Na 140ª Edição da Revista Pontos de Vista destacamos o papel do IGAPE – Instituto de Gestão de Activos e Participações do Estado – na promoção do desenvolvimento económico de Angola, sublinhando a sua atuação estratégica na gestão de ativos públicos, execução de programas de privatização e reestruturação empresarial, e na supervisão do setor empresarial público. Sob a liderança de Álvaro Fernão, o Instituto tem vindo a consolidar a sua posição como entidade reguladora e de monitorização especializada, promovendo práticas de boa governação, eficiência na gestão e criação de valor público sustentável.
Começaríamos esta entrevista apresentando a História e papel do IGAPE como órgão especializado na gestão de ativos e participações do Estado.
O Instituto de Gestão de Activos e Participações do Estado (IGAPE) é um órgão especializado, com competências de regulação, execução da política e programa das privatizações, reestruturações e fusões de empresas, bem como a gestão e o controlo das participações financeiras do Estado.
A visão do IGAPE consiste em edificar um Setor Empresarial Público mais credível, melhor estruturado, mais dinâmico, altamente qualificado e competente na gestão das empresas públicas de cariz comercial, por um lado, e, por outro, criar um ecossistema com maior eficiência de operacionalização das empresas públicas. As empresas de cariz comercial que ainda não forem privatizadas, nesta fase, serão munidas de instrumentos e um framework que permitirá continuar a atuar com acentuado nível de competitividade em concorrência com as empresas privadas, nacionais e estrangeiras, garantindo desta forma a continua rentabilidade dos seus negócios e dividendos para o Estado.
Tornar o IGAPE numa instituição com alta contribuição para Orçamento Geral do Estado por via uma gestão rentável dos ativos financeiros do Estado sob sua responsabilidade. Em 2025, faremos exatamente isso, esperamos ter o melhor ano do programa de privatizações desde 2019, em termos financeiros, operacionais e económicos, bem como teremos a maior transação de Oferta Pública Inicial (OPI) desde a abertura da bolsa de valores mobiliários de Angola, por via de uma operação de privatização de 15% do capital da empresa telecomunicações Unitel no Banco de Fomento de Angola (BFA), em operação conjunta com cerca de 15% do capital do BPI no BFA. Importa aqui reafirmar que estão criadas as condições para uma grande aderência de investidores não residentes nas OPI em Angola. Por fim, com referência ao exercício económico de 2024, o setor empresarial público terá o maior encaixe de dividendos de todos os tempos.
Qual a contribuição para a regulação e monitorização do setor empresarial público?
Actualmente o Setor Empresarial Público (SEP) conta com cerca de 80 empresas, excluindo seis participações minoritárias com tratamento equiparado às participações financeiras, cujo acompanhamento é efetuado, simultaneamente, pelo IGAPE e pelos ministérios de tutela setorial, que certificam a prossecução dos objetivos que nortearam a criação de cada empresa – aspetos mais regulatórios.
Neste âmbito, o IGAPE identificou, num passado recente, um conjunto de oportunidades de alinhamento às boas práticas da gestão das empresas públicas ou estatais, sem descurar as especificidades das diferentes realidades. No que concerne às insuficiências, destacam-se: a insustentabilidade financeira e operacional em algumas empresas, oportunidades de adequação de estatuto à estrutura da empresa, modelo de governança ao estágio de maturidade da empresa e margens de melhoria a nível do relato financeiro em alinhamento às normas internacionais[1].
Estes desafios levaram-nos a propor a reestruturação do SEP, com um conjunto de pressupostos consagrados no Roteiro para a Reforma do SEP, com vista a assegurar que prossiga os seus objetivos fundamentais, designadamente: garantir a prestação de serviços públicos de caráter essencial e rentabilizar os ativos do Estado numa lógica de mercado, suportado nos seus objetivos estratégicos. Em 2025, entregaremos dois instrumentos essenciais para a reforma do Sector Empresarial Público ainda no primeiro semestre do ano, designadamente a nova lei do Setor Empresarial Público e o estatuto orgânico da Sociedade Gestora de Participações Societárias (SGPS). Estes instrumentos, coadjuvados com outros instrumentos de estratégia, avaliação e representação elevarão o desempenho da governança do setor empresarial público angolano a altos níveis de desempenho e padrões internacionalmente aceites. Teremos empresas mais eficientes, incluindo as empresas que estamos a privatizar serão, também, mais eficientes sob gestão de privados.
