A AP2H2 – Associação Portuguesa para a Promoção do Hidrogénio tem sido uma entidade-chave na dinamização do setor do hidrogénio verde em Portugal. Com mais de 20 anos de atividade, a Associação tem promovido o H2 renovável como um vetor energético sustentável através de iniciativas como conferências, workshops, publicação de informação especializada e gestão de plataformas de comunicação. Em entrevista à Revista Pontos de Vista, Campos Rodrigues, Presidente da AP2H2, analisa o atual panorama do hidrogénio em Portugal, os desafios e as oportunidades para a sua expansão e o seu impacto na transição energética do país.
A AP2H2 tem desempenhado um papel relevante para a promoção do setor do hidrogénio em Portugal. Pode apresentar um resumo dos principais projetos ou iniciativas da empresa nesta área?
A AP2H2 é uma associação com mais de 20 anos de atividade focada na promoção e divulgação do H2 renovável – H2(V) como vetor energético sustentável. Com este objetivo têm sido múltiplas as iniciativas que promovemos, destacando:
- Organização de conferências, workshops e seminários de debate sobre a economia e tecnologia do hidrogénio;
- Ações de formação/iniciação visando promover a literacia sobre o hidrogénio e a sua cadeia de valor;
- Publicação de informação relevante sobre o hidrogénio, através de vários suportes informativos (clip semanal, revista bimestral – H2Magazine, e Newsletter ) dirigida a uma Comunidade do Hidrogénio já com uma expressão significativa.
- Gestão de plataformas de comunicação/redes sociais – site (www.ap2h2.pt ), LinkedIn e Facebook nomeadamente.
- Realização de estudos relativos ao contributo do hidrogénio para a transição energética.
Na sua perspetiva, quais são os maiores desafios para a implementação de uma infraestrutura robusta de abastecimento de hidrogénio em Portugal?
O hidrogénio é uma matéria-prima com vários usos industriais, mas a sua valia energética tem sido pouco valorizada, apesar de ter um poder calorífico duas vezes superior ao do GN ou três vezes superior ao das gasolinas. Questões de natureza logística e de custos de produção explicam esta realidade. O H2(V) é um novo desafio para a economia do hidrogénio. Sendo um vetor energético chave para os objetivos da transição energética (sustentabilidade ambiental), a sua entrada no sistema energético a nível global é condicionada por vários fatores de que destacamos:
- A disponibilidade de fontes renováveis;
- A implementação de uma logística de distribuição, armazenamento e transporte;
- A adaptação dos processos ao nível do consumidor industrial e da mobilidade;
- Os custos de produção associados à presente fase de penetração no mercado.
Estes desafios são comuns à quase globalidade dos países industrializados e igualmente válidos para Portugal, com uma diferença significativa face à vantagem comparativa que o País tem para a produção de H2(V) relativamente à maioria dos países europeus.
O H2(V), associado ao investimento programado em fontes renováveis, pode representar a autonomia energética do País, ou mesmo passarmos a ser um País excedentário em energia, dando uma nova dinâmica à economia portuguesa.
Nessa perspetiva a AP2H2 está disponível em dar o seu contributo para a revisão da EN(H2) – na sequência da revisão do PNEC 2030 – que se espera saiba enquadrar as respostas necessárias aos desafios enunciados.
Que papel considerar que o hidrogénio pode desempenhar na transição energética dos transportes em Portugal, em especial no que diz respeito à redução de emissões de carbono?
O setor da mobilidade (nas suas várias formas) é o maior responsável pelas emissões de carbono a nível global. Parcialmente, a eletrificação é uma alternativa aos combustíveis fósseis, mas não é uma resposta universal. Mobilidade pesada (grandes distâncias), transporte aéreo e marítimo são segmentos em que a eletrificação não é a resposta adequada, abrindo espaço a outras alternativas, nomeadamente o hidrogénio.
O contributo deste vetor energético pode tomar diferentes formas:
- Substituição dos MCI (motores de combustão interno) por células de combustível, que podem hibridizar com os veículos a baterias, eliminando as limitações de autonomia destes (e reduzindo o seu peso);
- MCI a hidrogénio, incluindo o “retrofiting” dos motores atuais;
- Produção de combustíveis sintéticos renováveis em substituição dos combustíveis fósseis, solução particularmente relevante para os transportes marítimo e aéreo
Não haverá uma solução única. Várias soluções vão coexistir no futuro, podendo-se prever um quadro competitivo entre as diferentes tecnologias, esperemos que com vantagem para o consumidor.
