Saúde Materna e Obstetrícia: APEO na Vanguarda da Enfermagem Especializada

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No âmbito das comemorações do Dia Internacional dos Enfermeiros Especialistas de Saúde Materna e Obstetrícia, assinalado a 5 de maio, a Revista Pontos de Vista recebeu dois rostos incontornáveis da enfermagem obstetra em Portugal: Vítor Varela, Presidente, e Isabel Ferreira, VicePresidente da Associação Portuguesa dos Enfermeiros Obstetras (APEO). Num momento de especial relevância para a classe, a APEO marcou presença num congresso comemorativo que se realizou no passado dia 5, no Porto, e prepara-se para um marco de dimensão global: será coanfitriã do 34.º Congresso Trienal da International Confederation of Midwives (ICM), que terá lugar em Lisboa, de 14 a 18 de junho de 2026. Uma oportunidade única para colocar Portugal no centro da discussão internacional sobre os desafios e avanços na saúde materna.

O Dia Internacional dos Enfermeiros Especialistas de Saúde Materna e Obstetrícia celebrou-se a 5 de maio, e foi marcado por um congresso no Porto. Quais os principais objetivos da APEO com este evento e que temas foram abordados?

Celebrando o Dia Internacional do Enfermeiro Obstetra/Parteira no passado dia 5 de maio, a APEO pensou na realização deste congresso para valorizar e dar visibilidade ao
trabalho dos Enfermeiros Obstetras|Parteiras, destacando a sua competência clínica, científica e humana; promover o debate sobre modelos inovadores de prestação de cuidados, com enfoque na autonomia profissional e liderança destes especialistas e aproximar os decisores políticos e institucionais da realidade vivida nos serviços, incentivando a adoção de políticas que potenciem o pleno exercício das competências dos Enfermeiros Obstetras|Parteiras.

O programa refletiu a diversidade e profundidade dos desafios atuais, abordando questões
estruturantes, com oradores nacionais e internacionais, em que a autonomia como solução
para a crise nos serviços materno-fetais em Portugal foi o tema central da mesa redonda
(podem consultar o programa em https://apeo.pt/congresso-apeo/).

A APEO será coanfitriã do 34º Congresso Trianual da ICM, que acontecerá em Lisboa de 14 a 18 de junho de 2026. Quais os principais objetivos deste congresso e qual a importância de Lisboa acolher um evento desta magnitude?

O 34.º Congresso Trianual da ICM será um marco transformador para a saúde materna e para a valorização das midwives (Enfermeiros Obstetras/parteiras) a nível global. Os principais objetivos deste congresso internacional são criar um espaço de partilha de conhecimento científico e boas práticas, reforçar a identidade profissional das midwives/enfermeiros obstetras e promover modelos de cuidados centrados na mulher, na díade e na família, como preconiza a mais recente posição da Organização Mundial da Saúde (2024). A realização deste evento em Lisboa tem um profundo simbolismo: representa o reconhecimento da urgência em Portugal de se avançar para modelos de cuidados liderados por Enfermeiros Obstetras|Parteiras — midwife–led care — num sistema ainda fortemente medicalizado e hierárquico. Acolher este congresso é abrir as portas do país à mudança, à inspiração internacional e ao reforço do papel dos Enfermeiros Obstetras/Parteiras como protagonistas do cuidado, da ciência e da transformação social.

O que significa para a APEO e para a comunidade de EESMO em Portugal receber mais de 4.000 parteiras de todo o mundo?

Esta será uma experiência única de encontro intercultural, reunindo milhares de profissionais de todo o mundo para celebrar esta profissão maravilhosa, numa verdadeira festa global de celebração desta fantástica profissão — e que melhor palco do que Lisboa, cidade de luz, de história e de futuro? Receber mais de 4.000 parteiras em Lisboa é uma oportunidade sem precedentes para a comunidade portuguesa de Enfermeiros Obstetras/Parteiras se afirmar, inspirar e ser inspirada. Significa construir pontes com colegas de contextos diversos, ampliar horizontes e reforçar a nossa identidade profissional.
Para a APEO, esta é uma honra e uma enorme responsabilidade. Significa estar à altura
do desafio de liderar um movimento de valorização da profissão, num momento em que a
misoginia e a desvalorização dos direitos reprodutivos continuam a marcar a realidade em
muitos contextos. Este congresso será um catalisador — para dar voz às mulheres, às parteiras e ao conhecimento que construímos todos os dias, com base na evidência e na proximidade.