Como é feita a execução de políticas de privatização e reestruturação empresarial no Instituto?
O IGAPE, enquanto entidade responsável pela execução de políticas de privatizações e reestruturação empresarial, conduz a execução de processos de privatização por meio de um Programa do Governo, sob a orientação de uma Comissão Nacional Interministerial, composta por diversos setores e liderada por sua Excelência, o Ministro de Estado para a Coordenação Económica. A operacionalização do programa foi sendo desafiado por eventos económicos disruptivos, primeiro a COVID-19 e, depois, a guerra da Ucrânia. Neste momento, apesar as incertezas económicas, resultantes do agravamento das tarifas ao nível mundial e seus impactos em todas as economias, estamos convictos de transformar este momento no mais alto para as privatizações, sendo um dos pilares da Reforma do Setor Empresarial Público em Angola. O ano 2025 é, certamente, o ano da reforma do Setor Empresarial Público em Angola.
Como descreve o papel histórico do IGAPE na transformação económica de Angola?
O papel histórico do IGAPE na transformação económica de Angola é fundamentalmente caraterizado, de acordo com a natureza da sua atuação de regulação e acompanhamento das empresas públicas sobre as quais a instituição garantiu um conjunto de recomendações de medidas concretas que permitiram e têm permitido ao Estado prestar serviços públicos essências em setores onde não há presença de um agente privado e em situações em que o cidadão não dispõe de recursos financeiros, rentabilizar os seus ativos, contribuindo para o Orçamento Geral do Estado (OGE), assim como elevar os níveis de eficiência da gestão e de transparência dos ativos do Estado. Isto de forma genérica. Mais concretamente, o IGAPE privatizou mais de 100 ativos do Estado, criando mais emprego, eficiência na gestão de cada ativo, mais externalidades positivas e, sobretudo, aumentando a contribuição destes ativos no PIB. Além disso, o Estado abriu o capital dos seus ativos em bolsa para dispersar de forma mais eficaz a riqueza para centenas de novos subscritores, que para além de rendimentos financeiros, encontram nestes instrumentos financeiros, felicidade e paz social com expetativas racionais positivas.
Quais os principais marcos da sua trajetória enquanto Presidente do Conselho de Administração do IGAPE?
O nosso percurso no IGAPE iniciou-se em Janeiro do ano em curso e, conforme procede em qualquer circunstância de mudança dos órgãos de gestão de uma organização, o Conselho de Administração do IGAPE priorizou efetuar a análise detalhada do portfólio de ativos do IGAPE, revisando os contratos, as operações e o desempenho dos bens sob a sua gestão, com o fito de identificar potencias riscos, avaliar a rentabilidade do referido portfólio e verificar oportunidades de melhoria. É neste prisma que elegemos seis eixos operacionais fundamentais (Governança, Organização, Capital Humano, Operacionalização da Reforma do SEP, Privatizações e Liquidações) para assegurar que as ações da Instituição estejam alinhadas às metas do Governo, com o fim último de gerar valor social e económico. Até ao momento, iniciado no início do mandato, estamos em fase final de privatização de três ativos industriais com valor total contratual de cerca de 23% do valor contratualizado de todo o programa, desde 2019. Tal representa um encaixe de cerca de 35% dos recebimentos de todo o programa com referência ao fim de período de 2024. É um início modesto (risos). No que toca à reforma do setor empresarial público, vamos entrar os instrumentos jurídicos reitores da reforma nas próximas semanas.
Em que medida o IGAPE tem contribuído para a eficiência e boa governação do setor empresarial público?
No quadro da materialização do Roteiro para a Reforma do SEP, o IGAPE tem estado envolvido na adequação dos estatutos das empresas às exigências dos reguladores setoriais e às boas práticas de corporate governance, assim como a realização contínua de workshops com os gestores das empresas. Ainda existe um caminho longo a percorrer mas acreditamos, que com revisão da Legislação do Setor Empresarial Público, teremos o processo mais facilitado. Os novos instrumentos de política, estratégia e governança do Setor Empresarial Público vão elevar as regras do jogo e trazer um framework de eficiência no ecossistema empresarial público.