A colaboração entre entidades públicas, privadas e centros de investigação tem sido fundamental para o avanço do hidrogénio em Portugal. Como avalia o impacto dessa colaboração nos resultados alcançados até agora?
O cluster tecnológico do hidrogénio em Portugal está ainda numa fase muito incipiente, sem prejuízo de iniciativas empresariais meritórias que, felizmente, foram surgindo. É de reconhecer o papel pioneiro do LNEG, FEUP, INEGI e IST no desenvolvimento e apropriação de tecnologia do hidrogénio, a que mais recentemente se têm vindo a associar outros centros de saber. O SCT focado no hidrogénio é reforçado com a criação do Laboratório colaborativo sediado em Sines, atualmente a dar os primeiros passos. Aguardemos as suas iniciativas e o seu posicionamento enquanto entidade de interface com a indústria, principalmente PME, para o podermos avaliar.
A economia do hidrogénio em Portugal decorre sobretudo da integração de soluções industriais e tecnológicas importadas, com reduzido valor acrescentado nacional (para além dos recursos naturais que aportamos aos projetos).
O reforço do cluster tecnológico nacional, para que a economia do hidrogénio se constitua como uma atividade de elevado valor acrescentado é crítico para uma especialização bem sucedida.
Que estratégias ou políticas públicas são consideradas essenciais para acelerar a adoção de veículos a hidrogénio e o desenvolvimento da infraestrutura necessária no país?
A ENH(2) na sua versão atual não valorizou a mobilidade como setor relevante para a penetração do H2 (apontava para 2040 e com incidência na mobilidade pesada). Igualmente os combustíveis sintéticos (renováveis) não constavam das prioridades do plano, muito focado na descarbonização da indústria e no blend com o GN. Esperamos que a avaliação e revisão da estratégia, já referida, venha alterar essas prioridades, dando à mobilidade o espaço que ela justifica, com as alternativas enunciadas anteriormente.
O que preconizamos? Sinteticamente:
- Criação de uma rede base de HRS, crítica para que as soluções de mobilidade (a H2) possam surgir (na prática dando cumprimento da diretiva AFIR). O estabelecimento de uma primeira rede pública, com apoios que podem ser concedidos pelo mecanismo de leilão, é uma iniciativa urgente e suscetível de ser financiada pelo Fundo de Modernização, recentemente lançado ou pela reprogramação das verbas do PRR alocadas a projetos de H2 em que os promotores se viram obrigados a desistir pela inoperância do processo regulamentar e de licenciamento.
- Lançamento de concursos para frotas piloto de várias tipologias: táxis, transportes coletivos, comboios, transportes de mercadorias de médio e longo curso, frotas logísticas empresariais.
- Criação de um mecanismo de apoio a veículos a H2 (elétricos e MCI) de particulares, à semelhança do já anteriormente realizado para os veículos elétricos a baterias.
- Aquisição de veículos a hidrogénio para a Administração Pública, em semelhança aos veículos a baterias.
Na sua opinião, qual será o papel do hidrogénio no mix energético português daqui a 10 anos, particularmente no setor dos transportes?
Num horizonte temporal de 10 anos estou convicto que o hidrogénio alcançou a paridade com os combustíveis fósseis. A substituição destes, sem riscos de penalização da fatura energética (indústrias e consumidores domésticos), pode-se acelerar.
As tecnologias estão testadas e demonstraram a sua maturidade, pelo que será de esperar numa fase de crescimento sustentado dos mercados do hidrogénio, nos seus vários domínios de aplicação.
Relativamente ao setor dos transportes a oferta comercial hoje é ainda muito limitada, em praticamente todos os segmentos. Mas, por sua vez os combustíveis sintéticos poderão acelerar a sua produção, criando uma alternativa aos combustíveis fósseis. Se a indústria das pilhas de combustível não der resposta, então poderá estar a correr o risco de perder uma oportunidade de mercado e ser remetida para nichos marginais de aplicações.
Que mensagem gostaria de deixar aos leitores da Revista Pontos de Vista sobre o potencial do hidrogénio para transformar os transportes em Portugal?
Já hoje o H2 renovável tem condições para competir com os combustíveis fósseis na mobilidade. Como exposto anteriormente, o hidrogénio renovável apresenta um conjunto de soluções alternativas que podem assegurar a transição energética. Vêm aí tempos desafiantes e o hidrogénio será um dos principais players na formatação do novo mix energético.