Na edição da Revista Pontos de Vista, apresentamos mulheres que transformam o setor da Engenharia e Construção com alma: Elisa Coelho, Sócia-Gerente da ER Home Living. Desde cedo movida pela curiosidade de desenhar e pela vontade de ver ideias tornarem-se realidade, Elisa escolheu o terreno em vez do atelier, a ação em vez da teoria. Nesta entrevista, partilha connosco os bastidores da sua caminhada, os desafios do quotidiano na construção civil, a cultura colaborativa que promove na ER Home Living e a visão de um futuro em que as mulheres lideram com competência e autenticidade. Uma conversa verdadeira, marcada pela força de quem transforma a adversidade em motor de crescimento.
Como começou a sua jornada na construção civil? Houve algum momento-chave que a fez perceber que este seria o seu caminho?
Desde sempre tive este “bichinho”, lembro-me de estar no ensino básico, 3º ciclo, e querer desenhar casas e sentir-me uma desenhadora à maneira. Mas na realidade hoje, nem sou apaixonada pelo desenho. Na faculdade com os longos anos de curso, fui percebendo que o meu caminho não era ficar num Atelier a projetar, mas sim, era de alguma forma andar no terreno, era ver tudo acontecer.
Quais foram os principais desafios que enfrentou ao entrar num setor tradicionalmente masculino? E quais as conquistas mais marcaram o seu trajeto?
Querem saber a verdade? Nunca tive qualquer problema por estar inserida num setor masculino, muito pelo contrário, sempre fui muito respeitada. Na primeira Empresa de Construção Civil que trabalhei, o meu chefe dizia sempre “tu sabes levá-los”, ou seja, sabia inserir-me no meio ambiente deles, tinha humildade suficiente para deixar que eles me ensinassem e me ajudassem a solucionar. Brincávamos muito, sabíamos os limites e sabíamos quando podíamos brincar também. Tenho muitas saudades desses tempos, ainda hoje os sinto como família. Pessoas boas. Acho que este é um dos grandes motivos que também me liga à Construção Civil, é saber que no meu dia a dia, tenho pessoas humildes, simples e “leves”.
Relativamente às conquistas, sou uma pessoa que coleciona muitas. A minha vida é feita de conquistas. Acho que todos passamos pelo momento em que quando somos pequeninos/as ou jovens adolescentes sonhamos com: “quem me dera ter isto ou aquilo no futuro” ou “quem me dera ser assim quando for grande”; curiosamente, tudo o que eu sempre sonhei e desejei aconteceu e acontece de uma forma ainda melhor. Olho para trás e muitas vezes emociono-me porque me custou e custa tanto, às vezes sabem lá o que é o sacrifício de passar cada dia, cada hora. Contas e mais contas, organizar pessoas, trabalhos, orçamentos, reuniões, projetos, é mesmo difícil. Existem dias que fico tão cansada, olho e penso: “não fiz nada”, mas a cabeça não pára e, até para isso, é preciso ter tempo. Não é mesmo fácil, porque aliada à nossa profissão, também temos a nossa vida pessoal. Acho que nem tempo tenho de ficar doente e isto às vezes preocupa-me. Mas é realmente aquilo que eu amo fazer e hei-de levar tudo à frente, durante toda a minha vida. Acredito muito em mim e nas minhas capacidades, muita gente desvaloriza o “é novinha não percebe nada disto”… “onde é que já se viu, 33 anos e tem uma empresa, não pode estar sozinha”. A isso chama-se “querer ser” nem é querer ter muitas vezes, é só querer ser como eu, ter as capacidades, a garra, a força, a coragem. Isto não é para qualquer um/a, isto é para quem tem pulso de segurar um barco e não o deixar afundar. A sociedade é muito rasca, não valoriza a capacidade de uma jovem dedicada crescer sem apoio de ninguém e um baú de dinheiro. Na mente destes seres humanos tão pequeninos, tem que haver sempre “um homem” por trás, ou uma conta bancária recheada, ou alguém “que a mantém”. É triste. Como podemos ver, o problema das mulheres não é trabalharem no setor masculino, é a sociedade miserável em que somos obrigados a viver.
Não me faz aflição a opinião dos outros, eu sei o que sou, o que faço, aonde chego e como chego. Isso basta-me. Lamento o pensamento tão pobre deste tipo de pessoas, porque decididamente estão à espera de alguém para crescerem na vida. Boa sorte.
O que diferencia, na sua visão, uma liderança feminina no setor da construção civil?
A sensibilidade e o cuidado com que tratamos as situações no geral. Também acho que os trabalhadores acabam por ficar mais “calmos” e respeitarem mais uma mulher em obra do que um homem. Gera mais abuso, mas isto é só a minha visão das coisas. Acredito que existem mulheres que digam que é o fim do mundo na obra quando entra uma mulher, mas aí já tem a ver com a nossa postura, a nossa maneira de ser e, sobretudo, a nossa humildade.
Como descreveria o seu estilo de liderança? Ele evoluiu ao longo do tempo?
