serviços de formação e consultoria. Com um doutoramento na área do bem-estar, a Cátia assina o espaço Happy Hub onde mensalmente falamos de Felicidade Organizacional.
Nota: O artigo foi redigido sem observar o acordo ortográfcio que a autora não subscreve.
[1] Inácio, Alexandra (2024): Maioria dos estudantes da Universidade de Coimbra quer emigrar; In Jornal de Noticias; Disponível em https://www.jn.pt/4418894178/maioria-dos-estudantes-da-universidade-de-coimbra-quer-emigrar/
[2] Correia, André Manuel (2025): Mais de 70% dos estudantes universitários planeiam emigrar; In Semanário Expresso; Disponível em https://expresso.pt/sociedade/2025-02-06-mais-de-70-dos-estudantes-universitarios-planeiam-emigrar-9acd2a1