Num mundo em constante reinvenção, onde o design de interiores ultrapassa a mera estética para se tornar expressão de identidade, bem-estar e transformação, a liderança feminina ganha cada vez mais destaque. No centro dessa nova agenda para 2025 está a escuta sensível, a visão estratégica e o propósito como guia das decisões criativas. Raquel Rossetto, fundadora da RR Design Interiores, representa esta nova geração de líderes com um percurso internacional notável — do Brasil aos Estados Unidos, até Portugal — e uma filosofia de trabalho que une cultura, sensibilidade e inovação. Nesta entrevista exclusiva, Raquel partilha à Revista Pontos de Vista a missão do seu atelier, os desafios que enfrentou como mulher empreendedora, e os valores que considera inegociáveis na sua forma de liderar e criar.
Qual é a missão da RR Design Interiores e como tem evoluído nos últimos anos?
O nosso atelier sempre teve como missão acrescentar qualidade de vida, bem-estar e soluções diferenciadas aos nossos clientes. A ideia é sempre transformar o comum em algo genial — seja numa decoração básica ou extremamente arrojada, independentemente do tipo e da dimensão do projeto.
A RR Design nasceu no Brasil, em São Paulo, no ano de 2002. Estávamos determinados a trabalhar de forma diferenciada e especializámo-nos no mercado corporativo, afunilando o foco para a arquitetura e decoração no setor imobiliário — um segmento ainda pouco explorado na altura. Analisámos cada ponto forte e fraco, criámos novos produtos e métodos para destacar cada projeto e atrair a atenção necessária.
Em 2009, com a minha mudança para os Estados Unidos, na Florida, foi necessário traçar novos horizontes e explorar outro tipo de mercado. O nosso briefing precisou de ser adaptado e passámos a atuar em home staging. Apesar de continuarmos a desenvolver projetos residenciais completos, com acompanhamento de obra e serviço de “chave na mão”, decidimos ir além da preparação do imóvel para venda — o objetivo era potenciar cada espaço e surpreender tanto o cliente como o comprador. Elevar cada ambiente tornou-se o nosso lema.
Mais uma mudança de país surgiu no meu percurso e, assim, chegámos a Portugal em 2016. De repente, uma nova cultura, um novo mercado e novos tipos de clientes para conquistar. Equilibrar tradição e renovação foi o grande desafio. Trabalhar em Portugal é mergulhar na história e adaptar espaços antigos a um estilo de vida contemporâneo. A estética portuguesa valoriza, mais do que em qualquer outro lugar onde trabalhei, a autenticidade e uma elegância discreta.
Com o mercado imobiliário em expansão, rapidamente nos alinhámos ao ritmo do país. Os nossos clientes — na sua maioria estrangeiros — procuravam praticidade, beleza, equilíbrio e harmonia. Para eles, tudo era novo também. O nosso papel era transformar essa transição em algo belo e acolhedor, conciliando a cultura do cliente com a identidade do imóvel. O desafio, enquanto profissionais de interiores e decoração, era captar essa emoção, entender a bagagem cultural do cliente e criar uma ponte entre mundos, hábitos e referências estéticas, inserindo tudo isso na atmosfera portuguesa.
Três mundos — e uma imensa riqueza de referências e experiências.
Como mulher empreendedora no setor do design de interiores, que desafios enfrentou e como os superou?
Enfrentei desafios que iam muito além das questões técnicas ou criativas. O principal foi reinventar-me em diferentes contextos — mudar de país, começar do zero em novos mercados, construir redes de contato em culturas distintas e, ao mesmo tempo, manter a minha identidade profissional e pessoal.
O setor do design de interiores ainda pode ser desafiante para mulheres que desejam liderar, sobretudo quando se procura conciliar sensibilidade estética com firmeza na gestão de projetos, equipas e orçamentos. Em muitos momentos, tive de provar a minha competência antes de ser ouvida — algo que, infelizmente, ainda é comum para mulheres em posições de liderança.
Mas foi precisamente nesses obstáculos que encontrei força. Cada mudança — de São Paulo para Miami, e depois para Lisboa — ensinou-me a ser mais flexível, observadora e estratégica. Aprendi a transformar a vulnerabilidade de “estar a começar de novo” numa vantagem: trazendo olhares cruzados, referências diversas e uma escuta atenta ao que o cliente realmente precisa.
O que significa para si liderar com propósito? Como isso se reflecte na cultura da sua empresa e nos projetos que desenvolve?
Liderar com propósito é ter clareza sobre o porquê das coisas — garantir que cada sonho seja tratado com respeito, escuta ativa e autenticidade. Mais do que o que fazemos ou como fazemos, importa o impacto real que queremos gerar na vida das pessoas.
No meu caso, esse propósito está ligado a criar espaços que acolham, inspirem e reflitam a verdade de quem os habita — desde o briefing até ao último detalhe da decoração.
Liderar com propósito é também saber dizer “não” ao que não se alinha com os nossos valores. É ter coragem para manter a integridade estética e ética, mesmo num mercado competitivo. No fim, o verdadeiro sucesso é construir algo que tenha alma — e isso só é possível quando há um propósito claro a guiar cada escolha.
“A identidade do cliente com a nossa assinatura” — levamos a sério o nosso slogan.
A colaboração tem-se tornado uma palavra-chave no mundo dos negócios. Como vê o papel da colaboração no design de interiores hoje?
A colaboração é absolutamente essencial no design de interiores — não apenas uma tendência, mas uma prática que enriquece profundamente os resultados.
