Da Segurança Física à Segurança Psicológica – O Caminho para o Bem-Estar Organizacional

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Tendo em conta a comemoração do passado dia 28 de Abril do Dia Mundial da Saúde e Segurança no Trabalho, aproveitamos o mote aqui no espaço Happy Hub para fazermos  uma reflexão sobre o que significa “trabalho seguro” no século XXI. A segurança física continua a ser uma prioridade inegociável, mas há uma crescente consciência da importância da segurança psicológica como alicerce fundamental do bem-estar organizacional e da confiança interpessoal. Analisaremos como ambientes laborais que promovem a expressão sem medo, o erro como parte do processo de aprendizagem e a promoção de relações de confiança, contribuem não apenas para a saúde dos trabalhadores, como também para o bem-estar organizacional, a resiliência, inovação e o desempenho das organizações. Urge por isso alargarmos o conceito securitário para uma perspectiva mais holística, que abarque a segurança fisíca mas também a psicológica.

O Trabalho Seguro no Século XXI

O Dia Mundial da Saúde e Segurança no Trabalho, assinalado a 28 de Abril, surge como uma oportunidade anual para reflectirmos sobre os progressos e desafios na protecção da integridade física dos trabalhadores. Desde as primeiras regulamentações industriais no século XIX até à institucionalização de normas globais pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), a preocupação com acidentes de trabalho, exposição a riscos e condições ergonómicas adversas tem sido central.

Contudo, no século XXI, emergem novas ameaças à segurança laboral: o stress crónico, o burnout, o isolamento, o assédio moral, e a cultura do medo. Estes fenómenos, muitas vezes invisíveis e silenciados, têm impactos profundos na saúde mental e no desempenho profissional. Não é demais lembrar os resultados do estudo de 2023 do Laboratório Português de Ambientes de Trabalho Saudáveis que concluía que em Portugal “cerca de 80% dos trabalhadores tem pelo menos um sintoma de burnout” e “63% dos trabalhadores apresenta pelo menos três sintomas“[1].

A Organização Mundial da Saúde (OMS) reconhece a saúde mental no trabalho como uma prioridade global, e muitos países começam a legislar sobre este domínio.

Assim, não parece descabida que a ideia de “trabalho seguro” precise de ser reformulada. Não basta evitar acidentes; é preciso construir culturas de bem-estar onde cada trabalhador se sinta valorizado, ouvido e protegido. No nosso entender essa transformação passa, inevitavelmente, pela promoção da segurança psicológica.

Na verdade, a  Organização Internacional do Trabalho (OIT) recomenda, desde 2022, que os riscos psicossociais sejam integrados nos sistemas de gestão da saúde e segurança no trabalho. Isto implica que os planos de ação considerem indicadores adicionais como a perceção de justiça organizacional, a avaliação da frequência de comportamentos de exclusão ou discriminação ou a criação de processos e mecanismos como a existência de canais eficazes para denúncia de assédio moral.

A Segurança  Psicológica

Inicialmente definido por Edmonson, “a segurança psicológica existe quando as pessoas sentem que o seu local de trabalho é um ambiente onde podem falar, sugerir ideias e fazer perguntas sem medo de serem castigadas ou envergonhadas”[2]. Em contextos onde esta segurança existe, os colaboradores sentem-se confortáveis para partilhar ideias, levantar dúvidas, admitir erros e pedir ajuda sem medo de humilhação ou represálias. São por isso ambientes que promovem a criatividade, a prototipagem e o design thinking e acolhem o erro como um fenómeno natural do desenvolvimento, e essencial à aprendizagem e melhoria contínua. Neste tipo de contextos é ainda frequente encontrar ambientes de decisão partilhada e de co-criação, o que acaba por impactar positivamente os níveis de envolvimento dos colaboradores com a organização, bem como o nível de adopção de novos projectos ou mudanças.

O fundador da empresa IKEA, Ingvar Kamprad dizia “Only while sleeping one makes no mistakes. Making mistakes is the privilege of the active” (apenas quando dormimos é que não cometemos erros. Cometer erros é um privilégio dos activos). Ingvar referia-se ao erro como uma oportunidade de aprendizagem e de desenvolvimento, e portanto como um ingrediente importante para a criatividade e inovação, demonstrando por isso que não se trata de condescendência ou negligência do negócio, mas antes de investimento em curva de aprendizagem rumo à excelência.

Quando a segurança psicológica está ausente, instala-se um clima de silêncio defensivo, o presenteísmo tende a dominar, e os níveis de engajamento diminuem. Os erros não são relatados, as ideias ficam por dizer e instala-se a conformidade acrítica. Em contextos com baixa segurança psicológica o burnout e o stress ocupacional tendem a ser mais elevados, a par de aumentos na rotatividade (turn-over) e na frequência de conflitos interpessoais.

