É com grande honra que damos as boas-vindas a Mónica Fontoura, CEO e fundadora da Alpinea Hotels & Asset Management, uma líder visionária cujo percurso e experiência internacional traduzem o espírito da nova liderança feminina lusófona no mundo empresarial global. Nascida em Portugal e hoje à frente de uma empresa sediada na Suíça, que atua na intermediação estratégica entre hotéis independentes, grandes cadeias e o setor financeiro, Mónica Fontoura representa uma voz moderna e assertiva na redefinição dos paradigmas da liderança. Nesta entrevista à Revista Pontos de Vista, Mónica partilha uma reflexão profunda sobre a missão de uma líder mulher no contexto empresarial contemporâneo — missão esta que passa, segundo ela, por inspirar mudanças estruturais, promover inclusão, desafiar preconceitos históricos e abrir portas para outras mulheres.
Como define, em 2025, a missão e responsabilidade de uma líder mulher no contexto empresarial global?
No contexto global actual, uma mulher líder tem a missão de inspirar e impulsionar a mudança. Ela é responsável por criar um ambiente de trabalho inclusivo e equitativo, onde a diversidade é valorizada e as vozes de todos são ouvidas.
Além disso, deve ser uma defensora da inovação e da sustentabilidade, liderando com empatia e integridade.
Um dos grandes e futuros desafios da liderança global feminina é simplesmente lutar contra o viés arraigado em séculos de liderança predominantemente masculina no mundo empresarial. Isso inclui:
Abordar e mitigar preconceitos inconscientes que afetam decisões de contratação, promoção e avaliação de desempenho. Um exemplo claro é a contratação atual através de AI que infelizmente tem como base modelos masculinos.
Viés de Gênero: Lutar contra estereótipos de gênero que limitam as oportunidades e o reconhecimento das mulheres em posições de liderança.
Cultura Empresarial: Transformar culturas empresariais que tradicionalmente favorecem estilos de liderança masculinos, promovendo ambientes mais inclusivos e diversos.
A nossa responsabilidade estende-se à mentoria e ao desenvolvimento de outras mulheres líderes, garantindo um futuro mais equilibrado e representativo no mundo dos negócios.
Como fundadora e CEO da Alpinea Hotels, quais têm sido os principais desafios e conquistas da sua trajetória enquanto mulher empreendedora de origem lusófona?
A Alpinea AG é uma empresa Suíça que faz a ponte entre os donos de hotéis independentes e as cadeias de hotéis com o mundo financeiro das grandes instituições financeiras, para encontrarmos soluções de gestão, financiamento, venda ou compra do seu ativo imobiliário.
Sendo mulher empreendedora de origem lusófona num país germanico, posso destacar o principal desafio que foi a superação da barreira linguística, nomeadamente do dialeto alemão Suíço. Posso enumerar outros, nomeadamente:
Custo de operações extremamente elevado
Preconceito de género no setor financeiro, tradicionalmente dominado por homens.
Em relação às principais conquistas, gostava de salientar como tem sido gratificante apresentar-me como Portuguesa no mercado global e ver como o semblante dos meus interlocutores se ilumina quando eu digo que sou Portuguesa. A marca Portugal mudou e a curiosidade é grande!
No entanto, há outras conquistas muito positivas nesta minha caminhada, por exemplo:
Fundação e crescimento da Alpinea Hotels, expandindo a marca em vários mercados.
Criação de empregos e contribuição para a economia em vários paises.
Empoderamento e mentoria de outras mulheres, se bem que eu também gosto de trabalhar com homens. O mix e o melhor resultado.
Reconhecimento por empresas congéneres e prémios pela liderança.
A minha trajetória tem sido marcada pela superação de obstáculos e pela celebração de sucessos, sempre com o objetivo de criar um impacto positivo na indústria hoteleira e na sociedade.
O que a expressão “agenda feminina de liderança” significa para si? Esta agenda existe e é diferente da tradicional? Porquê?
A “agenda feminina de liderança” para mim é mais que uma mera expressão e representa um conjunto de prioridades, perspetivas e abordagens de liderança que são moldadas pelas experiências e desafios únicos enfrentados por mulheres. Acredito que esta agenda existe e se distingue da tradicional, pois historicamente a liderança foi definida e exercida sobretudo por homens, com um foco em modelos de poder e tomada de decisão mais hierárquicos e competitivos.
Esta agenda feminina de liderança, por outro lado, tende a dar mais valor ‘a colaboração,’ ‘a empatia’, ‘a comunicação aberta e a criação de ambientes inclusivos’. Ela valoriza a diversidade de pensamento e experiências, e procura construir pontes e consensos, em vez de apenas impor a vontade.
No entanto, é importante notar que não existe uma “agenda feminina” única, e as experiências e prioridades de cada mulher líder variam muito com base na sua cultura, contexto social, histórico pessoal e outros fatores.
