Depois de quatro anos há frente dos destinos da CPLP – Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, a pergunta impõe-se, que balanço é possível perpetuar deste período e quais foram as principais conquistas que a instituição alcançou?
Sendo Secretário Executivo da CPLP, estou balizado pelas deliberações dos órgãos estatutários superiores. Quem define o nosso caminho são os Chefes de Estado e de Governo. Naturalmente, pela natureza de ser uma organização internacional, estamos sempre dependentes da vontade política dos Estados membros.
Têm-me dito para estar consciente que a CPLP avançou, nestes quatro anos. Mas, gostaria de ver alcançado muito mais. Não obstante, acredito que me entreguei de corpo e alma à Organização, à sua missão e objetivos. Verifico, também, que os Estados membros mantêm o interesse e estão para aprovar na próxima cimeira, prevista para novembro, no Brasil, uma Nova Visão Estratégica da CPLP – adaptando-a melhor às exigências do mundo globalizado e aos retratos socioeconómicos dos nossos países – uma realidade muito distinta da verificada em 1996, altura da fundação da Organização.
Desde sempre, enquanto embaixador de Moçambique, sempre promovi a captação de investimento estrangeiro, ciente que o desenvolvimento social e económico, sustentável, está interdependente. O estado e as empresas são, essencialmente, parceiros no desenvolvimento económico e social e a CPLP pode e deve ambicionar harmonizar essas políticas públicas, facilitando o exercício da atividade empresarial.
Na luta contra a pobreza, contra a fome e contra o desemprego, enfim, na busca do Desenvolvimento, sublinho, ainda, as atividades, orientadas por planos estratégicos comuns, nos domínios da Segurança Alimentar, Saúde, Igualdade de Género, Educação, Cultura, Ensino Superior, Ciência e Tecnologia, entre outras de considerável importância.
De que forma é que a CPLP tem vindo a privilegiar o aprofundamento da cooperação e amizade entre os seus membros? Quais têm sido as mais-valias nestas relações e as lacunas que ainda identifica?
Os países da CPLP têm vindo a estreitar o nível das suas relações bilaterais, quer seja entre governos ou ao nível de fluxos comerciais e, multilateralmente, a CPLP garante uma maior projeção na arena internacional, enquanto bloco – por sinal, sui generis.
Quando sugeri, por diversas vezes durante o meu mandato, ser necessário ir além da língua que nos une, não pus em causa os valores fundamentais da organização: esses estão consolidados.
Não por ser uma lacuna, mas por ainda estarmos numa fase em que temos de alavancar, considero que: se a área empresarial for mais forte, a CPLP também se fortalece. Essa visão é partilhada pelos nossos presidentes e, desde a cimeira de Díli, em 2014, a importância da cooperação económica e empresarial, no mundo globalizado, foi realçada – até foi concretizado o primeiro Fórum Económico Global da CPLP, em Timor-Leste, constatámos um imenso dinamismo da Confederação Empresarial e União e Exportadores e a fundação da União de Bancos, Seguradoras e Instituições Financeiras.
Ainda permanece por concretizar, de maneira efetiva, a livre circulação de determinadas categorias profissionais dentro do espaço CPLP. Há consenso entre os Estados membros, restando aguardar não muito mais tempo. Brevemente, especialistas dos ministérios do interior e dos negócios estrangeiros vão reunir para traçar soluções aos obstáculos encontrados. Trata-se, essencialmente, de um problema de segurança, surgindo importantes questões como o passaporte eletrónico e a partilha de informação.
Um dos desideratos primordiais da CPLP passava por reforçar a presença dos estados membros no cenário internacional. Sente que esse fito foi alcançado? Como podemos vislumbrar esse reconhecimento?
Sim. A CPLP, por vontade dos seus Estados membros, colocou altas personalidades dos seus países em elevados cargos de organizações internacionais (OI), como a OMC e a FAO. Vamos à Assembleia Geral da ONU e alinhamos posições em diversos domínios, como o Ambiente, a Saúde, o Trabalho, entre outras dimensões.
As atribuições de cooperar nas dimensões da Defesa e Segurança constituem destaque, realçando-se o papel da CPLP na relação desenvolvida com os Estados membros para garantir o respeito pelas instituições, a independência nacional e a integridade do território, a liberdade e a segurança das populações. Dou exemplo da preocupação institucional da CPLP, dos seus Estados membros, com a situação na Guiné-Bissau, onde, atualmente, estamos em parceria com cinco OI.
Realizamos missões de observação eleitoral às eleições presidenciais, legislativas e outras, há diversos anos. Permito-me, também, evidenciar o papel da CPLP enquanto ator de relevo na cena internacional, dado mais força à vontade consensualizada pelos nossos países, traduzida nos entendimentos com diversas organizações regionais e sub-regionais e no quadro do sistema das Nações Unidas, para além de outros sujeitos de direito internacional.