O burnout, classificado como fenômeno ocupacional pela OMS, tem sido associado a culturas organizacionais de exigência extrema, baixa autonomia e fraca sensação de apoio. A segurança psicológica surge aqui como um amortecedor do stress tóxico. Assim, é fundamental compreender a segurança psicológica não como um luxo, ou algo até que é opcional, mas antes como parte integrante da saúde e segurança no trabalho e algo que deverá ser obrigatório. Tal como fornecemos capacetes e equipamento de proteção, devemos oferecer espaços de escuta, de liberdade, equidade, empatia e validação emocional.

A liderança tem um papel insubstituível na construção de ambientes psicologicamente seguros. Enquanto que lideranças autoritárias geram medo e silêncio, lideranças empáticas e transparentes cultivam confiança e abertura.

Cuidar da saúde mental no trabalho não é apenas uma escolha estratégica, mas um imperativo ético. Organizações que ignoram o sofrimento psicológico dos seus trabalhadores comprometem não só a produtividade como a sua legitimidade social.

A segurança psicológica não se constrói apenas com políticas — ela nasce da prática quotidiana. Um dos caminhos mais eficazes para promovê-la é através de reflexão contínua por parte das lideranças. As perguntas que um líder se faz — e faz à sua equipa — moldam a cultura que se cria.

“Como posso mostrar que erro também?” Os líderes também são humanos, e por isso vulneráveis. A capacidade de um líder se vulnerabilizar perante as suas equipas é um sinal de imensa força, humanidade e empatia, e normaliza o erro como elemento essencial à aprendizagem.

“Quando foi a última vez que ouvi uma opinião contrária à minha — e agradeci por isso?” O exemplo de que é possivel e encorajado discordar da liderança é um forte indicador de segurança no grupo e um exemplo para todos na organização.

Microcomportamentos diários contribuem significativamente para a construção (ou destruição) de ambientes psicológicamente seguros. Seja interromper uma sugestão numa reunião, ignorar um comentário de forma explícita ou tácita através de linguagem corporal, ou pedir a um elemento sénior para fazer a nota de reunião (porque o elemento é uma mulher, porque tem uma neurodiversidade, ou porque é de outra raça, etc.). Estes microcomportamentos maioritariamente integrados na nossa sociedade, e consequentemente nas nossas organizações e salas de reuniões, têm um peso muito importante que é acumulativo. Em breve minam a confiança e os colaboradores simplesmente deixam de querer participar, para não passarem pela mesma situação. O engajamento diminui. Cada interação pode confirmar ou minar a percepção de segurança.

A segurança psicológica, para ser autêntica e eficaz, precisa ser equitativa. Isso significa garantir que todos os membros da organização, independentemente da sua identidade, tenham as mesmas oportunidades de contribuir, crescer e ser ouvidos. Só assim se constrói um verdadeiro sentimento de pertença.

Quando tal não acontece, destroi-se progressivamente a confiança em relação às lideranças e entre os pares. E a confiança é uma das variáveis importantes para o bem-estar.

Equipas com altos níveis de confiança são mais colaborativas, resilientes e inovadoras. Quando a confiança está presente, os conflitos são mais facilmente geridos e a divergência é vista como um recurso, não uma ameaça.

A confiança também reforça o compromisso organizacional. Colaboradores que confiam nos seus líderes demonstram maior engajamento, menor intenção de sair e maior disposição para contribuir para objectivos comuns.

Assim, fomentar a segurança psicológica é investir na infraestrutura invisível da organização: a confiança.

A liderança é, pois, o termómetro da segurança psicológica. É pela forma como os líderes escutam, acolhem e reagem que se constrói ou destrói a confiança, a segurança psicológica e, consequentemente, o bem-estar organizacional.

A efeméride de 28 de Abril convida-nos a reimaginar o que é um trabalho seguro. É hora de incluir a dimensão psicológica emocional e relacional nesta definição. Segurança psicológica não é apenas um ideal, mas uma condição necessária para organizações com sucesso, saudáveis, sustentáveis e inovadoras. É uma necessidade. Onde há segurança, há confiança. E onde há confiança, há futuro.

 

Nota: O artigo foi redigido sem observar o acordo ortográfcio que a autora não subscreve.

A Cátia Arnaut é a Fundadora e Chief Happiness Officer (CHO) da empresa Happyology – The Science of Happiness, uma organização que promove o bem-estar individual e das organizações através de serviços de formação e consultoria. Com um doutoramento na área do bem-estar, a Cátia assina o espaço Happy Hub onde mensalmente falamos de Felicidade Organizacional.

[1]  Gaspar, T., Jesus, S., Xavier, M., Dias, M. C., Machado, M. C., Correia, M. F., Pais Ribeiro, J. L., Areosa, J., Canhão, H., Guedes, F. B., Cerqueira, A. & Matos, M. G. (2023). Ecossistemas de Ambientes de Trabalho Saudáveis: Relatório 2022. Laboratório Português de Ambientes de Trabalho Saudáveis.

[2]  Edmondson, A. C. (2018). The fearless organization: Creating psychological safety in the workplace for learning, innovation and growth. Wiley. P.15

 

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