Na sua opinião, quais são os valores que caracterizam a liderança feminina de língua portuguesa no cenário internacional?
Na minha visão, estes valores são multifacetados e profundamente enraizados em tradições culturais e em avanços contemporâneos. Primeiramente, destaca-se uma forte ênfase na colaboração e na construção de consensos, frequentemente observada em estilos de liderança femininos, que se manifesta através de uma comunicação aberta e inclusiva. Este enfoque facilita a criação de redes de apoio robustas e promove um ambiente de trabalho mais harmonioso e produtivo.
Adicionalmente, a resiliência e adaptabilidade são traços marcantes nossos, permitindo a navegação de desafios complexos com graça e determinação, muitas vezes encontrando soluções criativas e inovadoras para problemas persistentes.
A integridade e a ética também são pilares da nossa cultura e liderança, garantindo que as nossas ações e decisões sejam guiadas por princípios morais sólidos e um forte senso de responsabilidade social.
No cenário internacional, esta combinação de qualidades não só fortalece a imagem das líderes de língua portuguesa, mas também contribui para um diálogo global mais rico e diversificado sobre liderança e desenvolvimento.
A liderança feminina de língua portuguesa no cenário internacional é, na minha visão, caraterizada por valores de inclusividade e abertura. Historicamente, temos demonstrado sermos um povo aberto ao mundo e ao próximo, sendo esta abertura o valor que melhor nos define e distingue globalmente.
Como vê a influência da cultura lusófona na forma de liderar e fazer negócios globalmente?
Em relação à forma de liderar creio que a minha resposta anterior ilustra as caraterísticas da nossa cultura empresarial no mundo. A cultura lusófona, rica em história e diversidade, molda de maneira singular a forma como líderes e empresas se comportam no cenário global.
A cultura lusófona oferece uma contribuição valiosa para o cenário global de liderança e negócios, caraterizada pela valorização das relações humanas, pela comunicação expressiva, pela resiliência, criatividade e pela ênfase na diversidade e inclusão. Esta influência singular contribui para a construção de um mundo mais colaborativo, inovador e interligado.
O turismo e hotelaria são setores com forte presença feminina, mas ainda com poucos cargos de topo ocupados por mulheres. O que pode ser feito para mudar esse cenário de forma efetiva?
Realmente numa cultura tradicionalmente patriarcal e machista isto é um paradigma difícil de ser quebrado, no qual muitas mulheres se sentem inaptas ou preteridas. No entanto, acredito que o fosso está a diminuir e estamos no bom caminho.
Como avancar este processo de forma mais efetiva? Eis algumas ideias:
Primeiro, é crucial investir em programas de desenvolvimento de liderança especificamente desenhados para mulheres, oferecendo mentoria e formação em habilidades de gestão e tomada de decisão.
Criar redes de apoio e networking entre mulheres do setor também é fundamental para compartilhar experiências e construir uma comunidade forte.
Adicionalmente, as empresas precisam implementar políticas de igualdade salarial e promover a transparência nos processos de promoção, garantindo que as decisões sejam baseadas em mérito e não em estereótipos de gênero.
Flexibilidade no trabalho, como horários flexíveis e opções de trabalho remoto, pode ajudar a reter talentos femininos, especialmente aquelas com responsabilidades familiares.
Por fim, a consciencialização e o combate a vieses inconscientes no recrutamento e na avaliação de desempenho são passos essenciais para criar um ambiente mais inclusivo e equitativo no turismo e hotelaria.
Um outro exemplo do que pode ser feito, é simplesmente esta conversa, por exemplo. Agradeço poder falar sobre o assunto e mostrar a outras mulheres que não há que ter receio em falar sobre estes temas e que não são tabus ou modelos pré-concebidos.
Que papel têm as redes de mulheres líderes na criação de novas oportunidades, sobretudo entre países de língua portuguesa? Já participou ou participa de alguma iniciativa nesse sentido?
Acredito que o networking empresarial de mulheres é um motor essencial para o avanço e a visibilidade feminina em diversos setores. Ao partilharmos experiências, conhecimentos e recursos, estes networkings estabelecem plataformas robustas para a mentoria, trabalho em rede e a promoção de projetos conjuntos.
Faço parte de algumas redes de liderança empresarial feminina e não só feminina, na Suíça e nos EUA.
São fóruns de formação contínua e desenvolvimento empresarial onde se criam facilmente parcerias, encontram clientes ou fornecedores e se constroem relações de confiança.
No contexto específico dos países de língua portuguesa, onde partilho laços culturais e históricos profundos, gostaria de aprofundar essa oportunidade num futuro proximo.
A sustentabilidade, a empatia e a colaboração são frequentemente associadas a um estilo de liderança mais feminino. Concorda com esta associação? Porquê?
Sim, concordo. Historicamente, as mulheres têm sido socializadas para priorizar as relações, a comunidade e o cuidado com o outro, valores que se traduzem naturalmente em lideranças mais empáticas e colaborativas. A colaboração, por sua vez, é uma consequência natural da empatia e da visão de sustentabilidade.