Como a APEO está a preparar-se para este evento e quais iniciativas estão previstas até lá?

Estamos a trabalhar com determinação para garantir que o congresso seja não apenas um evento internacional de excelência, mas também um ponto de viragem para a profissão em Portugal. Até 2026, estão previstas várias iniciativas estratégicas, como ações de visibilidade pública sobre o papel dos Enfermeiros Obstetras/Parteiras, promoção de boas práticas clínicas e encontros regionais de mobilização e escuta ativa da comunidade. Estamos também a criar espaços de formação, capacitação e participação para que todas os Enfermeiros Obstetras/Parteiras possam sentir que este congresso é seu. Este é o momento de unirmos forças, projetarmos confiança e mostrarmos ao mundo que Portugal está pronto para reconhecer, apoiar e valorizar os cuidados liderados por Enfermeiros Obstetras/Parteiras.

A recém-aprovada Lei 33/2025 sobre Violência Obstétrica surge num contexto de grande pressão sobre as urgências e maternidades nacionais. Qual é a posição da APEO sobre esta lei e como ela pode impactar a prática dos EESMO no país?

Nos últimos anos, o ativismo global tem sido essencial para dar voz às mulheres vítimas de violência obstétrica, obrigando à reflexão e discussão sobre práticas de cuidado desrespeitosos. Em Portugal, a aprovação da Lei 33/2025 representa um marco histórico nessa “luta”, ao promover cuidados maternos mais humanizados, dignos e seguros. A APEO sublinha que esta lei não visa punir os profissionais de saúde, mas salvaguardar a autonomia e os direitos das mulheres. Ainda que possa exigir aperfeiçoamentos, é um passo fundamental para mudar práticas e mentalidades. A transformação passa por respeitar escolhas, cuidar com empatia e promover um sistema de saúde acolhedor, e não impositivo. É urgente deixar de lado a confrontação e apostar numa cultura de diálogo, formação e colaboração, reconhecendo os desafios reais dos profissionais. Erradicar a violência obstétrica implica consciência cultural, aceitação da diferença e uma mudança profunda de paradigma.

A APEO acredita que modelos de cuidados liderados por Enfermeiros Obstetras / Parteiras, baseados numa abordagem humanizada e centrada na mulher, são fundamentais para garantir cuidados respeitosos e seguros.

Que medidas considera prioritárias para melhorar as condições de trabalho dos EESMO e garantir um atendimento humanizado e seguro nas maternidades?

Para melhorar as condições de trabalho dos Enfermeiros Especialistas em Saúde Materna e Obstetrícia (EESMO) e garantir um atendimento verdadeiramente humanizado e seguro nas maternidades, consideramos prioritárias as seguintes medidas:

1. Implementação efetiva da Lei 33/2025, para além do plano simbólico, com orientações claras, formação específica e mecanismos de monitorização que garantam o respeito pela autonomia, dignidade e liberdade das mulheres, sem cair numa lógica punitiva ou de medo para os profissionais de saúde.

2. Promoção de ambientes de trabalho seguros, empáticos e colaborativos, criando condições que permitam aos Enfermeiros Obstetras/Parteiras exerçam com confiança, autonomia e apoio institucional, afastando o clima de pressão e julgamento. O medo leva a práticas defensivas, que comprometem tanto a qualidade dos cuidados como o bem-estar dos profissionais.

3. Formação contínua em cuidados humanizados e competências relacionais, investindo na formação em empatia, comunicação e consciência cultural e reforçando uma abordagem centrada na mulher e na família. Reconhecer nos profissionais o que os distingue das máquinas, a sua humanização, o Cuidar com Ciência e com Amor.

4. Integrar de forma progressiva o modelo Midwife-Led Care nos serviços de saúde portugueses, já que os modelos de cuidados liderados por Enfermeiros Obstetras/Parteiras são internacionalmente reconhecidos como uma resposta sólida, comprovada e eficaz de garantir segurança clínica, satisfação das mulheres e sustentabilidade dos sistemas de saúde.