Embora o design tenha uma assinatura autoral, nunca é feito sozinho. Colaborar é integrar diferentes talentos: arquitetos, fornecedores, artesãos, clientes e até profissionais de outras áreas criativas. Cada um traz uma visão, uma experiência, um detalhe que amplia a qualidade do projeto.
Se a troca for genuína, posso traduzir, conduzir e executar o meu papel com mais sucesso, respondendo às necessidades dos nossos clientes com maior eficiência e agilidade. No fundo, colaborar no design é transformar a criação de um espaço num processo de construção conjunta — e isso dá alma ao resultado.
Como equilibra a criatividade com as exigências comerciais e práticas dos clientes e do mercado?
Criar algo belo, conceptual ou autoral só tem valor real quando também funciona para quem vai usar aquele espaço — e quando respeita os limites de orçamento, prazos e expetativas do cliente.
Esse equilíbrio começa com uma escuta muito atenta — inclusive àquilo que só pode ser observado, e não dito. É entender não apenas o que o cliente gosta, mas como vive, o que valoriza e o que é realmente viável dentro do seu contexto.
O projecto e a entrega final do espaço precisam de ser funcionais e memoráveis, independentemente da cultura do cliente ou do tipo de trabalho. Atualmente, o mercado — tal como o nosso estilo de vida — exige mais resultados com propósito, agilidade e custo-benefício. E é aí que entra o verdadeiro papel do designer: ser criativo dentro das regras do jogo — e, por vezes, redesenhar as regras com elegância e inovação.
A liderança feminina está a ganhar cada vez mais espaço. Como vê esta evolução no setor criativo e de design? Ainda há barreiras para serem quebradas?
Felizmente, a liderança feminina tem vindo a conquistar mais espaço em vários setores — e essa evolução é não só necessária, como extremamente enriquecedora para qualquer área. As mulheres trazem uma escuta mais sensível, uma gestão mais colaborativa e uma abordagem que valoriza tanto o processo como o resultado final.
Acredito que é possível liderar com firmeza e delicadeza ao mesmo tempo. Quanto mais mulheres ocuparem posições de decisão, mais naturalizada será essa presença, multiplicando oportunidades e transformando o mercado para as próximas que virão.
Quais os valores que considera inegociáveis na forma como gere a sua equipa e conduz os seus projetos?
Respeito, transparência, compromisso com a qualidade e empatia — são inegociáveis para mim.
Cada pessoa tem voz, espaço para contribuir e desenvolver-se. Acredito que um ambiente saudável gera resultados muito melhores — e mais autênticos. A transparência, por sua vez, é fundamental para manter a confiança com clientes, fornecedores e parceiros. Prefiro conversas francas e resolver desafios com clareza, do que sustentar expetativas irreais.
Outro valor essencial é o compromisso com a qualidade — não apenas estética, mas de entrega. Isso envolve atenção ao detalhe, organização e responsabilidade com prazos e orçamentos. Por fim, a empatia está na base de tudo: entender o cliente, compreender as necessidades da equipa, adaptar-se sem perder a essência do projeto.
O conjunto de bons valores é o que sustenta um trabalho duradouro, inspirador e ético.
Sente que existe uma “nova agenda” para as líderes de 2025? Quais temas considera prioritários para o futuro da liderança no design de interiores?
Sim, acredito que estamos a viver uma nova agenda para as líderes de 2025 — especialmente no setor criativo. A liderança hoje vai muito além da entrega estética ou da gestão eficiente: envolve consciência, responsabilidade e propósito.
Temas como sustentabilidade, diversidade, inclusão, conforto emocional e liderança com inteligência emocional já não são apenas tendências, mas orientações essenciais para criar espaços mais humanos e flexíveis.
A líder de 2025 é alguém que une visão estética com consciência social e sensibilidade relacional. E o design de interiores, por estar tão próximo da vida das pessoas, tem um papel fundamental nessa transformação.
Qual foi um projeto marcante na sua trajetória profissional e porquê?
O projeto mais marcante da minha carreira é, na verdade, o meu próprio percurso pessoal. Cada mudança, desafio e aprendizagem que vivi — especialmente ao trabalhar em países com culturas tão distintas — trouxe uma bagagem única de sensibilidade, olhar multicultural e conteúdo que hoje se refletem em todos os meus projectos.
Essa vivência ensinou-me a ver cada cliente e espaço com mais empatia e profundidade, tornando o design não apenas uma questão estética, mas uma experiência humana e autoral. Posso dizer que a minha trajetória é o projeto mais rico e transformador, porque me permite trazer autenticidade, inovação e propósito para tudo o que faço.
Por fim, que mensagem gostaria de deixar para as mulheres que desejam empreender e liderar no mundo do design de interiores?
Para todas as mulheres que desejam empreender e liderar no design de interiores, eu diria: acreditem no valor da vossa voz e na força da vossa visão. Este é um setor que precisa da nossa sensibilidade, criatividade e coragem para transformar espaços — e vidas.
Empreender como mulher traz desafios únicos, mas cada obstáculo é uma oportunidade para crescer e reafirmar a vossa identidade profissional. Cultivem a confiança para inovar, a resiliência para superar barreiras e a empatia para liderar com propósito.
Lembrem-se de que liderar não é carregar tudo sozinha — é saber construir redes de apoio, colaborar e inspirar outras pessoas a crescerem convosco. O mundo do design de interiores é vasto e plural, e há espaço para cada uma de nós deixar uma marca autoral, genuína e transformadora.
O mais importante é não desistir, manter a paixão viva e continuar a criar com autenticidade. Procurem harmonia entre razão e emoção, foquem no resultado e criem sensações. Sejam intensas e inspirem-se no que faz sentido para vós. O melhor processo é o de dentro para fora — de forma orgânica e diferenciada.