“Resiliência, perseverança e paixão: que esses sejam sempre os vossos alicerces”

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No cenário dinâmico da arquitetura e engenharia, o papel da liderança feminina tem ganha força e protagonismo, trazendo à tona novas formas de pensar, colaborar e construir. É com esse espírito que damos início à nossa conversa com Milva Maggioni, General Manager da PlayPlanet, cuja trajetória profissional é marcada pela inovação, gestão humanizada e uma visão clara sobre a importância da representatividade feminina em setores tradicionalmente dominados por lideranças masculinas. Nesta entrevista, Milva partilha a sua visão sobre o papel das mulheres na construção de ambientes mais colaborativos, o impacto do propósito na liderança contemporânea e como esses elementos se estão a tornar pilares da nova agenda dos líderes em 2025.

Quem é a Milva Maggioni em poucas palavras?

Filha de raízes italianas e portuguesas, sou uma otimista incurável, apaixonada por criar espaços onde todos possam brincar felizes. Fundadora da Play Planet, dedico-me com alma ao design inclusivo e sustentável de espaços públicos. Sonhadora, empreendedora e movida por propósito, acredito que a felicidade se constrói com criatividade, ação e boas energias.

 

Quais foram os marcos mais importantes do seu trajeto profissional até aqui?

O meu trajeto profissional foi marcado por uma curiosidade constante em aprender e ir mais além. Ainda durante a licenciatura em Arquitetura Paisagista, nos anos 90, inscrevi-me numa formação noturna de informática e sistemas de informação geográfica — algo bastante inovador à época. Era uma área emergente, e foi aí que aprendi a trabalhar com o AutoCad, numa altura em que poucos dominavam essas ferramentas. Esta formação revelou-se determinante: antes mesmo de terminar a licenciatura fui convidada por uma empresa de informática para dar formação em software como o LandCad, em diversas autarquias e ateliers, inclusive de alguns meus professores.

Depois da licenciatura, integrei dois ateliers de referência, onde tive o privilégio de aprender com profissionais brilhantes como o Arq. Eduardo Tomás e o Arq. João Ceregeiro. Aí aprofundei competências, tanto na área do ordenamento do território como no projeto de arquitetura paisagista. Mas o verdadeiro ponto de viragem surgiu quando fui recrutada para integrar uma empresa na área do mobiliário urbano e paisagismo, onde permaneci durante dez anos como diretora de departamento. Foi aí que me encantei pelo universo dos espaços de jogo e recreio, e pelo contato direto com a obra civil. Foram anos de entrega total onde tive a oportunidade de viajar, crescer, liderar equipas e fazer esse setor evoluir dentro da empresa.

Mas o marco absolutamente decisivo da minha carreira foi, sem dúvida, a fundação da Play Planet, em 2010. Uma decisão arrojada, ao lado de colegas que se tornaram amigas, um ato de coragem que muitos viram como tremendamente arriscado, mas que para mim foi libertador e cheio de sentido.

A vontade de criar, inovar e marcar a diferença, que esteve desde logo subjacente à criação da empresa, conduziu-nos ao lançamento da nossa marca Play in Art ®, em 2012, e ao desenvolvimento de peças de design únicas para o espaço público. Fomos pioneiras na criação de mobiliário urbano e de equipamentos infantis personalizados, com forte componente de design, criatividade e inovação, desafiando o modelo repetitivo e estandardizado que dominava o mercado. Essa visão diferenciadora foi, e continua a ser, um verdadeiro motor de transformação na indústria.

 

Qual foi o maior desafio enfrentado como mulher em cargos de liderança?

O maior desafio foi, sem dúvida, afirmar-me como mulher num setor historicamente dominado por homens, como é o da construção e do projeto. Desde cedo percebi que teria de provar muito mais do que os meus pares masculinos.

