No contexto do Dia Mundial da Saúde, a Psicologia emerge como uma peça-chave para a promoção do bem-estar e longevidade da sociedade. Para Thaysa Viegas, Doutorada em Psicologia e Diretora Clínica da Clínica Maria Vinagre, a abordagem psicológica não deve ser vista apenas como um suporte diante de crises, mas sim como um pilar fundamental para a saúde integral dos indivíduos. Saiba mais desta entrevista na edição da Pontos de Vista!
Na sua perspetiva, qual é o papel da Psicologia no contexto do Dia Mundial da Saúde? Como a saúde mental influencia diretamente a saúde física e o bem-estar geral da população?
A psicologia, enquanto ciência que estuda a mente e o comportamento, é fundamental para um conceito de saúde integral, que deve refletir bem-estar mental, físico e social e não apenas a ausência de doença, tal como é defendido pela OMS. A investigação revela, de forma fundamentada, o impacto da saúde mental na saúde física do indivíduo. Hoje compreendemos que muitas doenças do corpo têm uma base psicossomática. A saúde mental, de cada um de nós, é fundamental na construção de uma sociedade mais equilibrada e saudável. Pessoas saudáveis, do ponto de vista psicológico, serão mais felizes, desenvolverão relações mais gratificantes e serão, também, mais produtivas do ponto de vista laboral.
Acha que ainda existe um estigma associado à procura de ajuda psicológica? Como combatê-lo?
Sim, considero que muitas pessoas não procuram acompanhamento em Psicologia por vergonha e preconceito. Outras, por dificuldades financeiras que são uma barreira para consultas no privado e por insuficiência acentuada de respostas no SNS. Em muitos distritos, as pessoas esperam anos por uma consulta de psicologia e não existe especialidade de psicoterapia, nem de terapia de casal e familiar. Tal revela-se um atentado à saúde mental da população! Fazer consultas de psicoterapia e de psicologia, antes da crise se instalar, permite atuar de forma precoce (e até preventiva), revelando-se fundamental para uma evolução favorável do quadro.
Na clínica Maria Vinagre, Empoderamento no Agridoce da Vida, dispomos de um serviço de clínica social, que permite que qualquer pessoa possa aceder aos nossos serviços, com um custo adequado aos seus recursos financeiros. Gostava também de sublinhar que, as pessoas que sofrem de alguma doença do foro psicológico, são humilhadas, de forma recorrente, por outros da sua rede familiar e social, no trabalho e também nas chamadas juntas de verificação de incapacidade, nas quais os relatórios dos psicólogos são muitas vezes ignorados. As doenças ou perturbações da mente, por permanecerem invisíveis continuam a ser alvo de piadas jocosas, que conduzem ao silêncio de quem sofre e a um agravamento exponencial dos seus quadros. A perda de esperança e sentido de vida, que muitas vezes acompanha quadros depressivos, acarreta um sofrimento clínico significativo. Educar e alterar mentalidades é o único caminho para um país que se quer, verdadeiramente, desenvolvido.
Que estratégias podem ser adotadas para facilitar o acesso à Psicologia e incentivar a procura por apoio especializado?
Podemos continuar a apostar na educação e na divulgação da Psicologia como ferramenta fundamental para uma vida plena e mais feliz, dissociada do conceito de doença mental e de loucura, algo ainda muito presente no imaginário coletivo. É também fundamental um reforço de psicólogos, psicoterapeutas e terapeutas familiares no SNS. Por outro lado, inquieta-me e preocupa-me a elevada percentagem de diagnósticos incorretos, sem uma avaliação cuidada, e o uso excessivo de medicação. Tal também contribui para aumentar o preconceito e o estigma negativo da psicologia. Um diagnóstico não pode ser um mero rótulo, que melhor nos permite categorizar e arrumar as pessoas. Um bom diagnóstico, é um caminho para a aceitação e para a mobilização de respostas eficazes, para cada quadro clínico. Todos temos caraterísticas que podem ser mais ou menos adaptativas de acordo com o contexto e a circunstância. As mesmas só se tornam um problema quando nos trazem sofrimento e/ou nos impedem de viver um dia a dia funcional e feliz.
De que forma a Psicologia pode contribuir para a longevidade e qualidade de vida das pessoas? Existem práticas psicológicas ou terapias que comprovadamente ajudam a promover um envelhecimento saudável?
Pessoas felizes vivem mais e melhor. Pessoas com autoestima, autoconfiança e amor próprio, possuem mais ferramentas e recursos internos para enfrentar os problemas, com resiliência e positivismo. Pessoas com saúde mental, têm tendencialmente um melhor sistema imunitário e são mais resistentes perante a adversidade e a doença.
Se me sinto bem comigo mesma, se vivo bem os meus processos internos, viverei certamente melhor a passagem do tempo e resolverei de forma mais positiva os vários desafios que se enfrentam, ao longo do ciclo da vida. Nomeadamente, o normal processo de envelhecimento do corpo, que hoje tanto parece assustar as pessoas, que procuram parecer eternamente jovens.
