“É fundamental que haja mais informação e educação financeira sobre estes temas”

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No atual contexto económico, em que a estabilidade financeira de empresas e trabalhadores é mais relevante do que nunca, as recentes alterações às tabelas de retenção na fonte do IRS para 2025 surgem como um tema incontornável. A Revista Pontos de Vista conversou com Inês Maurício Lagarto, CEO e fundadora da ML Accounting and Business Solutions. Com uma visão clara e conhecimento profundo do tecido empresarial português, Inês Maurício Lagarto ajuda-nos a perceber o que muda, quem ganha e como tirar partido destas novas tabelas.

Qual é a sua opinião sobre as novas tabelas de retenção de IRS para 2025? Acredita que estas medidas terão um impacto significativo nos rendimentos líquidos dos trabalhadores e pensionistas?

As novas tabelas de retenção de IRS para 2025 procuram ajustar a carga fiscal de acordo com a atualização dos escalões, mas o impacto real nos rendimentos líquidos varia consoante o perfil de cada contribuinte. Para alguns trabalhadores e pensionistas, a redução da retenção pode traduzir-se num alívio imediato, mas para outros, pode resultar numa necessidade de acerto no final do ano. É essencial que cada pessoa faça simulações para perceber como estas mudanças afetam a sua situação específica. Além disso, é importante considerar que a redução da retenção na fonte não equivale a uma redução da carga fiscal, mas apenas a uma redistribuição ao longo do ano. Para quem não tiver um bom planeamento financeiro, esta alteração pode significar um impacto inesperado na liquidação do IRS. Outro fator a ter em conta é a diferença entre rendimento bruto e rendimento líquido, que nem sempre é bem compreendida pelos contribuintes, levando a falsas expetativas sobre o que efetivamente entrará na conta no final do mês.

 

A atualização dos escalões de IRS em 4,6% e o aumento do salário mínimo nacional para 870 euros são medidas positivas para os trabalhadores. Na sua perspetiva, que desafios estas mudanças poderão trazer para o tecido empresarial?

Sem dúvida que são medidas que ajudam a melhorar o poder de compra dos trabalhadores, mas para as empresas, especialmente as pequenas e startups, o aumento do salário mínimo pode representar um desafio na gestão de custos. Muitas empresas terão de reajustar os seus orçamentos e encontrar formas de manter a sustentabilidade financeira sem comprometer a competitividade. O impacto será maior em setores com grande dependência de mão de obra e margens reduzidas. Algumas empresas poderão ser forçadas a rever planos de contratação ou a reavaliar os seus preços para acomodar o aumento dos custos. Além disso, este ajuste pode levar a uma necessidade de renegociação de contratos com fornecedores e clientes, o que nem sempre é um processo simples ou imediato. Empresas que já operam com margens apertadas podem enfrentar dificuldades adicionais e, em casos extremos, até ponderar reduções de pessoal ou reestruturações para se adaptarem às novas exigências salariais.

 

Considera que estas alterações podem influenciar a capacidade económica dos trabalhadores de forma positiva? Que setores poderão ser mais beneficiados ou prejudicados?

A curto prazo, a injeção de mais rendimento disponível pode dinamizar setores como o comércio e os serviços. No entanto, se houver um aumento significativo da inflação, o efeito positivo pode ser diluído. Setores com elevada necessidade de mão de obra, como a restauração e o retalho, podem sentir uma maior pressão nos custos salariais. Por outro lado, áreas ligadas ao comércio eletrónico, tecnologia e consultoria podem beneficiar, pois muitas destas empresas conseguem ajustar os preços e oferecer serviços com margens mais flexíveis. Se a capacidade de consumo aumentar, setores como a habitação, bens de luxo e turismo poderão também beneficiar, desde que a confiança dos consumidores se mantenha elevada. O consumo de bens essenciais dificilmente sofrerá alterações bruscas, mas categorias como lazer e entretenimento podem ter oscilações conforme o impacto das medidas for sentido ao longo do tempo.

 

Muitos trabalhadores que fizeram simulações constataram uma possível diminuição das receitas face a 2024, ou até a necessidade de pagar ao Estado. Como interpreta este cenário? Acredita que há falhas na comunicação ou compreensão das novas tabelas?