Na empresa onde trabalhei durante uma década, vivi episódios que hoje seriam considerados absolutamente inadmissíveis. As diferenças salariais entre homens e mulheres, em cargos idênticos, eram gritantes. Aí éramos incentivadas a tratar os nossos colegas por “senhor engenheiro” ou “senhor doutor”, enquanto nós mulheres, éramos sempre chamadas pelo nome próprio, e o nosso departamento referido como “o das meninas”, como se o nosso valor profissional estivesse diminuído pela idade ou pelo género. À chegada à fábrica, onde tínhamos de picar o ponto, era frequente ouvirem-se comentários deselegantes e até uivos. Chegaram a colar fotografias nossas nas paredes ao lado de posters de mulheres nuas. Era um ambiente profundamente machista, onde o respeito pelas mulheres estava longe de ser uma realidade, e pior, com a total conivência dos seus gestores e administradores.

Ao longo de todo o meu percurso tive de demonstrar, vezes sem conta, que não era apenas uma jovem comunicativa e simpática, mas alguém com conhecimento técnico sólido, capacidade de decisão e liderança.

Mesmo quando fundámos a Play Planet, uma empresa inicialmente constituída apenas por mulheres, éramos conhecidas no setor como “as meninas da Play Planet”. Passaram mais de 15 anos e, apesar de termos hoje uma equipa equilibrada em género, a referência permanece. Nunca ouvi alguém referir-se a uma empresa liderada por homens como “a empresa dos meninos”. Esta forma de tratamento revela bem o preconceito e a dificuldade que ainda existe em aceitar mulheres em posições de liderança — e não só em Portugal. É um fenómeno global, que se manifesta de formas mais ou menos subtis, mas que continua presente.

O mais difícil tem sido lidar com a constante necessidade de provar o nosso valor. Mesmo com mais de 25 anos de experiência, há sempre uma desconfiança inicial, como se a competência feminina tivesse de ser validada vezes sem conta. Lutar contra este preconceito exige força, resiliência e, acima de tudo, convicção de que liderar com ética, qualidade e visão não tem género.

 

Existe algum momento de mudança na sua carreira que considera ter sido decisivo?

Sim, houve um momento absolutamente decisivo na minha carreira: o dia em que, após 10 anos numa empresa onde tinha estabilidade, um salário razoável, carro da empresa e outras regalias, decidi apresentar a minha demissão para criar o meu próprio projeto. Foi um verdadeiro salto de fé, um ato de coragem e também de irreverência.

Sabia que estava a deixar para trás uma situação confortável, mas sentia uma necessidade profunda de me desafiar, de pôr em prática ideias que até então não tinham tido espaço, como o desenvolvimento de peças únicas e personalizadas, que mais tarde dariam origem à marca Play in Art®. Queria liberdade para criar, para inovar, para arriscar e também para construir algo com propósito e significado.

Mas esse passo foi também movido por uma tremenda insatisfação pela forma como as mulheres eram tratadas nesse ambiente. Senti que era hora de dar um exemplo às minhas duas filhas pequenas — de que vale a pena lutar pelos nossos sonhos, mesmo quando o caminho é incerto. Quis mostrar-lhes que podemos empreender com coragem, sem deixar que o medo dite o rumo das nossas vidas.

Claro que não foi uma decisão leviana. Sabia que haveria pedras no caminho, que poderia tropeçar. Mas também sabia que, se não arriscasse, me arrependeria muito mais do que se o fizesse e falhasse. Felizmente, não só não falhei, como hoje reconheço que foi a melhor decisão da minha vida profissional.

 

Qual é a principal lição que aprendeu ao liderar equipas multidisciplinares?

A principal lição que aprendi ao liderar equipas multidisciplinares é que o melhor de uma equipa é, de facto, a soma de todos nós. Cada pessoa traz consigo um olhar diferente, uma experiência distinta, e é nessa multiplicidade que reside a verdadeira riqueza de uma equipa. Gosto de pensar que, juntos, não somamos competências, multiplicamo-las.

Ao longo dos anos, percebi que os melhores projetos nascem muitas vezes de discussões acesas, de ideias trocadas num corredor ou num brainstorming inesperado. Às vezes é uma dúvida lançada por quem nem está diretamente ligado ao tema que nos faz repensar tudo e encontrar a solução certa.

Liderar uma equipa assim exige escuta, respeito, organização e foco, claro. Mas também exige confiança: confiar nos outros, na sua entrega, e permitir-lhes espaço para crescer. Acredito profundamente que ninguém faz nada verdadeiramente transformador sozinho. Precisamos uns dos outros — para nos complementarmos, para nos questionarmos e, acima de tudo, para nos superarmos. E essa tem sido, para mim, uma das maiores riquezas da liderança.