Líderes com este estilo fomentam a comunicação aberta, incentivam o trabalho em equipa e reconhecem o valor da diversidade de perspetivas. Em vez de adotarem uma abordagem hierárquica e autoritária, preferem a construção de consensos e o envolvimento de todos nas decisões importantes.
É importante ressalvar que esta associação não implica que todos os homens liderem de forma menos empática ou colaborativa, nem que todas as mulheres adotem automaticamente um estilo de liderança “feminino”. Estas caraterísticas são, na realidade, qualidades humanas que podem ser desenvolvidas por qualquer pessoa, independentemente do género.
A associação entre sustentabilidade, empatia, colaboração e liderança feminina é válida e importante para compreendermos as diferentes abordagens de liderança. Reconhecer e valorizar estas qualidades pode enriquecer as organizações, tornando-as mais justas, humanas e sustentáveis a longo prazo.
Que mudanças gostaria de ver implementadas, em 2025, na formação de novas líderes – em Portugal, no Brasil, em África, e em outros países de língua portuguesa?
Responderei a isso num quadro de áreas e programas a desenvolver:
Inclusão e Diversidade – Implementar programas de formação que reflitam a diversidade cultural e social de cada país, garantindo acesso para mulheres de diferentes origens e contextos socioeconómicos. Focar na inclusão de mulheres de comunidades minoritárias e rurais.
Mentoria e Networking – Criar redes de mentoria robustas entre líderes experientes e novas líderes, facilitando a partilha de conhecimentos e experiências. Promover eventos de networking que liguem mulheres de diferentes países de língua portuguesa.
Desenvolvimento de Capacidades – Oferecer formação em areas essenciais como liderança estratégica, gestão financeira, negociação e comunicação eficaz. Incluir módulos sobre inovação, tecnologia e sustentabilidade, preparando as líderes para os desafios do futuro
Empoderamento e Autoconfiança – Desenvolver workshops e programas que fortaleçam a autoconfiança e a capacidade de tomar decisões, combatendo o preconceito de género.
Encorajar a expressão de opiniões e a participação ativa em debates e discussões.
Adaptacao cultural – Adaptar os programas de formação às realidades e desafios específicos de cada país, considerando as suas particularidades culturais, económicas e políticas. Promover o intercâmbio de boas práticas entre os diferentes países de língua portuguesa.
Parcerias e Colaborações – Estabelecer parcerias com universidades, empresas e organizações da sociedade civil para oferecer programas de formação de alta qualidade. Criar plataformas online para facilitar o acesso à formação e ao networking.
Avaliacao e acompanhamento – Implementar sistemas de avaliação e acompanhamento dos programas de formação, garantindo que sejam eficazes e relevantes. Recolher feedback das participantes e ajustar os programas conforme necessário.
Foco na Sustentabilidade e Impacto Social – Incluir módulos sobre liderança sustentável e responsabilidade social, incentivando as líderes a criarem projetos com impacto positivo nas suas comunidades. Promover a criação de empresas sociais lideradas por mulheres.
De que forma a Alpinea Hotels integra ou promove esta nova agenda de liderança nas suas operações e cultura organizacional?
A Alpinea Ag integra e promove esta nova agenda de liderança nas suas operações e cultura organizacional das várias formas:
Implementamos programas de desenvolvimento de liderança focados em igualdade e inclusão, garantindo que mulheres e homens tenham as mesmas oportunidades de crescimento e ascensão na empresa.
Oferecemos mentoria para mulheres, tanto interna como externamente, para que possam desenvolver suas habilidades de liderança e construir redes de apoio.
Adotamos políticas de trabalho flexíveis, como horários flexíveis e trabalho remoto, reconhecendo a importância do equilíbrio entre vida pessoal e profissional.
Mantemos políticas de igualdade salarial e processos de promoção transparentes, assegurando que as decisões sejam baseadas em mérito e não em preconceitos de género.
Incentivamos e apoiamos a participação em redes de mulheres líderes, tanto internas quanto externas, para criar oportunidades de networking e desenvolvimento.
Para terminar, quais as mulheres (atuais ou do passado) que mais a inspiram ou inspiraram no seu percurso?
Do meu passado, a mulher que mais me inspirou foi a minha Mãe, com o seu pensamento sempre aberto e positivo, exemplo de integridade e capacidade de equilíbrio da vida pessoal e familiar com o trabalho.
Ao longo da vida profissional, muitas outras marcaram pelo exemplo desde a minha professora americana na Universidade de Glion na Suíça, na especialização de Multiculturalismo nas Relações Humanas e Organização Empresarial, varias que conheci durante os mais de 30 anos de carreira, ate figuras da comunicação social portuguesa como Manuela Moura Guedes e Clara de Sousa, passando por figuras políticas e empresariais como Leonor Beleza, Christine Lagarde ou Melinda Gates.