Este é um ponto sensível. A estrutura das tabelas pode levar a perceções erradas sobre o impacto real da retenção na fonte. O que parece um alívio mensal pode resultar numa surpresa na liquidação anual do IRS. Muitas vezes, a comunicação das alterações não é clara o suficiente, e isso pode gerar confusão entre os contribuintes. É fundamental que haja mais informação e educação financeira sobre estes temas. Seria interessante que o Governo disponibilizasse um simulador mais intuitivo e promovesse campanhas de sensibilização sobre a importância da retenção na fonte e do planeamento fiscal pessoal. Também seria importante um maior acompanhamento por parte das empresas, promovendo ações internas de esclarecimento para que os colaboradores compreendam melhor como estas mudanças podem afetar o seu rendimento anual.

 

Com as eleições à vista, se houver uma mudança de orientação política no Governo, quais são as suas expetativas em relação à continuidade destas medidas fiscais? Poderá haver um retrocesso ou ajustes significativos?

As mudanças políticas podem sempre trazer ajustes fiscais. Se houver uma alteração na governação, poderemos assistir a revisões nos escalões, retenções e até deduções fiscais. No entanto, qualquer decisão dependerá da conjuntura económica e das prioridades do novo Governo. É provável que algumas medidas possam ser ajustadas para acomodar novas políticas fiscais, nomeadamente no que diz respeito à tributação de rendimentos mais elevados ou incentivos fiscais para empresas e famílias. Dependendo da linha ideológica do novo governo, poderemos ver um reforço do apoio às famílias ou um foco maior no alívio fiscal para as empresas. Em qualquer dos casos, a estabilidade fiscal será um fator determinante para garantir previsibilidade económica e confiança dos investidores e dos consumidores.

 

Na sua perspetiva, como os líderes e empresários poderão mitigar possíveis impactos negativos destas mudanças nas suas organizações?

O planeamento financeiro é essencial. As empresas devem rever orçamentos, otimizar processos e, se necessário, ajustar estratégias salariais. Apostar na eficiência e na digitalização pode ajudar a mitigar os custos acrescidos. Além disso, explorar os incentivos fiscais disponíveis, como apoios para formação e inovação, pode ajudar as empresas a equilibrar as contas e manter a competitividade no mercado. Outras estratégias incluem uma negociação mais eficaz com fornecedores, revisão de contratos e adoção de modelos de trabalho mais flexíveis para aumentar a produtividade sem necessidade de grandes aumentos salariais. O investimento em tecnologia e automação pode ser uma alternativa interessante para compensar eventuais aumentos de custos laborais.

 

Acredita que estas alterações podem desencadear um aumento na capacidade de consumo e, consequentemente, impulsionar alguns setores da economia? Que tipo de empresas poderiam beneficiar deste efeito?

Se os rendimentos líquidos aumentarem, o consumo pode crescer, beneficiando setores como o comércio, turismo e lazer. Os pequenos negócios também podem sentir um impacto positivo, já que mais rendimento disponível pode traduzir-se em maior procura pelos seus produtos e serviços. No entanto, este efeito pode ser condicionado pelo comportamento da inflação e pela perceção da segurança financeira dos consumidores. As empresas ligadas ao setor alimentar, saúde e bem-estar poderão também beneficiar, pois são áreas onde a procura tende a crescer com o aumento do rendimento disponível.

 

Que estratégias financeiras recomendaria para empresas e trabalhadores melhor se prepararem para estas mudanças?

Para empresas, aconselho uma análise detalhada dos impactos e a implementação de estratégias de eficiência financeira. Para os trabalhadores, recomendo um planeamento cuidado, poupança e acompanhamento da sua retenção para evitar surpresas na declaração de IRS. Também é importante considerarem alternativas de investimento e diversificação de fontes de rendimento para garantir maior estabilidade financeira. Criar um fundo de emergência (3-6 meses de despesas fixas mensais) e investir na educação financeira são passos fundamentais para garantir uma maior resiliência económica face a mudanças futuras.

 

Considera que a implementação destas medidas foi bem estruturada? Que sugestões faria para melhorar o impacto positivo e mitigar efeitos negativos?

A implementação das medidas pode ter sido bem-intencionada, mas a falta de uma comunicação mais clara e transparente pode dificultar a adaptação tanto das empresas como dos trabalhadores.

A complexidade das alterações fiscais e contabilísticas exige uma explicação mais detalhada e acessível, para garantir que todos compreendam os seus direitos, deveres e os impactos das mudanças. Para mitigar os efeitos negativos, seria fundamental promover a literacia financeira, através de programas de formação e materiais educativos, que ajudem todos os envolvidos a prepararem-se adequadamente e a tomarem decisões informadas. Além disso, um acompanhamento contínuo e canais de suporte acessíveis seriam essenciais para garantir que as adaptações ocorram de forma eficaz e sem grandes dificuldades.

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