 

Como define liderança em 2025? O que mudou nos últimos anos?

Para mim, liderar em 2025 continua a ser, essencialmente, saber orientar e organizar o fluxo de trabalho de forma clara e eficiente. Mas mais do que isso, é agregar diferentes visões, escutar com atenção e humildade, e tomar decisões informadas e ponderadas, com base na experiência e no conhecimento coletivo. Liderar é dar o exemplo, para poder ser um exemplo — com ética, com presença e com uma visão humanista.

Nos últimos anos, intensificou-se a necessidade de líderes mais empáticos, flexíveis e com inteligência emocional. O contexto pós-pandemia, as crises sociais e ambientais, e a evolução digital acelerada mostraram que liderar hoje exige muito mais do que comando: exige escuta ativa, capacidade de motivar equipas em momentos difíceis, promover a resiliência e cultivar um ambiente onde todos se sintam valorizados.

Apesar disso, ainda sinto que há um défice de lideranças verdadeiramente inspiradoras, sobretudo a nível nacional e internacional. Falta humildade, respeito pelo próximo, e compromisso com a equidade e a diversidade. Muitos líderes continuam a assumir posturas de arrogância ou confronto, inflamando diferenças em vez de as integrar.

Por isso, acredito que a liderança que precisamos em 2025 é mais humana, colaborativa, justa e sensível ao impacto das suas decisões. Uma liderança que constrói, que une e que motiva pelo exemplo.

 

O que significa propósito no seu exercício de liderança?

Para mim, o propósito é aquilo que dá sentido à liderança — é o “para quê” que dá direção, consistência e sentido ao trabalho que fazemos. No meu exercício de liderança enquanto sócia maioritária e CEO da Play Planet, o propósito está profundamente ligado à capacidade de inspirar e orientar a equipa, promovendo um crescimento sustentável da empresa, com impacto positivo nas pessoas e na sociedade.

Claro que os resultados financeiros são importantes — o lucro é uma condição essencial para garantir estabilidade e continuidade. Mas o verdadeiro motor da minha liderança não é o lucro pelo lucro. Não me identifico com uma visão centrada exclusivamente na performance económica. O meu foco está em construir uma empresa sólida, humana, ética e profissional, onde todos se sintam valorizados, motivados e alinhados com uma visão de longo prazo.

O propósito traduz-se também na forma como trabalhamos: com responsabilidade, com paixão pelos projetos, com vontade de marcar a diferença no setor, e com o compromisso de deixar uma pegada positiva, tanto interna como externamente. O meu foco é criar uma empresa onde nos realizamos profissionalmente, onde somos reconhecidos pelo nosso esforço, e onde o sucesso é partilhado com todos os que o tornam possível. É esse sentido de missão partilhada que alimenta a cultura da Play Planet e que orienta as decisões estratégicas que tomo diariamente.

 

Que valores norteiam as suas decisões como General Manager da PlayPlanet?

Desde cedo, fui educada com uma forte consciência de valores como a honestidade, a dedicação, o respeito pelos outros e a importância do trabalho. Mais do que palavras, esses valores foram sempre vividos no dia a dia, um verdadeiro exemplo, e isso marcou profundamente a minha forma de estar, enquanto pessoa e enquanto líder. Quando fundei a Play Planet, foi natural que esses princípios se tornassem pilares da cultura da empresa.

Hoje, como General Manager, continuo a guiar as minhas decisões por uma base ética firme, onde a integridade, o profissionalismo e a responsabilidade são inegociáveis. Valorizo uma liderança humanista, assente na empatia, na escuta ativa e no respeito genuíno pelas diferenças. Acreditamos numa equipa diversa, inclusiva, e até pet friendly, onde cada pessoa conta.

Também defendemos um elevado padrão de competência, dedicação e compromisso com a qualidade em tudo o que fazemos. Estes valores não são apenas slogans, fazem parte da prática diária, da forma como nos relacionamos com os clientes, os parceiros e uns com os outros. São a base da nossa identidade e aquilo que sustenta as decisões estratégicas e operacionais da Play Planet.

 

Como estimula o senso de propósito nas suas equipas?