Qual é a importância do PROPRIV na actual conjuntura económica de Angola?
A privatização de empresas e ativos do Estado, que decorre por meio da execução do Programa de Privatizações (PROPRIV), enquadra-se no âmbito da reestruturação e redimensionamento do Setor Empresarial Público, com o objetivo de assegurar a concentração da atuação do Estado em projetos estruturantes e estratégicos, salvaguardando uma afetação mais eficiente dos recursos públicos e promover condições mais favoráveis à iniciativa privada ao investimento, assim como cristalizar o mercado concorrencial nos diversos setores da economia nacional.
A privatização de ativos tem desempenhado um papel crucial no atual contexto económico de Angola, se olharmos para os resultados alcançados, nomeadamente: a dinamização da Bolsa de Dívidas e Valores de Angola, com a inauguração da negociação de ações em bolsa, após a privatização da participação social indireta do Estado no BAI, a ativação de um conjunto de indústrias que se encontravam paralisadas, contribuído para o aumento da produção de produtos intermédios e finais, a criação e manutenção de cerca de três mil postos de trabalho, o aumento da contribuição para as receitas do OGE, entre outros resultados com impacto direto e indireto e externalidades positivas para a economia.
Como o IGAPE tem gerido os desafios associados à reestruturação de empresas públicas?
A reestruturação de empresas reveste-se de vital importância para o processo da reforma do SEP, enquanto etapa de adequação das empresas às exigências regulamentares setoriais e adoção das boas práticas de corporate governance. A complexidade e os desafios de reestruturar as empresas varia de empresa para empresa, considerando a sua dimensão, performance e setor de atividade em que estiverem inseridas, tendo a comunicação transparente entre as partes interessadas sido o melhor mediador para ultrapassar todos os constrangimentos. Estamos a preparar a segregação do Setor Empresarial Público com as empresas de política que deverão estar no Ministério das Finanças e empresas de cariz comercial sob acompanhamento da futura Sociedade Gestora de Participações Societárias, enquanto acionista. O poder regulatório fica com a tutela setorial, de acordo com o Roteiro da Reforma.
Que resultados têm sido alcançados com as privatizações realizadas até ao momento?
Entre 2019 e 2024, o PROPRIV registou a privatização de 109 ativos, com realce para a privatização de 43 ativos do setor da indústria, de 16 ativos no setor agro-indústrias, de 14 ativos no setor dos recursos minerais e petróleos e de 14 ativos no setor do turismo, tendo alcançados os resultados seguintes:
No quadro operacional foram reativadas 35 indústrias;
O total de 109 ativos privatizados resultou num montante contratualizado de Kz 1 034,67 mM;
Manutenção de cerca de 1.451 postos de trabalho e criação de 1.921 novos postos;
A alienação de participações sociais via Bolsa de Valores, o que permitiu a inauguração e dinamização do mercado de ações, proporcionando maior democratização da participação no mercado de capitais e mais liquidez na Bolsa angolana, o que já permitiu a redistribuição de dividendos a mais de 4,5 mil novos acionistas, com uma capitalização bolsista de Kz 1,5 mil milhões.
Em 2025, já temos três ativos em fase final de privatização com um valor contratual de cerca de Kz 230mM e previsão de mais de 1.000 empregos diretos e milhares de empregos indiretos.
Ainda para 2025, temos previsto para Junho/Julho a maior colocação em bolsa que deverá trazer centenas novos subscritores residentes e não-residentes e aumentar a capitalização bolsista em cerca de 20%.
Como é feita a supervisão da gestão de ativos financeiros e fundos públicos no Instituto?
A supervisão da gestão de ativos financeiros, à luz do estatuto orgânico do IGAPE, compreende, além dos fundos públicos, o acompanhamento da gestão dos ativos financeiros recuperados no âmbito do combate à corrupção e branqueamento de capitais, o acompanhamento dos empréstimos concedidos pelo Estado Angolano a outros estados e o acompanhamento da gestão discricionária de uma carteira de investimentos financeiros no exterior do País.
