A Nutrição tem impacto direto na saúde física e mental, sendo um fator determinante na prevenção de doenças crónicas e na melhoria da qualidade de vida. Para abordar este tema crucial, a Revista Pontos de Vista conversou com Liliana Sousa, Bastonária da Ordem dos Nutricionistas, que partilhou a sua visão para o Dia Mundial da Saúde sobre os desafios e oportunidades no setor, a necessidade de políticas alimentares eficazes e o papel da nutrição na construção de uma sociedade mais saudável.
A alimentação tem um papel central na promoção da saúde e na prevenção de doenças crónicas. Que medidas considera essenciais para que a sociedade adote hábitos alimentares mais saudáveis e equilibrados?
A alimentação tem, de facto, um papel absolutamente central na promoção da saúde ao longo da vida e na prevenção de doenças crónicas, como a obesidade, a diabetes mellitus, as doenças cardiovasculares, bem como alguns tipos de cancro. Para que a sociedade adote hábitos alimentares mais saudáveis e equilibrados é essencial agir em várias frentes.
Em primeiro lugar, é fundamental investir na educação alimentar desde a infância, promovendo a literacia alimentar nos estabelecimentos escolares, envolvendo as famílias e os encarregados de educação, em parceria com a comunidade escolar. A escola é o espaço privilegiado para ensinar, desde cedo, a importância de escolhas alimentares conscientes e equilibradas.
Depois, é urgente criar ambientes alimentares saudáveis, garantindo que as opções disponíveis – seja nos refeitórios, cantinas e espaços públicos – incentivem e favoreçam a escolha de alimentos nutricionalmente adequados. Nesse sentido é necessária uma regulação mais eficaz da publicidade alimentar, especialmente a que se dirige às crianças e jovens e, ao mesmo tempo, atenção e alerta à desinformação sobre alimentação.
O nutricionista é o profissional competente e qualificado para a clarificação de mitos associados a dietas restritivas e nutricionalmente desequilibradas, e capacitado para a prescrição de planos alimentares adequados a cada situação particular, com a garantia de resultados efetivos e duradouros, sem colocar em risco a saúde individual e da população.
Neste contexto, é urgente e prioritária a realização de um novo Inquérito Alimentar Nacional de Atividade Física, que nos permita conhecer o consumo alimentar da população portuguesa e respetiva evolução, uma vez que o último inquérito neste âmbito reporta a dados de 2015/2016, ou seja, informação com quase uma década. E só com dados atualizados é possível desenhar políticas públicas, orientar estratégias de promoção da saúde e monitorizar o impacto das medidas implementadas.
Por outro lado, é essencial valorizar e reforçar o papel dos nutricionistas, nos diferentes contextos de atuação, que podem ajudar os indivíduos a adaptar a alimentação às suas necessidades, preferências e condições de vida, promovendo a saúde e prevenindo a doença.
A mudança de comportamentos exige ainda políticas públicas, que facilitem o acesso a alimentos saudáveis e sustentáveis, com especial atenção às populações mais vulneráveis. Promover uma alimentação saudável é, acima de tudo, uma questão de equidade social e de justiça na saúde.
Por fim, é fundamental envolver toda a sociedade, a começar nos decisores políticos, num compromisso coletivo com a saúde através da alimentação. Porque comer bem é muito mais do que uma escolha individual: é uma responsabilidade partilhada.
Estudos indicam uma forte ligação entre nutrição e saúde mental. Como uma alimentação equilibrada pode contribuir para a redução do stress, ansiedade e depressão? Que alimentos ou padrões alimentares considera mais benéficos para o bem-estar mental?
Atualmente, a dieta mediterrânica assume-se como o padrão alimentar mais estudado em todo o mundo e reconhecido como promotor da saúde. A mudança no estilo de vida, incluindo da alimentação, refletem-se nas doenças crónicas mais prevalentes no nosso país, bem como no bem-estar e saúde mental dos indivíduos. Mais do que nunca é importante reforçar a importância desta dieta composta por alimentos frescos, locais e sazonais, como frutas, hortícolas, cereais integrais, peixes, azeite, leguminosas e frutos oleaginosos, garantindo um padrão alimentar rico em nutrientes essenciais que favorecem a função cerebral e o bem-estar psicológico, tais como antioxidantes, ácidos gordos essenciais e compostos anti-inflamatórios. A intervenção do nutricionista é essencial para a promoção e adaptação da dieta mediterrânica às diferentes fases da vida e contextos individuais, garantindo que este padrão alimentar é implementado de forma equilibrada, acessível e sustentável ao longo do tempo, contribuindo para a melhoria da saúde mental e da qualidade de vida da população.