Acredito profundamente que ninguém consegue manter o foco, a motivação ou o seu próprio propósito se não se sentir visto, ouvido e valorizado. Por isso, o meu papel enquanto líder passa, antes de mais, por garantir que cada pessoa na equipa, desde a empregada da limpeza à administração, sabe que é importante, que o seu contributo é essencial para o funcionamento e sucesso da empresa.

Embora o propósito tenha sempre uma dimensão pessoal, procuramos construir um objetivo coletivo que una todos em torno de uma missão comum. Sou muito atenta à forma como tratamos cada elemento da equipa, independentemente do seu cargo, pois acredito que o verdadeiro caráter de uma liderança se revela na forma como nos relacionamos com quem está abaixo na hierarquia, e não apenas com os pares ou superiores.

Procuro criar um ambiente de trabalho familiar, descontraído e acolhedor, onde exista espaço para a escuta. Manter a humildade, praticar a justiça nas avaliações e decisões, e reforçar continuamente o sentido de pertença são, para mim, os principais caminhos para estimular o senso de propósito. Não é possível agradar a todos, mas é possível agir com coerência, respeito e humanidade.

 

Quais são os maiores mitos sobre liderança feminina que precisam ser desconstruídos?

Um dos mitos mais persistentes é o de que as mulheres, por serem mais emotivas, têm menos capacidade de decisão racional. Esta ideia alimenta a falsa crença de que, para liderar bem, uma mulher precisa comportar-se como a generalidade dos homens, eventualmente mais fria, séria ou distante. A verdade é que a empatia e a sensibilidade não são fraquezas, são competências valiosas, especialmente numa liderança que se quer humana, consciente e alinhada com os desafios contemporâneos.

Outro equívoco é pensar que a emoção compromete o foco. Na minha experiência, as mulheres líderes tendem a ser altamente dedicadas, estudam mais, ponderam melhor e assumem responsabilidades com um sentido de compromisso muito profundo. Muitas vezes, conciliam essas exigências com o papel de cuidadoras — como mães, filhas ou gestoras de lares — sem perder o rigor profissional.

Há também o estigma de que as mulheres são competitivas entre si, vingativas ou geradoras de ambientes tóxicos. Não reconheço esse retrato. Pelo contrário, vejo nas mulheres uma capacidade de escuta mais atenta, uma inteligência emocional mais desenvolvida e uma vontade genuína de construir, mesmo que isso passe por debates mais intensos. Prefiro sempre uma discussão frontal e honesta, onde há troca de ideias e crescimento mútuo, a uma falsa harmonia que silencia o que realmente importa.

Desconstruir estes mitos é essencial para que mais mulheres possam assumir posições de liderança sem terem de abdicar da sua identidade ou das qualidades que as distinguem. Precisamos de lideranças plurais, humanas e verdadeiras, e nisso, a liderança feminina tem muito a oferecer.

 

Qual é o papel da colaboração no desenvolvimento de projetos arquitetónicos e de engenharia de impacto?

A colaboração é absolutamente central no desenvolvimento de projetos arquitetónicos e de engenharia com verdadeiro impacto. Um projeto relevante exige uma visão holística, e é justamente na diversidade de saberes, experiências e sensibilidades que reside a sua força. Equipas multidisciplinares não só oferecem soluções mais seguras e eficientes, como também enriquecem a dimensão criativa do processo.

Na Play Planet, acreditamos profundamente neste modelo. É comum reunirmo-nos em equipa — arquitetos, engenheiros, designers, técnicos de obra — para pensar em conjunto a melhor abordagem para um projeto ou desafio. E, nesse ambiente de respeito mútuo, surgem ideias que, mesmo aparentemente inusitadas ou ousadas, ajudam a construir soluções mais inovadoras, funcionais e surpreendentes.

A colaboração, mais do que uma metodologia, é um valor que promovemos diariamente. Porque quando diferentes perspetivas se encontram com abertura e espírito criativo, o resultado final ganha em profundidade, originalidade e impacto real.

 

Como a colaboração pode fortalecer a inovação no setor?

