Setor da Cerâmica e do Vidro de braço dado com o Hidrogénio Verde

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Nesta edição, damos destaque a Inês Rondão, Coordenadora Técnica de Projetos de Investigação e Desenvolvimento (I&D) no CTCV – Centro Tecnológico da Cerâmica e do Vidro. Com uma vasta experiência no desenvolvimento de soluções inovadoras para a indústria, Inês partilha connosco a sua visão sobre o papel do hidrogénio verde em Portugal e a perspetiva do CTCV quanto ao futuro energético sustentável. Uma conversa esclarecedora sobre desafios, oportunidades e o caminho a seguir rumo à descarbonização da indústria.

Qual é a relevância do hidrogénio para a estratégia de descarbonização e sustentabilidade apoiada pelo CTCV?

O CTCV enquanto entidade do sistema científico nacional e centro de tecnologia e inovação, tem como missão apoiar as empresas dos seus vários setores de atuação na adoção de tecnologias inovadoras, apoiando a tomada de decisões estratégicas de forma informada e sustentada em conhecimento técnico científico relevante. É neste sentido que o CTCV tem vindo a desenvolver conhecimento nas tecnologias de descarbonização aplicáveis a estes setores, onde a utilização de hidrogénio verde, enquanto alternativa energética sustentável, tem vindo a ser estudada e desenvolvida.

 

De que forma parcerias entre o CTCV e outras entidades pode alavancar o uso do hidrogénio verde em Portugal?

O desenvolvimento de parcerias, como a promovida no âmbito da Agenda Mobilizadora Ecocerâmica e Cristalaria de Portugal, do PRR, que engloba fornecedores de tecnologia, como construtores de fornos e empresas especializadas em infraestruturas e distribuição de gases renováveis, industriais dos setores da cerâmica e do vidro e também com centros de investigação e desenvolvimento, tem-se mostrado fundamental para o CTCV desempenhar o seu papel de vigilância tecnológica. No caso do estudo da introdução de hidrogénio como combustível no processo de produção de cerâmica e de vidro, estas parcerias são relevantes para as empresas destes setores que, através da rede de parcerias do CTCV, reforçam o seu conhecimento tecnológico, evoluindo no sentido da sua adequação tecnológica aos desafios que este novo combustível traz ao processo produtivo. A colaboração com universidades e centros de investigação tem sido fundamental para a compreensão dos efeitos causados pela alteração de combustível, sendo exemplo as alterações ao nível da chama e das propriedades dos materiais produzidos com este combustível.

 

Quais os desafios enfrentados pelas indústrias portuguesas, incluindo o setor cerâmico, na adoção de tecnologias baseadas em hidrogénio?

A transição para uma economia descarbonizada levanta um conjunto de desafios para estas indústrias, quer ao nível económico quer produtivo. A adoção de tecnologia baseadas no hidrogénio representa logo à partida um investimento na adaptação das infraestruturas de gás e de tecnologias de queima. O impacto ao nível do produto é ainda alvo de estudo, tendo o CTCV contribuído para a desmistificação do efeito do vapor de água gerado na queima de hidrogénio sobre as propriedades dos materiais cerâmicos. Contudo, existe ainda trabalho a desenvolver relacionado com o efeito nos materiais refratários e de mobília de forno.

 

Existem necessidades específicas de adaptação tecnológica no setor cerâmico para se alinhar com as tendências do uso de hidrogénio?

As tecnologias de hidrogénio têm evoluído bastante nos últimos anos devido à identificação de um crescente número de requisitos técnicos resultantes da aplicação deste vetor energético a nível industrial. Exemplo disso, nos queimadores industriais, é recente a disponibilização de equipamentos certificados para queima de 100% de hidrogénio, sendo apenas possível, até ainda há muito pouco tempo, a queima de misturas de até 50% em volume deste gás com gás natural. Em termos de certificações de segurança das instalações de gás, quer para hidrogénio puro, quer para a utilização em mistura com gás natural, verifica-se um vazio regulamentar no que toca a instalações dedicadas. O CTCV tem vindo a identificar, em conjunto com os seus parceiros, as necessidades de regulamentação, implementando nas suas instalações as melhores práticas disponíveis.

 

Como o custo do hidrogénio em Portugal afeta indústrias com alto consumo energético, como a cerâmica e o vidro?

Atendendo a que o hidrogénio não é uma fonte de energia primária, ou seja, não é possível obtê-lo diretamente na natureza como acontece com o gás natural, o seu custo será sempre mais elevado. Em indústrias energeticamente intensivas como a cerâmica e o vidro, onde o preço da energia representa a maior parcela dos custos de produção, o custo acrescido do hidrogénio verde é apenas atenuado pela redução nos custos com licenças de emissão de CO2. O elevado peso dos custos com energia e a obrigatoriedade de alinhamento com as políticas europeias para a descarbonização destas indústrias traz à discussão a necessidade de apoios ao OPEX destas empresas, que veem os seus investimentos nesta área serem impulsionadas pelas políticas públicas, mas que em termos de operacionalização da mudança se veem estranguladas pelos elevados custos das energias “limpas”.