5. Reforço de equipas e melhoria das condições laborais, garantindo dotação adequada de profissionais, para promover melhores horários de trabalho e mais tempo para cuidar, essencial para a prestação de cuidados seguros e individualizados. A sobrecarga e o cansaço são fatores de risco para o erro, a desumanização e burnout.

6. Criação de espaços de escuta, reflexão e co-construção de soluções, saindo da lógica de confronto e entrando numa cultura de partilha, escuta ativa e construção coletiva. A violência obstétrica não será erradicada com culpabilização, mas sim com compromisso mútuo para transformar a assistencia.
Em síntese, a humanização dos cuidados e a melhoria das condições dos EESMO caminham lado a lado. Um sistema verdadeiramente humanizado é aquele que cuida de quem cuida e que reconhece nos profissionais, aliados fundamentais para uma maternidade digna, segura e respeitosa.

Que mensagem gostaria de deixar para os profissionais que participaram nas celebrações do Dia Internacional das Parteiras no Porto?

É tempo de reafirmarmos, com coragem e clareza, a nossa missão e valores enquanto Enfermeiros Obstetras/Parteiras. Precisamos de traçar percursos profissionais ambiciosos, à escala nacional e internacional, encontrando caminhos alternativos sempre que surgem os obstáculos que tão bem conhecemos — o corporativismo, o paternalismo institucional e a política sistemática de desvalorização da nossa profissão. Devemos ser mais estratégicos, mais resilientes, mais habilidosos, mais confiantes. O nosso olhar crítico é essencial para impulsionar as reformas que a saúde sexual e reprodutiva exige — reformas que pertencem a todos, não apenas a alguns. É preciso trabalhar mais em coletivo, com sentido de pertença, porque só resolvendo os nossos próprios desafios profissionais conseguiremos cuidar melhor dos outros. Juntos Somos Mais Fortes. O associativismo é uma força transformadora — um espaço de mobilização, de crescimento, de construção de soluções.

A Associação Portuguesa dos Enfermeiros Obstetras (APEO) tem a responsabilidade de guiar e capacitar, de inspirar novos modelos de prática e de construir laços de confiança num coletivo forte e comprometido. Acreditamos em relações sólidas e significativas, que reforcem a confiança mútua e consolidem um coletivo coeso e consciente do seu valor — os Enfermeiros Obstetras.
Com a celebração do Dia Internacional da Parteira, cujo tema foi este ano “Midwives: Critical in Every Crises, celebramos o papel insubstituível dos Enfermeiros Obstetras/Parteiras em contextos de crise. Os Enfermeiros Obstetras/Parteiras são fundamentais onde há instabilidade, vulnerabilidade e risco — e em Portugal, os cuidados de saúde materno-fetais atravessam atualmente desafios profundos, com desigualdades crescentes, escassez de profissionais e uma tendência preocupante para a medicalização excessiva dos processos naturais.

A APEO acredita que investir nos Enfermeiros Obstetras/Parteiras é investir na solução. O Modelo de Cuidados de Saúde Sexual e Reprodutiva por Enfermeiros Obstetras/Parteiras, centrado na salutogénese e na filosofia humanizada, é um verdadeiro antídoto para o  excesso de intervenção, e uma força capaz de devolver significado, qualidade e satisfação à experiência das mulheres nos cuidados de saúde. É preciso compromisso e união.

A APEO quer estar próxima de todos, Enfermeiros Obstetras/Parteiras, Mulheres e Famílias, acessível, ainda mais nos momentos de incerteza, agitação e confusão, promovendo o conhecimento, apoiando a tomada de decisão no quotidiano clínico e inspirando um futuro onde todos os bebés e todas as famílias possam ser acolhidos com dignidade, segurança e compaixão. É hora de olhar para o futuro, ultrapassar adversidades, reforçar o nosso importante papel como Enfermeiros Obstetras/Parteiras. Não aceitamos a estagnação! Somos Enfermeiros Obstetras/Parteiras em movimento — conscientes, ativos e essenciais.

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