A colaboração é, sem dúvida, um dos principais catalisadores da inovação. Quando reunimos pessoas com competências e visões diferentes, promovemos a troca de ideias, estimulamos a criatividade e abrimos espaço para soluções verdadeiramente originais. Muitas vezes, é na ousadia de propor algo aparentemente absurdo ou fora do comum que nasce uma ideia inovadora — e é precisamente essa dinâmica colaborativa que permite transformá-la em realidade técnica e concreta.

Na Play Planet, temos vivido essa experiência de forma muito evidente. A criação da nossa marca Play in Art® é um excelente exemplo disso. A colaboração entre arquitetos paisagistas, designers industriais, engenheiros e designers de comunicação deu origem a uma abordagem disruptiva, criativa e altamente personalizada, num setor que, durante anos, se manteve preso a soluções standard e previsíveis.

Dessa união de talentos nasceu uma nova linguagem de intervenção nos espaços públicos: desenhámos produtos únicos, criámos ambientes com novos materiais e introduzimos elementos interativos, inclusive como audiodescrição e odor, num universo até então estático e repetitivo. Esta mudança de paradigma, resultado direto da nossa colaboração interna e multidisciplinar, não só fez crescer a nossa empresa, como também trouxe um novo fôlego ao setor, a nível nacional e internacional. Fomos pioneiros e continuamos a inovar com base nesse espírito coletivo que tanto nos distingue.

 

Acredita que as lideranças femininas adotam um estilo de colaboração diferente? Em que sentido?

Sim, acredito que há diferenças no estilo de liderança entre homens e mulheres — embora seja sempre importante evitar generalizações, porque há muitas exceções. De forma geral, os homens tendem a ser mais pragmáticos, diretos e propensos ao risco, enquanto as mulheres, por norma, lideram com mais empatia, escuta ativa, ponderação e visão estratégica de médio e longo prazo.

Na Play Planet, a liderança feminina foi determinante para moldar uma cultura organizacional única, centrada na empatia e no cuidado com as pessoas. Um exemplo muito concreto disso é a criação, no nosso escritório, de uma sala dedicada aos filhos dos colaboradores. Um espaço pensado com afeto, equipado com secretárias, brinquedos, jogos e televisão, onde as crianças podem fazer os trabalhos de casa, brincar ou simplesmente estar enquanto os pais trabalham com tranquilidade. Este tipo de medida, ainda raro em PME, representa bem o ambiente inclusivo e humano que queremos cultivar.

Somos também uma empresa pet friendly, com dois gatos residentes e a minha cadela que nos acompanha diariamente. Acreditamos que um ambiente mais afetivo e próximo favorece a criatividade e o bem-estar — e isso, na minha opinião, reflete um estilo de liderança com traços fortemente femininos: integrador, acolhedor e relacional.

 

Pode compartilhar um exemplo prático onde a colaboração foi fundamental para o sucesso de um projeto?

Podia destacar inúmeros projetos, senão a maioria, desenvolvidos pela Play Planet. No entanto, escolho referir um dos primeiros e mais desafiantes: a praia artificial de Mangualde, concretizada em 2011, pouco mais de um ano após a criação da nossa empresa. Na altura, muitos consideraram o projeto impossível, mas acreditei desde o início que, com espírito cooperativo e união de esforços, conseguiríamos ultrapassar todos os obstáculos.

O desafio era ambicioso: projetar e construir, em apenas 90 dias, uma praia artificial com 22.500m², junto ao monte de Nossa Senhora do Castelo. A Play Planet assumiu o projeto em regime de Design & Build, sendo responsável tanto pelo desenvolvimento das especialidades técnicas, como pela construção da maioria das infraestruturas e pela coordenação geral da obra.

O projeto incluiu um areal com 11.000m² e 6.500 toneladas de areia, uma piscina de 60 metros com quase um milhão de litros de água salgada, restaurante com 120 lugares, cinco balcões de “fast food”, dois bares de praia, cinco tasquinhas, um edifício VIP com terraço, várias lojas, parque infantil, palcos para espetáculos, vigia para nadador-salvador, uma área “Beach Lounge” com camas de Bali, zonas verdes, decoração e apoio à dinamização de eventos.

