OPINIÃO DE Anabela Amarelo, Enfermeira de Oncologia Especialista em Enfermagem
de Reabilitação NO Hospital de Dia de Oncologia ULS Gaia Espinho E Vice-Presidente AICSO
(Associação de Investigação de Cuidados de Suporte em Oncologia)
Os primeiros enfermeiros especialistas em Enfermagem de Reabilitação foram formados nos anos 60. Desde então, esta especialidade tem trilhado um percurso cuja visibilidade nem sempre chega à população em geral. Ainda assim, merece destaque — sobretudo neste mês em que celebramos o Dia Nacional do Enfermeiro de Reabilitação, 18 de outubro, data alusiva ao início do primeiro curso.
Mas afinal, quando falamos em reabilitação, estamos a falar de treinar músculos? Devolver funções perdidas? Ou estaremos, na verdade, a falar de reconstruir vidas?
A minha escolha desta especialidade nasceu dessa pergunta. Para mim, ser enfermeira é ser reabilitadora. É ser elo entre a perda e a reconstrução. É ligar o que foi desligado, caminhar ao lado de quem precisa, e ajudar a abrir caminhos onde só se viam barreiras.
Esse trabalho não é simples. Exigiu de mim estudo, investigação, e sobretudo escuta. Exigiu que me envolvesse com cada pessoa, num processo feito de ciência mas também de humanidade. Porque a reabilitação é uma disciplina do saber-fazer, mas também — e talvez sobretudo — do saber-ser.
Explico melhor. Quando atuo como enfermeira de reabilitação, promovo a função física. Mas ao mesmo tempo, estou a cuidar da pessoa como um todo. Quem reabilita após um AVC, um enfarte, uma cirurgia pulmonar ou a um cancro da mama, não está apenas a recuperar um corpo. Está a ajustar a vida. Passo a passo, está a encontrar novo significado.
Por isso digo: reabilitar pode não ser voltar a andar. Pode ser voltar a dançar. Mesmo com passos diferentes.
Ainda assim, sei que o nosso trabalho tem pouca visibilidade. Muitos dos nossos resultados não são “medidos” nos sistemas de saúde. E aquilo que não aparece nos números, parece não existir para quem decide políticas públicas. É como se todos os dias construíssemos pontes… mas os mapas oficiais não as desenhassem.
Veja-se o exemplo do Sr. Manuel: após uma cirurgia e ventilação mecânica, foi acompanhado de perto por um enfermeiro de reabilitação que lhe devolveu uma respiração eficaz e preveniu complicações graves. Mas esse cuidado não entrou em nenhuma estatística. Para os números, nunca aconteceu.
Num país envelhecido, com mais doenças crónicas, e num mundo marcado por novas crises — até guerras que parecem cada vez mais próximas — podemos continuar invisíveis? A resposta é clara: não podemos.
O envelhecimento populacional traz consigo fragilidade, quedas, dependência. Aqui, o enfermeiro de reabilitação atua não apenas a recuperar funções perdidas, mas a prevenir incapacidades, a manter autonomia, a ajudar as pessoas a viver em casa, próximas da família, com qualidade de vida.
As doenças crónicas multiplicam-se: AVC, insuficiência cardíaca, DPOC, diabetes, cancro. A reabilitação não é um luxo para estes doentes — é uma necessidade. Porque não basta sobreviver à doença. É preciso reaprender a viver com ela. É aqui que entramos, facilitando adaptação, autocuidado, esperança. Mas não esqueçamos: só há reabilitação se as pessoas aceitarem e desejarem esse caminho, e se nós, enfermeiros, acreditarmos verdadeiramente que podemos contribuir para uma vida melhor, para a pessoa e para a sua família.
quando pensamos em crises globais — desde pandemias até cenários de guerra e migração. O papel do enfermeiro de reabilitação torna-se então urgente. Pessoas deslocadas, feridas, amputadas ou fragilizadas encontram em nós profissionais capazes de reconstruir não apenas corpos, mas também dignidade e integração social
A Enfermagem de Reabilitação pode — e deve — ser protagonista na resposta a estes desafios. Porque cada intervenção que devolve autonomia a uma pessoa representa também alívio para famílias, sustentabilidade para os serviços de saúde e ganho económico para a sociedade.
Gostaria de partilhar que sou enfermeira de reabilitação num Hospital de Dia de Oncologia. Muitos pensam que reabilitação e quimioterapia não combinam. Mas é precisamente aí que a reabilitação faz sentido.
O doente oncológico precisa de orientação em exercício, adaptação e autocuidado. Nesse espaço, o enfermeiro deixa de ser apenas técnico: torna-se educador e facilitador da inclusão, ajudando a pessoa a redescobrir-se para além da doença e a recuperar dignidade e futuro. Ao reabilitar o olhar sobre si própria, transforma também o olhar dos outros — que deixam de ver apenas o cancro e voltam a ver a pessoa.
Mas precisamos de mais. Precisamos de investigação sólida e inovadora, capaz de abrir novos rumos. A ciência em Enfermagem de Reabilitação não pode repetir fórmulas antigas. Temos de ousar criar paradigmas que deem visibilidade e impacto. No fundo, a reabilitação só acontece quando a pessoa quer recomeçar — e quando nós, enfermeiros, acreditamos no caminho e usamos as nossas competências para transformar vidas.
O futuro da Enfermagem de Reabilitação depende de muitos fatores. Depende de como a sociedade olha para nós, mas sobretudo de como nós, enfermeiros de reabilitação, nos perspetivamos no mundo atual e no âmbito da nossa prática.
Que profissionais queremos ser? Aqueles que apenas treinam movimentos? Ou aqueles que impactam vidas, que ajudam pessoas a reescrever a sua própria história?
Sejamos fiéis ao que nos trouxe até esta profissão: a capacidade de cuidar de forma holística, de olhar a pessoa no seu todo, em cada fase da vida. Façamos da reabilitação a verdadeira capacitação da pessoa e da família. Esse é o compromisso que nos distingue e que dará rumo ao futuro da especialidade.