A nutrição desempenha um papel determinante na longevidade e qualidade de vida. Quais são os principais pilares nutricionais para um envelhecimento saudável? Existem hábitos alimentares específicos que podem contribuir para a longevidade?
A Organização Mundial da Saúde declarou a década 2021-2030 como a Década do Envelhecimento Ativo, sublinhando a importância de envolver múltiplos setores da sociedade, de modo a garantir um envelhecimento com qualidade. Este compromisso vai muito além da área da saúde, abrangendo áreas como os cuidados de longa duração, a educação, os transportes, a habitação, a proteção social e, naturalmente, a alimentação e nutrição.
Considerando que o envelhecimento se constrói ao longo de todo o ciclo de vida, é fundamental agir desde cedo, promovendo hábitos alimentares saudáveis e sustentáveis, que permitam maximizar a saúde física e mental ao longo dos anos. Uma alimentação equilibrada é determinante para prevenir a perda de massa muscular, proteger a saúde óssea, preservar a função cognitiva e prevenir doenças crónicas, contribuindo para a manutenção da autonomia e da qualidade de vida à medida que a idade avança.
Nesse sentido, a dieta mediterrânica, conhecida por favorecer a prevenção e gestão de doenças crónicas e pelos seus efeitos antioxidantes e anti-inflamatórios, é o caminho que deve ser seguido para um envelhecimento saudável. Este padrão alimentar promove o consumo de alimentos frescos – grande variedade de frutas e produtos hortícolas – frutos oleaginosos, azeite e peixe, limitando o consumo de carne e de alimentos processados. É por isso reconhecido como um padrão para a prevenção, mas também para o controlo da doença, quando esta já existe.
Por último, importa referir que a Ordem dos Nutricionistas, por solicitação da Senhora Secretária de Estado da Ação Social e da Inclusão, elaborou e remeteu uma proposta de contributos, sobre estratégias e atividades a realizar junto do cidadão, com o objetivo de promover uma longevidade saudável.
A educação alimentar desde a infância é fundamental para criar gerações mais saudáveis. Que iniciativas a Ordem dos Nutricionistas tem promovido ou defende para reforçar a literacia alimentar da população?
Criar hábitos alimentares saudáveis desde cedo é essencial para prevenir doenças crónicas, promover o crescimento adequado e desenvolver o sentido crítico face à informação sobre os alimentos.
A Ordem dos Nutricionistas tem assumido um papel ativo na defesa da literacia alimentar da população, com particular atenção aos mais jovens. A este respeito, destaca-se a proposta de projeto piloto entregue ao Ministério da Educação, Ciência e Inovação, para a integração de nutricionistas em agrupamentos escolares em Portugal Continental, cujo objetivo é promover a literacia alimentar das crianças e jovens, melhorar a qualidade nutricional da oferta alimentar em meio escolar, reduzir o desperdício e fomentar a articulação entre os diferentes intervenientes do sistema alimentar escolar.
A presença do nutricionista nas escolas como parte das equipas multidisciplinares, é a base dessa proposta, tendo em conta o papel estratégico que desempenha na implementação de projetos educativos, na supervisão das refeições escolares e na promoção de ambientes alimentares mais saudáveis.
A Ordem dos Nutricionistas tem ainda sido uma voz ativa na defesa de políticas públicas que apoiem escolhas alimentares saudáveis, através da apresentação de propostas concretas junto do Executivo para a criação de uma estratégia nacional de literacia alimentar, abrangendo todas as fases da vida, desde a infância até à pessoa idosa. Assim, em fevereiro último, a ON remeteu ao Governo uma proposta para garantir o acesso económico a alimentos saudáveis pela população, através da isenção de IVA nos produtos alimentares essenciais da Dieta Mediterrânica. Neste momento, aguardarmos ainda por resposta e abertura, por parte dos decisores políticos para discussão e implementação desta medida a nível nacional.