Sou uma pessoa honesta, educada e calma na minha liderança. Claro que com a experiencia vamos sempre aprendendo e melhorando a nossa forma de estar e de nos relacionarmos com as pessoas. Evito arrogância e respostas tortas, quando existe alguma coisa que não gosto, sei como contornar de forma soft e os meus trabalhadores percebem o “recado”. Educação e respeito acima de tudo. Quando as pessoas não o têm comigo, aí cuidado. As pessoas só brincam comigo até quando eu deixar que brinquem. Apercebo-me de tudo, capto tudo, parece que nem estou atenta, mas desenganem-se.
Mas acho que lidero muito bem, um dia têm de entrevistar os meus trabalhadores e logo vemos a opinião deles, mas sei que é boa. Eles sabem que “patroa”, tal como me chamam, igual ou melhor, não arranjam.
Acredita que as mulheres trazem uma abordagem única em relação à resolução de conflitos e tomada de decisões nesse setor?
Depende das mulheres, mas sim, no geral é como referi em cima, há mais cuidado também por parte do setor masculino em se socializar com uma mulher em obra. O importante é sempre a postura, a atitude e a humildade com que se resolve um problema e isso serve, quer para as mulheres, quer para os homens.
Como o propósito da ER Home Living se coneta com seus valores pessoais?
A ER sou eu e eu sou uma pessoa humilde, honesta, simples mas que gosta de marcar a diferença e que acredita que os pormenores é que realçam o que quer que seja. Uma pessoa organizada, que gosta de fazer bem feito, que gosta de qualidade, uma pessoa que se pudesse dava tudo a “toda a gente”. Gosto muito de ajudar. No fundo a minha empresa é tudo isto, são os meus valores. É a minha simplicidade, a minha coragem, a minha certeza, a minha garra. Uma pessoa assim só pode vingar na vida e por isso a minha empresa é para crescer ano após ano e ser vista como “A EMPRESA”.
De que forma promove uma cultura organizacional baseada em colaboração e diversidade de perspetivas?
É muito importante valorizar a participação de todos, o trabalho em equipa. Incentivar ao diálogo, trocar ideias, respeitar as distintas opiniões. Só assim as coisas podem evoluir. O respeito é mesmo muito importante, a compreensão e a tolerância. Todos erramos, todos temos o direito de aprender a fazer melhor e merecemos as devidas oportunidades.
A construção civil exige um trabalho extremamente colaborativo entre diversas áreas e profissionais. Como a colaboração é incentivada e praticada na ER Home Living?
Trabalhar em equipa, sempre estive habituada, aliás na construção a maior parte das vezes temos várias especialidades em curso. Acima de tudo tem que existir respeito, humildade e diálogo para que as especialidades não choquem umas com as outras nem depois andem a desfazer trabalho que foi feito. Aqui tem que haver uma boa coordenação e direção de obra por parte do diretor técnico também, neste caso, eu. Não é difícil, é organização e, a partir daí, tudo funciona.
Como equilibra as decisões da liderança com a vida pessoal e o bem-estar? Existe espaço para esse equilíbrio no setor?
Sim, para já tudo funciona bem, quando existirem filhos aí é que vão ser elas. Mas temos que delegar trabalho, uma empresa quando atinge um determinado patamar já não dá para ser uma pessoa a fazer “tudo”. Este ano estou a apostar na parte de contratações para o escritório e poder delegar tarefas, o volume de trabalho aumenta e começo a não conseguir dar resposta a tudo sozinha. Isto é gestão, gestão de trabalhos, de pessoas, de dinheiro. É o que eu amo fazer, pôr tudo a funcionar. Mas vou aos poucos construindo uma equipa não só de obra mas de apoio técnico, segura e competente, para que sim, nos próximos anos quem sabe consiga ser mãe e dar o merecido apoio à família.
O que mudou nos últimos anos em relação à presença feminina na construção civil?
Acho que começa a ser mais visível a presença feminina neste setor. Conheço até mulheres que trabalham no gesso cartonado, nas pinturas e por sinal dão dez a zero a muitos homens. Acho que a necessidade de uma boa/melhor remuneração obriga a que algumas mulheres avancem para esta área. No geral, na construção civil as pessoas são mais bem remuneradas do que ao estarem num Atelier de Arquitetura, por exemplo. Daí ser natural vermos a presença feminina, Arquitetas e Engenheiras, mais ativa neste setor.
Como observa o futuro da liderança feminina no setor? Há algo que ainda precisa ser transformado com urgência?
A visão sobre a capacidade feminina em liderar. Acho que no geral ninguém atribui a uma mulher a capacidade de ser melhor que um homem e hoje em dia é miserável termos uma sociedade assim. Mas cabe-nos a nós, dar provas de que só não conseguimos se não quisermos. Ver uma mulher a liderar e a colher frutos graças ao seu empenho e dedicação, é mesmo muito gratificante.
Que conselhos daria para jovens mulheres que estão entrando ou pensando em entrar na construção civil?
Não se deixem pisar, ninguém é mais ou menos. Ninguém nasce ensinado, por isso tenham sempre atitude e sejam firmes.
As pessoas esquecem-se que já passaram todas pelo vosso lugar. Sem medos, a vida é um risco e resta-nos arriscar para conseguirmos vivê-la.
Existe alguma mulher que a inspira, dentro ou fora do setor?
Nenhuma em especial, mas todas que lutam e começam sem nada e chegam tão longe. Olhar para trás e vermos as necessidades que já passamos e agora o que temos, é um sentimento de tristeza e felicidade em simultâneo. É um orgulho mesmo muito grande.