O derradeiro reconhecimento vem pelo número de Estados estrangeiros e de instituições da sociedade civil a aproximarem-se da CPLP, naturalmente, interessados nos países e no conjunto multilateral, na sua força: na existente e na potencial. A evolução e o dinamismo nos cenários nacionais e internacional permitiram à CPLP um nível interessante de abertura ao exterior, tendo já abarcado nestes enquadramentos as Ilhas Maurícias, o Senegal, a Turquia, a Geórgia, a Namíbia e o Japão, enquanto observadores associados, para além de cerca de cinco dezenas de instituições enquanto observadores consultivos – cuja atividade conjunta já tem algum dinamismo.
A CPLP comemora este ano duas décadas de existência. Como conseguiu a mesma a materialização de projetos de promoção e difusão da língua portuguesa ao longo destes vinte anos? Essa difusão foi fundamental para a afirmação da instituição e respetivos estados membros?
A Língua Portuguesa tem uma importância determinante. Merece dedicação e promoção porque é nossa. Devemos divulgá-la cada vez mais como meio de comunicação, de transmissão de conhecimento e transformá-la, também, numa língua de negócios. A verdade é que já se fala português em muitos cantos do mundo, a Língua Portuguesa conquistou o seu espaço, com mais força, porque nós existimos e insistimos em comunidade. Já concretizámos três conferências internacionais, a última em junho passado, em Díli. O Instituto Internacional da Língua Portuguesa (IILP), organismo da CPLP, tem desenvolvido atividades em torno dos vocabulários nacionais e comuns e do Portal do Professor. Tem apoiado a Guiné Equatorial, onde já há falta de professores de português. Temos portal do Ensino Superior e um repositório científico comum a avançar. A produção e partilha de conhecimento em língua portuguesa vai juntar-se a outros fatores de interesse crescente no idioma partilhado.
Disse que continua por cumprir o objetivo da sua internacionalização. O que falhou?
Ainda falta a plena introdução da Língua Portuguesa em determinados contextos nacionais, secundarizando-se, evidentemente, maiores investimentos na presença fora do espaço da CPLP.
O que é que falta para que a língua portuguesa seja uma língua do sistema das Nações Unidas?
Para ser oficial, faltaria o pagamento dos custos consequentes da instalação da capacidade para tal. Porém, o português é língua de trabalho em algumas organizações da ONU, como a Unesco, e é oficial em outras OI, como a SADC, CEDEAO, União Africana, Mercosul e União Europeia. Temos de ver o lado positivo.
O debate em torno do acordo ortográfico surgiu novamente depois de o Presidente da República de Portugal ter dito, durante a sua deslocação a Moçambique, que, se países como Moçambique e Angola decidissem não ratificar o acordo ortográfico isso será uma oportunidade para repensar a matéria. O acordo ortográfico é para cumprir ou pode haver um retorno?
Não há retorno, nenhum Estado o pretende.
Ao longo destes quatro anos alguns dos países lusófonos tem passado por dificuldades económicas: Portugal, Angola, Brasil, apenas para citar alguns. Estes problemas enfraqueceram de alguma forma a ação da CPLP?
Estados com conjunturas mais adversas têm maiores dificuldades orçamentais, refletindo-se em todos os contextos. Por outro lado, os mercados de Língua Portuguesa ganharam novo ímpeto e a CPLP está com crescente notoriedade.
Afinal, o direito à nomeação do próximo Secretário Executivo cabe a Portugal ou a São Tomé e Príncipe, que também já afirmou pretender avançar com o nome de um candidato?
Foi decisão do Conselho de Ministros da CPLP, de março deste ano, ser São Tomé e Príncipe a propor – na próxima cimeira do Brasil – a eleição de um cidadão nacional, para um mandato. Portugal vai assumir o Secretariado Executivo, a seguir.
É legítimo afirmar que o momento mais tenso da sua liderança passou pela oposição de Portugal à entrada da Guiné Equatorial para a CPLP?
Não. Portugal e outros países tinham reservas quando a Guiné Equatorial demonstrou interesse, cerca de dez anos antes de ser admitida como membro de pleno direito. Desde 2014, após um processo de adequação do país para a admissão, é membro consensual da CPLP.
Prevista inicialmente para julho, a Cimeira Lusófona, irá decorrer em novembro. Isto significa que terá de ficar no cargo até essa data, novembro. O que significa para si estes meses “extra” na liderança?
Persisto empenhado na função para a qual fui indicado pelo meu país.
Relativamente à Cimeira da CPLP, estão a preparar a mesma? O que podemos esperar desta cimeira? Está previsto que seja aprovada a Nova Visão Estratégica da CPLP. Que visão é esta? O que tem obrigatoriamente de mudar?
Os dezoito anos da CPLP constituíram o ponto de partida para uma reflexão aprofundada sobre o futuro da nossa Comunidade. Face às exigências decorrentes da complexidade dos novos tempos, só com uma Nova Visão Estratégica vamos estar em condições de melhor compreender e enfrentar os desafios e aproveitar as oportunidades. Importa, sobretudo, observarmos as imperfeições e as situações críticas encontradas ao longo deste percurso. Devemos fortalecer as áreas de maior debilidade, consensualizar e recentrar as nossas atenções nos assuntos de maior relevância e concentrar esforços numa agenda valorizadora dos objetivos prioritários dos Estados membros.