Tudo isto foi possível graças a uma colaboração sólida entre todos os intervenientes: arquitetos, paisagistas, engenheiros, gestores e operacionais. Em tempo recorde, sem derrapagens orçamentais nem de calendário, cumprimos o objetivo. A praia foi inaugurada na data prevista, e provámos que, com planeamento rigoroso, trabalho árduo e, sobretudo, uma equipa unida e motivada, nada é impossível.

 

Como garante que equipas diferenciadas colaborem de forma eficaz?

Comunicação, comunicação e mais comunicação. Essa é a base de tudo. E, claro, respeito mútuo. Quando há abertura para ouvir e consideração pelo outro, tudo se torna mais fluido e produtivo.

Na Play Planet cultivamos ativamente o espírito de equipa. Incentivamos a partilha, promovemos um ambiente de respeito e mantemos canais de comunicação sempre abertos. Tenho, literalmente, a porta aberta — estou sempre disponível para ouvir, apoiar e ajudar os colaboradores no que precisarem. Acredito que equipas motivadas e bem conetadas são a chave para resultados verdadeiramente diferenciadores.

 

O que a diversidade agrega às decisões estratégicas em arquitetura e engenharia?

A diversidade agrega consistência, estimula a criatividade e aumenta significativamente as probabilidades de sucesso de um projeto. Ter na mesma equipa diferentes experiências, formações e sensibilidades permite-nos ver mais longe, pensar de forma mais abrangente e encontrar soluções mais eficazes e inovadoras.

Na Play Planet, a diversidade não é apenas valorizada, é essencial. À medida que crescemos, fomos também ampliando a variedade de competências e especialidades dentro da equipa, o que nos permitiu alcançar objetivos cada vez mais ambiciosos.

Um bom exemplo disso foi a decisão estratégica de integrar serviços de construção civil. No início, recorríamos à subcontratação, o que nos limitava — dependíamos de terceiros que nem sempre correspondiam ao nosso padrão de qualidade. Por isso, decidimos internalizar essa valência, contratando diretores de obra, encarregados e técnicos especializados. Esta diversificação de perfis fortaleceu a nossa autonomia, aumentou a eficiência e garantiu um maior controlo e rigor em todas as fases do projeto.

 

Que mudanças estruturais acredita serem necessárias para ampliar a equidade no setor?

A mudança mais difícil — e mais urgente — é a das mentalidades. O machismo continua profundamente enraizado na nossa cultura e está presente, em maior ou menor grau, em praticamente todo o mundo. Por isso, o primeiro passo é a educação: formar meninas e meninos desde cedo para a equidade, ensinando o que ela significa e como a podemos, todos, construir.

É também fundamental abrir verdadeiramente o mercado de trabalho a pessoas com deficiência, reconhecendo as suas competências e avaliando-as com base no mérito, e não na diferença. Na Play Planet, temos tido o privilégio de integrar colaboradores com deficiência auditiva nas nossas equipas de montagem e instalação, os quais foram contratados pelas suas capacidades, não pela sua condição. E é com orgulho que reconhecemos quanto temos aprendido com essa diversidade.

Lamento que ainda seja necessário legislar sobre o que deveria ser uma prática natural, como acontece com as quotas de inclusão ou a Lei da Paridade. Mas se essas leis forem o caminho para acelerar a mudança, então que venham. O objetivo final deve ser sempre o mesmo: construir uma cultura de mérito, onde as oportunidades sejam dadas a quem está mais bem preparado, independentemente do género, da idade ou de qualquer outro fator que não o talento e a competência.

 

Como os líderes podem atuar de forma mais ativa na construção de ambientes realmente inclusivos?

Começando por dar o exemplo. Palavras sem ação são apenas ruído. Um líder verdadeiramente inclusivo age com coerência, trata todas as pessoas com o mesmo respeito e humanidade, e não faz distinções baseadas em estereótipos, preconceitos ou condescendência.

Criar um ambiente inclusivo passa por dar oportunidades reais a todos, sem filtros, e garantir que essas oportunidades são acompanhadas de um tratamento justo, digno e natural. Mais do que colocar a inclusão na agenda, é preciso vivê-la no dia a dia, com pequenas e grandes decisões. Só assim conseguimos, de facto, mudar o ambiente de trabalho e construir equipas mais fortes, humanas e representativas.

 

Já enfrentou resistência por ser mulher em contextos maioritariamente masculinos? Como lidou com isso?