O aumento do stress e da ansiedade na sociedade atual tem sido um dos principais desafios da Psicologia. Como lida com essa questão na sua prática clínica? Como o uso da tecnologia e das redes sociais tem impactado a saúde mental das pessoas?
O aumento das perturbações de ansiedade e de stress, assim como os quadros de burnout, é uma realidade da minha prática clínica. As mulheres sofrem particularmente com estas questões, fruto da enorme sobrecarga de horas de trabalho, remunerado e não remunerado, e da multiplicidade de tarefas que enfrentam no dia a dia. Tenho vindo a reafirmar que, ser Mulher, constitui um enorme fator de risco para a saúde mental. Tal necessita ser denunciado para que as próprias, os sistemas familiares, educativo e político, possam adotar práticas e medidas que permitam uma mudança eficaz. As tecnologias e as redes sociais têm um impacto evidente na menor qualidade do sono e também em alguns constrangimentos na comunicação interpessoal, sem ser mediada pelas mesmas. São cada vez maiores as dificuldades no estabelecimento de contacto visual, na comunicação, e também no estabelecimento de relações íntimas, gratificantes, pautadas por segurança. Noto também que as tecnologias são cada vez mais utilizadas para terminar relações íntimas, nomeadamente amorosas. Observo um maior recurso ao telemóvel, quer seja por mensagem, quer por chamada em detrimento de uma conversa presencial. Aumentam também os casos de assédio moral e sexual, através das redes sociais, ao mesmo tempo que se assiste a uma exposição cada vez maior da vida privada e a uma idealização da vida do Outro, que está longe de corresponder à realidade do quotidiano.
A Psicologia pode ser um fator-chave na prevenção de doenças crónicas. Pode-nos dar exemplos de como a saúde mental pode influenciar doenças como a hipertensão, diabetes ou problemas cardíacos? Qual a importância da educação emocional desde a infância para prevenir transtornos psicológicos na vida adulta?
Costumo dizer que o corpo fala o que a mente não consegue comunicar. O corpo expõe as nossas emoções reprimidas, os abusos, os traumas, as dificuldades de aceitação do Eu e as falhas de comunicação nas relações. Neste sentido, fazer psicoterapia é um fator-chave na prevenção de muitas doenças e tem um impacto muito positivo na evolução e controlo das que referiu, assim como em muitas outras como as doenças da pele, a asma e as patologias do estômago e intestino. A educação emocional é fundamental, enquanto ferramenta de expressão de afetos e sentimentos. Quando mais eficaz for a nossa comunicação emocional, mais saudável será a nossa relação com o Eu e o Outro. Ser capaz de comunicar sobre necessidades emocionais e exprimir sentimentos, é muito importante na construção do “Eu”, que se quer mais saudável e mais feliz.
A Clínica Maria Vinagre tem alguma abordagem diferenciada no tratamento psicológico dos seus pacientes?
Temos uma abordagem multidisciplinar, olhamos o paciente e não o sintoma. Tentamos que cada pessoa se sinta importante, acolhida e valorizada. Não apresentamos soluções mágicas, não acreditamos nas mesmas, mas sim coconstruímos caminhos, como o paciente a ser o principal autor do mesmo.
Temos também, como já referi anteriormente, uma vertente de clínica social, que permite que qualquer pessoa, qualquer que seja o seu rendimento, tenha acesso às nossas consultas.
Como vê o papel das novas abordagens terapêuticas, como a terapia online e a Inteligência Artificial aplicada à Psicologia?
A realização de consultas online revela-se de uma enorme mais-valia, desde 2020.
A maioria das nossas especialidades dispõe desta modalidade, que permite chegar a um número maior de pacientes e superar barreiras de mobilidade, tempo e distância geográfica. Posso dizer que tenho pacientes de vários continentes. Relativamente à IA, conheço colegas que recorrem à mesma como mais uma ferramenta, nomeadamente em contexto de terapia familiar. Só assim, me faz sentido a sua utilização e de forma criteriosa. No entanto, nada substitui a relação terapêutica. Acredito que o maior potencial de mudança da psicoterapia, reside aí: na eficácia e qualidade da relação com a psicoterapeuta, enquanto promotora de verdadeira mudança.
Que mensagem gostaria de deixar para a sociedade no âmbito do Dia Mundial da Saúde sobre a importância de cuidar da saúde mental?
Urge colocar a Saúde Mental como um bem de primeira necessidade, se queremos um mundo mais justo e mais igualitário! Pessoas com amor próprio, autoconfiança e autoconhecimento serão cidadãos com um enorme potencial para serem mais felizes, mais saudáveis e construírem relações seguras, pautadas por respeito e cuidado.
Cuidar e investir na saúde mental é um investimento no Eu e na construção de famílias e sociedades mais felizes! Escolha-se! Livre de preconceitos!