 

Quais são os principais desafios para integrar o hidrogénio no setor industrial?

Os desafios de introdução de hidrogénio a nível industrial são distintos no setor da cerâmica e no do vidro, pese embora a origem seja comum e serem dois setores energeticamente intensivos. Na cerâmica, o impacto no produto, nomeadamente em temos de caraterísticas técnicas e de cor do produto final, foi das primeiras preocupações a surgir, seguido das preocupações com o tempo de vida dos materiais refratários que constituem os fornos, bem como sob a mobília de forno, especialmente relevante nos setores da cerâmica utilitária e decorativa que utiliza elevadas quantidades destes materiais no seu processo de cozedura.

No caso do vidro, o impacto começa logo sobre as propriedades do vidro fundido. Neste setor, a eletrificação parcial do processo de fusão é já uma prática mais ou menos comum, com diferentes taxas de eletrificação que dependem muito do momento de investimento tecnológico em que o forno foi instalado. Contudo, os fornos mais recentes já permitem a incorporação de até 80% de componente elétrica, não obstante a combustão aparentar ter um papel relevante no processo de fusão e de ajuste das propriedades do vidro fundido, nomeadamente na afinação do vidro. A componente remanescente da potência de combustão necessita ser descarbonizada e é neste campo que o hidrogénio surge como alternativa descarbonizada. A utilização deste combustível, resulta num aumento da concentração de vapor de água no forno. Este vapor de água pode não só reagir com o fundido, mas também com os vapores gerados no mesmo, formando espécies que podem atacar quimicamente os refratários do forno. A magnitude destas interações não é ainda totalmente conhecida, estando os diferentes intervenientes no desenvolvimento e aplicação destas tecnologias a trabalhar para avaliar e dar resposta a estes impactos.

 

Há iniciativas específicas do CTCV para fomentar projetos-piloto ou a partilha de boas práticas no uso de hidrogénio?

O CTCV tem vindo a desenvolver um conjunto de ações que pretendem capacitar estes setores para uma transição energética com impactos mínimos na produtividade das empresas. Realizando vigilância tecnológica, identificando tecnologias que viabilizem a descarbonização destes processos, sem alteração das propriedades e caraterísticas dos produtos de cerâmica e vidro, idealmente com um mínimo de impacto na capacidade produtiva instalada. Complementarmente a esta vigilância, o CTCV tem vindo a realizar testes à escala laboratorial e pré-industrial sobre a utilização de hidrogénio na cozedura de cerâmicos, avaliando o desempenho energético e as emissões gasosas geradas, fazendo o contraponto com o estado da arte atual (combustão de gás natural) e também com a tecnologia eletrificada. Não foram registados impactos significativos nas propriedades dos materiais produzidos com a incorporação de até 50% em volume de hidrogénio.

 

Que mensagem o CTCV gostaria de transmitir aos decisores políticos, empresários e à sociedade sobre a importância do hidrogénio como pilar estratégico para uma economia sustentável e descarbonizada?

Embora tendo especificidades distintas, as indústrias da cerâmica e do vidro estão confrontadas com necessidades prementes de descarbonização dos seus processos. Estas necessidades decorrem das metas impostas pelas políticas nacionais e europeias, como é exemplo o Roteiro para a Neutralidade Carbónica 2050. O hidrogénio verde tem sido apontado como uma das fontes de energia renovável mais viáveis para a descarbonização destas indústrias. Ultrapassada a fase de validação tecnológica da sua introdução nos processos produtivos, estas indústrias veem-se confrontadas com duas questões fundamentais: por um lado a disponibilidade de hidrogénio em quantidade suficiente nas empresas para abastecer os seus processos; por outro, a elevada indefinição sobre o possível custo de introdução desta nova fonte de energia como verdadeiro substituto do gás natural. Sendo certo que, tipicamente, a introdução de tecnologias mais disruptivas nos processos só é viabilizada, numa fase inicial, com o financiamento dos custos de operação, no caso do hidrogénio, o cenário não deverá ser muito diferente. Ou seja, se a dificuldade de introdução do hidrogénio poderá não estar na fase de investimento (onde se pode assumir que existe financiamento quer nacional quer europeu), será nos custos de operação que deverá residir a viabilidade da introdução definitiva do hidrogénio nos processos industriais das indústrias da cerâmica e do vidro.

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