Com o lançamento da “Via Verde para a Imigração” pelo Governo, abrem-se novas perspetivas para facilitar a mobilidade e integração de imigrantes em Portugal. A Revista Pontos de Vista entrevista Núbia Nascimento Alves, advogada dedicada aos direitos humanos que abordará os desafios e oportunidades trazidos pela nova legislação, o impacto no acesso a direitos fundamentais e as implicações sociais e jurídicas para os grupos mais vulneráveis. O objetivo é compreender de que forma a “Via Verde para a Imigração” pode transformar a realidade de comunidades imigrantes e quais as responsabilidades do Estado e da sociedade civil na implementação desta política pública.
Qual a sua perspetiva sobre a “Via Verde para a Imigração” recentemente lançada pelo Governo?
A “Via Verde para a Imigração” é uma medida do Governo português que visa facilitar o recrutamento legal de trabalhadores estrangeiros ainda nos seus países de origem, através de um mecanismo mais célere, menos burocrático e mais eficiente de entrada em Portugal. Trata-se, portanto, de um instrumento de gestão migratória preventiva, através de emissão de visto para pessoas que já têm um contrato de trabalho, e não de regularização de imigrantes que já se encontram no território nacional em situação irregular.
Importa sublinhar que este protocolo não está acessível a todas as empresas indiscriminadamente. Apenas empregadores que comprovem o cumprimento de determinados requisitos legais — como o cumprimento de obrigações fiscais e contributivas, além da comprovação de um limite mínimo de volume de negócio anual — poderão beneficiar deste regime especial. A intenção é garantir que a medida não seja usada de forma abusiva e que os trabalhadores estrangeiros sejam integrados em contextos laborais dignos e regulares.
Vejo com bons olhos esta tentativa de ordenar e humanizar a política migratória portuguesa. A medida tem potencial para reduzir a exposição dos migrantes a redes informais e intermediários abusivos, promovendo uma entrada mais segura e estruturada no país. No entanto, é essencial que seja acompanhada por políticas de integração efetivas, para que não se limite a uma resposta economicista às necessidades do mercado de trabalho português.
Considera que esta medida poderá contribuir para uma maior integração social dos imigrantes? Quais os principais benefícios que identifica?
Sim, a medida pode ser um instrumento poderoso de integração social, sobretudo por incluir obrigações concretas por parte dos empregadores que aderem ao protocolo. As empresas e associações participantes comprometem-se a fornecer alojamento adequado, garantir o acesso a aulas de língua portuguesa, oferecer formação profissional e formalizar contratos de trabalho. Estes elementos são fundamentais para que a integração social não seja apenas teórica, mas se traduza em condições reais de dignidade e inclusão.
Estas exigências representam um avanço significativo, uma vez que abordam algumas das principais barreiras que os imigrantes enfrentam ao chegar ao país, criando um ambiente mais seguro e estruturado, o que é especialmente importante para mulheres imigrantes e famílias. Para muitas mulheres, a instabilidade documental é um fator que agrava a sua vulnerabilidade, perpetuando ciclos de dependência, precariedade e exclusão.
Ainda assim, será essencial monitorizar de perto o cumprimento desses compromissos, garantindo que as medidas previstas sejam efetivamente implementadas e fiscalizadas. A integração social não pode ser encarada como um “bónus”, mas como o eixo central de qualquer política migratória sustentável e justa.
Quais são os maiores desafios jurídicos e sociais que a implementação desta política pode enfrentar?
Os maiores desafios serão garantir a uniformidade na aplicação da medida, evitar discricionariedades e assegurar que todos os serviços públicos — como saúde, educação, apoio social e justiça — estejam preparados para atender de forma digna e culturalmente sensível. Há também a necessidade de garantir acesso à informação acessível, além de apoio jurídico e mecanismos eficazes de denúncia e proteção contra abusos.
Na sua opinião, a medida contempla de forma adequada as necessidades específicas de crianças e mulheres imigrantes? O que poderia ser melhorado?
Ainda há lacunas importantes. A medida foca na regularização, mas não detalha mecanismos específicos para proteger crianças e mulheres imigrantes, que requerem atenção diferenciada. As crianças devem ter acesso garantido à educação e saúde, independentemente da situação documental. Para as mulheres, é essencial que existam respostas eficazes de proteção social e jurídica, bem como ações de combate à violência, baseada no género. Seria positivo incluir cláusulas específicas de proteção contra abusos, violência e exploração laboral, e apoio direcionado para estes grupos mais vulneráveis.
Como vê o papel dos advogados e especialistas em direitos humanos na garantia de que esta medida não comprometa direitos fundamentais?
O nosso papel é fundamental. Atuamos como fiscalizadores da legalidade e defensores dos princípios constitucionais e dos tratados internacionais. É nossa responsabilidade assegurar que a aplicação da medida respeite os direitos fundamentais e que nenhuma pessoa seja tratada com base em critérios discriminatórios ou arbitrários. Também somos mediadores entre os imigrantes e o sistema, promovendo o acesso à justiça e contribuindo para o empoderamento jurídico destas comunidades através da implementação de uma cultura de confiança, acolhimento e justiça.
Que estratégias considera essenciais para garantir que esta política se traduza em melhorias efetivas na vida dos imigrantes?
Para além da regularização, é necessário um plano de integração efetivo, com ações concretas nas áreas da habitação, educação, emprego e saúde. A articulação entre entidades públicas, sociedade civil e comunidades imigrantes é essencial. Investir em formação de profissionais, criar canais acessíveis de comunicação com os imigrantes e apoiar iniciativas de acolhimento comunitário são algumas estratégias importantes. Também é essencial a criação de um organismo independente para fiscalizar a implementação da política.
Que impactos a longo prazo prevê para as comunidades imigrantes e para a sociedade portuguesa como um todo?
Se bem implementada, a “Via Verde para a Imigração” poderá gerar um impacto positivo profundo. Pode contribuir para a construção de uma sociedade mais justa, inclusiva e diversa, onde os imigrantes sejam reconhecidos como sujeitos de direitos e agentes ativos no desenvolvimento económico do país. A longo prazo, os benefícios refletem-se também na coesão social, com comunidades mais integradas e resilientes.
Contudo, a “Via Verde para a Imigração” só será verdadeiramente transformadora se estiver comprometida com a equidade. Isso significa escutar as vozes das mulheres imigrantes, garantir a proteção integral das crianças e adotar medidas que vão além da regularização documental — medidas que toquem a vida real, que empoderem, que criem pontes e que rompam com o ciclo de invisibilidade que historicamente marca estas populações.