Sim, incontestavelmente, e desde sempre. E nem sempre por parte de homens. Também há mulheres que, influenciadas por padrões sociais enraizados, acabam por reforçar o machismo, acreditando que o homem é, por natureza, o líder mais legítimo.

A verdade é que, enquanto mulher, somos constantemente obrigadas a provar o dobro da competência. É uma luta diária, transversal a qualquer contexto. Se és bonita, assumem que não podes ser inteligente. Se és inteligente, tornas-te uma ameaça — podes expor fragilidades, ocupar espaços, desafiar o status quo.

Ao longo da minha carreira, enfrentei resistência vezes sem conta, seria impossível enumerá-las todas. A nossa competência é subvalorizada, somos rotuladas de “emocionais”, tratadas com desconfiança, hostilizadas, ou simplesmente preteridas. No início da Play Planet, sentimos esse preconceito de forma clara: fomos discriminadas em processos de financiamento, apenas por sermos uma equipa exclusivamente feminina a atuar num setor tradicionalmente masculino. Esta perceção chegou a ser-nos confirmada por decisores envolvidos.

Houve até situações caricatas, como quando tivemos de pedir a um familiar, um homem mais velho e de “voz grossa”, para cobrar clientes mal pagadores, pois percebemos que não éramos levadas a sério, mesmo estando certas e a exigir o que nos era devido.

Como lidei com tudo isto? Com trabalho, trabalho e mais trabalho. Com profissionalismo, autenticidade e uma couraça construída pela experiência. Aprendi a manter-me firme, a confiar na minha capacidade e a não recuar perante ambientes hostis ou injustos. Continuo a lutar todos os dias por um setor mais justo e equitativo, com muita resiliência.

 

Que conselhos daria a empresas que querem fortalecer a liderança feminina?

O primeiro passo é dar oportunidades reais, sem condescendência, paternalismo ou preconceitos. O talento não tem género, e só num ambiente verdadeiramente equitativo é possível que a liderança feminina floresça.

É fundamental criar uma cultura de mérito, onde todos partem do mesmo ponto de partida e são avaliados pelo seu trabalho, pela sua dedicação e pela sua capacidade de liderar e inspirar equipas.

Na Play Planet, nunca promovemos ninguém pelo género, mas sim pela consistência dos atos, pela competência técnica e pela capacidade organizacional e humana. Um bom líder não é apenas um bom técnico — tem de saber orientar, motivar e cuidar da sua equipa.

Quando as condições são justas e transparentes, a liderança feminina surge naturalmente, e enriquece profundamente a organização.

 

Qual é sua visão para a arquitetura e engenharia nos próximos 10 anos?

Vejo um setor cada vez mais orientado para a criatividade e a inovação, com soluções que sirvam verdadeiramente as pessoas, que é, afinal, o propósito maior da arquitetura e da engenharia.

A transformação tecnológica, com a crescente integração da inteligência artificial, vai inevitavelmente moldar o futuro da profissão. Estas ferramentas já são, hoje, uma realidade e, nos próximos anos, vão trazer grandes oportunidades: maior eficiência, rapidez na recolha e análise de dados, e apoio na tomada de decisões mais informadas. No entanto, também vejo desafios. Existe o risco de uma certa impessoalidade e da criatividade humana ficar condicionada por soluções automáticas, o que pode empobrecer a originalidade dos projetos.

Acredito também que, nos próximos 10 anos, os valores da sociedade vão continuar a evoluir, influenciados por questões como as alterações climáticas, a escassez de recursos e as novas dinâmicas sociais e geopolíticas. Isso exigirá de nós uma arquitetura e engenharia mais consciente, ecológica e sustentável, atenta ao planeta, às comunidades e ao bem-estar coletivo.

Mais do que nunca, precisaremos de profissionais com visão, sensibilidade e responsabilidade para projetar espaços habitáveis e inspiradores.

 

Que temas emergentes acredita que vão pautar a liderança no setor em 2025 e nos anos seguintes?