Todavia, no quadro da reforma do SEP, foram identificadas um conjunto de atribuições, que, pela sua natureza, não se enquadram na estratégia de conceção de uma entidade especializada na gestão das empresas do SEP. Por esta razão, está em curso o processo de transferência de algumas responsabilidades às instituições com vocação própria para o efeito, por exemplo, a transferência do acompanhamento da gestão discricionária da carteira de investimentos financeiros e o acompanhamento dos fundos públicos e empréstimos a terceiros para os órgãos outros do Estado.
Como o IGAPE assegura a gestão eficiente dos ativos financeiros do Estado?
A gestão dos ativos financeiros é efetuada por gestores designados para o efeito, sendo que o IGAPE, no âmbito da sua missão de monitorização, avalia o nível desempenho dos ativos e dos respetivos gestores, no sentido de propor medidas concretas sobre a decisão do Estado manter o investimento ou desinvestir. Conforme disse, uma parte da carteira está a ser transferida para outro ente público e demais participações estão em processo de privatização.
Quais são os principais desafios na supervisão das participações financeiras do Estado?
O olhar sobre as participações financeiras é na base da rentabilidade. É importante sublinhar que consideramos que as participações financeiras incluem as empresas em que o Estado detém participações minoritárias, sendo que as empresas em que o Estado exerce, isolada ou conjuntamente uma influência dominante, são designadas por Empresas com Domínio Público.
O facto de o Estado não exercer influência nas sociedades comerciais em que detém participações minoritárias, o desafio consiste em determinar a permanência ou não de um ativo no portfólio, e o momento e modelo para a alienação destas participações.
Que medidas estão a ser implementadas para otimizar o retorno dos ativos financeiros públicos?
Não obstante a transferência de algumas atribuições às entidades especializadas, em curso, o IGAPE tem implementado um conjunto de práticas processuais e estratégias que visam garantir a manutenção e maximização do valor dos ativos, incluindo a adoção de ferramentas de monitoramento regular dos ativos mais eficientes e eficazes, revitalização de alguns negócios através da reestruturação e capitalização, assim como, assegurar uma gestão profissionalizada dos respetivos ativos.
Quais são as principais prioridades estratégicas do IGAPE para os próximos anos?
Para os próximos anos, em linha com o Plano de Desenvolvimento Nacional 2023-2027, elegemos as seguintes prioridades estratégicas: (i) Conclusão da Execução do Programa de Privatizações e (ii) Operacionalização do Roteiro para a Reforma do Setor Empresarial Público.
Com o processo de operacionalização do Roteiro para a Reforma do SEP, acompanhado com a conclusão do Programa de Privatizações, perspetiva-se a segmentação do universo das empresas do SEP em dois tabuleiros, sendo o primeiro composto por empresas públicas que prestam serviços públicos essenciais e, um segundo tabuleiro, composto por empresas comercialmente rentáveis, que visam na sua essência o lucro. As empresas que não forem enquadradas nos dois segmentos, terão dois possíveis destinos: privatização ou extinção.
No plano organizacional, o IGAPE está envolvido em tornar-se uma entidade de referência para as empresas do SEP, através da consolidação da sua estrutura de governança, organização interna e capacitação do capital humano, colocando o IGAPE à altura dos desafios existentes, na transformação da instituição em Sociedade Gestora de Participações Societárias do Estado.
Como o IGAPE pretende contribuir para o desenvolvimento económico sustentável de Angola?
O IGAPE, enquanto guardião do Setor Empresarial Público, pretende assegurar que as empresas públicas, através de uma gestão eficiente e transparente, produzam bens e prestem serviços de qualidade, num ambiente concorrencial, que contribuam para o crescimento do Produto Interno Bruto e constituam fontes de financiamento do Orçamento Geral do Estado, criando valor económico e social para o País.
Que mensagem gostaria de deixar aos stakeholders sobre o papel do IGAPE no futuro económico do país?
Os desafios decorrentes da atuação do IGAPE e, futuramente, da SGPS, são inúmeros e exigem a participação de todos os stakeholders, pelo que são todos convidados a participar, através dos canais disponíveis, na construção de um Setor Empresarial Público sólido e capaz de contribuir para futuro económico do País, criando um leque variado de oportunidades para os cidadãos e as empresas de iniciativa privada.
[1] Sobre este último, o Conselho de Normalização Contabilística de Angola foi, recentemente, autorizado pelo Fundação IFRS a traduzir as normas para a sua implementação