Dr. Tiago Lopes, Médico Fisiatra da Clínica Espregueira, no Porto
As Doenças Reumáticas crónicas constituem um dos maiores desafios de saúde pública. Estima-se que cerca de 20 a 30% da população europeia apresente algum tipo de doença musculoesquelética crónica, sendo a osteoartrose (OA) a mais prevalente, enquanto a Artrite Reumatóide (AR) afeta aproximadamente 0,5 a 1% da população adulta (1). Em Portugal, de acordo com dados da Sociedade Portuguesa de Reumatologia, estas doenças são responsáveis por uma proporção significativa de consultas em cuidados de saúde primários, absentismo laboral e reformas antecipadas por incapacidade (2).
As manifestações clínicas são diversas, mas quase sempre incluem dor, rigidez articular, inflamação e limitação funcional. Estas repercussões traduzem-se em perda de autonomia e em significativa redução da qualidade de vida. Embora os tratamentos farmacológicos tenham evoluído de forma impressionante, com destaque para os fármacos modificadores da doença e agentes biológicos, tais abordagens não eliminam sequelas já estabelecidas, como deformidades articulares, fraqueza muscular ou perda de mobilidade.
Neste contexto, a Medicina Física e de Reabilitação (MFR) desempenha um papel essencial. O foco não está apenas no controlo da inflamação, mas na manutenção e recuperação da função, na prevenção de incapacidade e na promoção da participação social. A abordagem procura quebrar o ciclo de dor–inatividade–incapacidade, tão frequente nestas patologias, e devolver ao doente a capacidade de gerir ativamente a sua condição (3).
O Papel do Fisiatra
O médico Fisiatra, como especialista em MFR, assume a liderança deste processo. A sua atuação vai além da prescrição de fisioterapia, abrangendo a avaliação global da funcionalidade, a definição de objetivos terapêuticos individualizados e a coordenação da equipa multidisciplinar (3,12). Na prática clínica, prescreve programas de fisioterapia e exercício terapêutico adaptados ao perfil funcional de cada doente, considerando a sua tolerância e objetivos específicos. Integra ainda a terapia ocupacional como elemento estruturante da abordagem, prescreve ortóteses de posicionamento e outras tecnologias assistivas destinadas a otimizar a função e prevenir deformidades e, quando indicado, realiza procedimentos como infiltrações guiadas por imagem, com vista ao alívio de sinovites refratárias e à melhoria global da funcionalidade (13).
Além disso, desempenha um papel essencial na transição entre cuidados hospitalares e comunitários, garantindo a continuidade dos cuidados. A integração precoce do fisiatra, desde as fases iniciais da doença, é recomendada tanto pela Associação Portuguesa de Medicina Física e de Reabilitação (APMFR) como por sociedades internacionais, como a European Alliance of Associations for Rheumatology (EULAR) (5,12). Esta abordagem precoce aumenta a probabilidade de preservar a função e prevenir incapacidade permanente.
Objetivos da Reabilitação
Os programas de reabilitação estruturam-se em torno de quatro objetivos principais: controlo da dor e da inflamação, melhoria da função, prevenção de deformidades e promoção da autonomia. O controlo da dor resulta de uma abordagem combinada, que integra a terapêutica farmacológica com o exercício regular, técnicas de autogestão e a aplicação de recursos físicos, habitualmente utilizados em sessões de fisioterapia. A melhoria da função traduz-se em ganhos objetivos em força, mobilidade e resistência, repercutindo-se diretamente na execução das atividades diárias. A prevenção de deformidades exige vigilância precoce, exercícios de amplitude articular e prescrição de ortóteses adequadas (9). Finalmente, a promoção da autonomia, talvez o objetivo último, permite ao doente retomar papéis sociais e laborais, quebrando o ciclo de incapacidade (1,3).
Principais Intervenções
A intervenção em reabilitação é multifacetada e deve ser adaptada à fase e gravidade da doença, às comorbilidades e aos objetivos do próprio doente. O exercício terapêutico constitui a intervenção mais consistente e fundamentada em evidência científica. Estudos clínicos mostraram que programas de exercício supervisionado na AR melhoram a capacidade funcional e a qualidade de vida sem agravamento da inflamação articular (4). Na OA, as recomendações da EULAR e da Osteoarthritis Research Society International (OARSI) colocam o exercício e a educação do doente como terapêutica de primeira linha, com eficácia comparável a opções farmacológicas (5). Nas Espondiloartropatias, como por exemplo a Espondilite Anquilosante (EA), o exercício regular é considerado indispensável, sobretudo quando supervisionado em grupo (6). No Lúpus Eritematoso Sistémico (LES), em fases estáveis, programas combinados de exercício aeróbio e de resistência mostraram-se seguros, reduzindo a fadiga e melhorando a capacidade funcional (7).
| Patologia | Tipo de exercício recomendado | Evidência principal |
| AR | Aeróbio + resistência | Melhora função e qualidade de vida sem agravar inflamação (4)
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| OA | Força, aeróbio, equilíbrio, mente-corpo | Primeira linha no controlo da dor e função (5) |
| EA | Postura, mobilidade axial, expansão torácica | Fortemente recomendado; melhora postura e mobilidade (6)
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| LES (estável) | Aeróbio + resistência | Seguro; reduz fadiga e melhora capacidade física (7) |
Tabela 1: Evidência do exercício terapêutico nas principais Doenças Reumáticas.
Complementar ao exercício, a educação e a gestão autónoma da doença são pilares fundamentais. Explicar a natureza da doença, ensinar técnicas de proteção articular e economia de energia, adaptar o ambiente de trabalho e promover a literacia em saúde são estratégias eficazes (8). A terapia ocupacional adapta as atividades de vida diária e introduz ajudas técnicas, como talas e palmilhas, que permitem preservar o alinhamento articular e reduzir a dor. Além disso, a introdução de auxiliares simples, como engrossadores de talheres ou sistemas de apoio à marcha, pode ter impacto imediato na autonomia. (9). Modalidades físicas como calor, frio e TENS oferecem benefícios sobretudo a curto prazo, aliviando a dor e facilitando a adesão ao exercício (10). As terapias manuais, incluindo mobilizações e alongamentos, apresentam evidência moderada, mas podem acrescentar benefícios em mobilidade e controlo da dor (11).
Conclusão
A MFR consolidou-se como pilar essencial do tratamento das Doenças Reumáticas crónicas. O exercício terapêutico e a educação do doente são intervenções de primeira linha (4,5). Terapia ocupacional, modalidades físicas e ajudas técnicas completam a abordagem multidisciplinar. O médico Fisiatra assegura a coordenação e adaptação do plano às necessidades de cada doente (3,12). A inovação tecnológica, nomeadamente a telerreabilitação e as ferramentas digitais, surge como perspetiva futura para melhorar a acessibilidade aos cuidados e otimizar a adesão terapêutica (14). Reabilitar deixou de ser opcional: é prática médica indispensável, capaz de devolver qualidade de vida e uma participação ativa multidimensional aos doentes com patologias reumatismais.