De salientar ainda que a ON tem um compromisso contínuo com a promoção da literacia alimentar, nutricional e de saúde pública. A celebração de dias comemorativos, desde aqueles diretamente ligados à nutrição até outras datas de relevância social, é uma das formas de aumentar a proximidade com a população e potenciar o serviço público prestado pela Ordem. Estas publicações pretendem sensibilizar para temas essenciais à saúde e ao bem-estar, mas também reforçar a importância do papel do nutricionista na sociedade. Cada data comemorativa é mais uma oportunidade para informar, inspirar e incentivar escolhas mais conscientes e equilibradas, relembrando que a nutrição está presente em todas as fases da vida e deve ser tratada como um direito acessível a todos.
A alimentação saudável e sustentável deve andar de mãos dadas. Como podemos equilibrar a necessidade de uma dieta nutritiva com a sustentabilidade ambiental? Que papel têm os nutricionistas nesta transição para hábitos alimentares mais sustentáveis?
Uma alimentação equilibrada, baseada sobretudo em alimentos de origem vegetal, como produtos hortícolas, frutas, leguminosas, frutos oleaginosos e cereais integrais, tem benefícios comprovados para a saúde e tende a traduzir-se num menor impacto ambiental, sobretudo quando comparada com dietas mais ricas em produtos de origem animal e alimentos ultraprocessados. Isso não significa eliminar grupos de alimentos, mas sim fazer escolhas mais conscientes e informadas, respeitando a sazonalidade, a produção local, reduzindo o desperdício alimentar e promovendo um consumo mais moderado e responsável.
Além do impacto na saúde, as escolhas alimentares individuais influenciam igualmente o meio ambiente, pelo que é urgente mudar o paradigma da alimentação em Portugal. Trabalhar a promoção da saúde através da alimentação deverá ser o caminho para as políticas públicas de saúde, elegendo a Dieta Mediterrânica como padrão alimentar promotor de bem-estar e, ambientalmente, sustentável.
Neste contexto, o nutricionista tem um papel-chave na transição para um padrão alimentar saudável e sustentável, pois detém os conhecimentos e competências necessárias para promover a adequação das escolhas alimentares, ajustadas do ponto vista da saúde e do impacto ambiental, qualquer que seja o seu contexto de trabalho.
De que forma a Ordem dos Nutricionistas tem colaborado com as entidades governamentais para integrar a nutrição como um pilar essencial das políticas públicas de saúde em Portugal? Existem projetos ou propostas recentes que gostaria de destacar?
A Ordem dos Nutricionistas tem trabalhado de forma contínua e estratégica com as entidades governamentais para garantir que a Nutrição seja considerada um pilar essencial nas políticas públicas de saúde em Portugal. Acreditamos que a Nutrição deve ser integrada em todas as áreas da saúde pública, desde a promoção da saúde, prevenção e tratamento de doenças como as doenças crónicas relacionadas com os hábitos alimentares inadequados, e na construção de uma sociedade mais informada.
Desde que tomei posse e que a atual Direção assumiu funções, temos colaborado diretamente com o Ministério da Saúde, a Direção-Geral da Saúde e outras entidades governamentais, defendendo a integração de nutricionistas nos serviços públicos de saúde, e da nutrição nas diferentes estratégias nacionais para a Saúde.
A ON tem participado em diversos processos de consulta pública e debates técnicos, propondo medidas concretas para a inclusão de orientações nutricionais nas políticas de saúde, educação, ambiente e segurança alimentar.
Entre os projetos mais recentes, destacam-se, como já referimos, o projeto piloto entregue ao Ministério da Educação, Ciência e Inovação, para a integração de nutricionistas em agrupamentos escolares em Portugal Continental, bem como a proposta de isenção de IVA nos produtos alimentares essenciais que se enquadram no padrão alimentar mediterrânico, tornando o seu custo mais acessível.