Acredito que a sustentabilidade e a ecologia serão temas centrais na liderança do setor, de forma incontornável. Mais do que uma tendência, trata-se de uma necessidade urgente que está a ganhar força não só entre os profissionais, mas também nas comunidades. A nova geração está especialmente sensibilizada e informada sobre estas questões, muito mais do que a nossa esteve no passado. Práticas que antes pareciam exceções, como a reciclagem ou a preocupação com o consumo de recursos, são hoje hábitos enraizados nos jovens.

Esse olhar mais consciente será, sem dúvida, transportado para o mundo profissional, moldando líderes mais atentos ao impacto ambiental das suas decisões, e servindo uma população igualmente mais exigente e informada.

Na Play Planet, procuramos desde sempre alinhar a nossa atuação com esses valores. Privilegiamos materiais duráveis, soluções de economia circular e optamos, por exemplo, por pavimentos menos impermeabilizantes, promovendo a drenagem natural dos solos. A qualidade dos produtos e dos materiais, para nós, não é apenas uma exigência técnica, mas uma condição essencial para a sustentabilidade, pois aumenta a durabilidade e reduz o desperdício.

O futuro da liderança no setor passará por este compromisso firme com o ambiente, não como retórica, mas como prática diária e estratégica.

 

Quais são os desafios e oportunidades que as novas gerações de líderes de mulheres devem abraçar?

As novas gerações de líderes mulheres têm diante de si o duplo desafio, e a imensa oportunidade, de exercerem a sua liderança de forma autêntica, livre de estereótipos e limitações. Devem assumir o seu papel com confiança, sendo donas do seu caminho e da sua voz, trazendo consigo valores profundamente humanos: a empatia, o respeito, a escuta ativa, a sensibilidade e o compromisso com o bem comum.

Acredito que o mundo precisa, e beneficiaria imensamente, de mais mulheres em cargos de topo, tanto nas empresas como nos governos. Com mais mulheres no poder, talvez se construíssem mais pontes do que muros. Talvez se optasse mais pela diplomacia do que pela imposição. E talvez, com um olhar mais plural e inclusivo, conseguíssemos avançar rumo a um futuro mais equilibrado, justo e pacífico.

 

Que mulheres (atuais ou históricas) inspiram ou inspiraram a sua caminhada?

Em primeiro lugar, as mulheres da minha família. A minha avó Maria Helena, por exemplo, era uma pianista e pintora de enorme talento e sensibilidade, mas viu-se forçada a deixar os seus sonhos em segundo plano para acompanhar o meu avô nos seus destacamentos militares. A sua história marcou-me profundamente, ensinou-me a importância de não adiar o que nos apaixona, de não viver com o peso dos “e se…”. Ela inspirou-me a perseguir os meus sonhos com convicção.

A minha mãe foi outra grande referência. Professora dedicada, autora de vários livros e gramáticas de inglês, sempre conciliou a vida profissional com inúmeros projetos pessoais. A sua disciplina, resiliência e brio profissional ensinaram-me a dar sempre o meu melhor, a não desistir perante as dificuldades e a acreditar que o trabalho bem feito é, por si só, uma forma de expressão e realização.

Também histórias da minha bisavó, uma mulher extremamente culta, carismática e determinada, alimentaram em mim a noção de que a força feminina atravessa gerações, mesmo quando não é visível à primeira vista.

No plano internacional, admiro profundamente a Frida Kahlo. Mais do que pelas suas obras, admiro-a pela forma como transformou a dor em arte, pela sua coragem, resiliência e obstinação. A sua vida é um hino à superação, qualidades que, para mim, estão no cerne da verdadeira liderança.

 

Gostaria de deixar uma mensagem final para as mulheres que sonham transformar o mundo através da arquitetura e engenharia?

Acreditem em vocês mesmas. Alimentem a vossa autoestima com conhecimento, dedicação e coragem. Sigam os vossos sonhos com firmeza, mesmo quando tudo à volta parecer um desafio. Nem sempre o caminho será fácil, muitas vezes teremos de provar mais, de resistir mais, de lutar mais. Mas é exatamente aí que reside a força transformadora da nossa presença.

A arquitetura e a engenharia têm o poder de mudar o mundo, de o tornar mais justo, mais belo, mais funcional, mais humano. E o vosso olhar, a vossa sensibilidade, a vossa visão, são fundamentais nesse processo.

Resiliência, perseverança e paixão: que esses sejam sempre os vossos alicerces

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