Estamos a trabalhar para reforçar os objetivos específicos e estratégicos consensualizados desde a fundação da CPLP, como a área político-diplomática, a cooperação e a promoção e defesa da Língua Portuguesa, o ensino e a educação. Com a experiência institucional adquirida nestes 20 anos, há a convicção de novos espaços de atuação, como a cooperação empresarial e económica, o reforço do potencial económico da Língua Portuguesa, a criação de redes de conhecimento, académicas, a formação de recursos humanos qualificados para serem atores no crescimento económico e no desenvolvimento social dos Estados membros.
Que significado tem para si estes vinte anos da CPLP?
Não obstante a necessária aposta no futuro reforço institucional da Organização, vinte anos percorridos desde a fundação da CPLP, em 1996, a dinâmica é crescentemente visível e o Espaço da comunidade ganha cada vez mais militantes. A comum aspiração ao bem-estar, ao progresso e o respeito pelos direitos humanos dos nossos países permitiu à CPLP ser um ator relevante entre as OI, com projetos concretizados.
A CPLP é o espaço da Língua Portuguesa, com práticas e valores partilhados. É um espaço geográfico e cultural que permite, sem estranheza, aos interessados juntar mais tijolos nesta construção entre povos com afinidades seculares.
Que mensagem lhe aprazaria deixar a todos aqueles que tanto têm feito para o crescimento da CPLP?
Devemos, juntos, dizer: Parabéns CPLP. É um espaço de pertença, em que os cidadãos dos nove países membros devem ir crescentemente reforçando a descoberta mútua, edificando blocos de identidade, de cooperação, de negócios, de conhecimento científico, de segurança, de estabilidade, Paz e Desenvolvimento. Juntos: Viva a CPLP!
“É UM FINAL DE CARREIRA EXTRAORDINÁRIO”
Figura incontornável na dinâmica e desenvolvimento da CPLP, Murade Murargy é Homem que fala nos olhos, que diz o que tem a dizer e que assume os seus erros. Nesta «viagem», quisemos saber um pouco mais do trajeto do nosso interlocutor e como tem sido contribuir para o crescimento de uma organização de enorme importância a nível mundial.
Com uma vida profissional preenchida entre distinções, condecorações e cargos de destaque na diplomacia, quem é Murade Isaac Miguigy Murargy?
Sempre fui um servidor do meu país, Moçambique. Se mereci alguma distinção decorrente da avaliação positiva do meu desempenho, fico honrado. Naturalmente, fico satisfeito porque sempre tentei empenhar-me ao máximo com os compromissos que assumo e essas distinções acabam por ser um reconhecimento, motivador.
Como foi possível conciliar grandes responsabilidades profissionais com a vida pessoal?
Enfim, quando fui Embaixador de Moçambique em França, Alemanha, Suíça, Costa do Marfim, Senegal, Mali, Gabão, Tunísia, Irão, Brasil, Argentina, Chile, Paraguai, Uruguai e Venezuela sabia que, evidentemente, teria implicações na minha vida privada. Quando assumi o cargo de Chefe da Casa Civil da Presidência da República de Moçambique, a exigência do posto também teria consequências. Quando vim para Secretário Executivo da CPLP, também, já sabia que seria uma função exigente. Entre os necessários sacrifícios que temos todos de fazer devido a características das funções de maior responsabilidade, creio que, à laia de balanço, sempre consegui acomodar e adaptar a minha vida privada.
Qual foi a decisão mais importante que teve de tomar na sua carreira e que influenciou a sua vida particular?
É muito difícil escolher um momento. Porventura, quando fui chamado a ingressar no Ministério dos Negócios Estrangeiros e Cooperação de Moçambique. Foi essa chamada que me fez ter o percurso profissional que hoje cumpri. Como salientei, houve sacrifícios na vida privada, muitas vezes exponenciados pelas distancias geográficas, mas existiram, igualmente, compensações. Tenho uma família fenomenal e a sensação de dever cumprido para com o Estado moçambicano. É possível conciliar as exigentes vidas laboral e particular e, no final, sentirmo-nos realizados em pleno.
Depois da Cimeira dos 20 anos da CPLP, o que reserva o futuro?
A nomeação para Secretário Executivo foi o último posto para o qual o meu governo me propôs: estou aposentado como embaixador de carreira diplomática de Moçambique, logo após sair da CPLP. Agradeço ao meu país e ao meu presidente por me ter proposto a este cargo. É um final de carreira extraordinário.
Indubitavelmente, vou permanecer empenhado na construção da Comunidade, um esforço que deve ser de todos nós. Vou, também, tentar passar os meus conhecimentos a outras gerações e, igualmente, procurar algo que me complete o tempo…não ficarei, seguramente, parado. Sempre fui uma pessoa ocupada e, mesmo abrandando, ainda vou ter ocasião para abraçar alguns desafios.
Há algum conselho que gostaria de deixar para quem vem a seguir?
A CPLP é uma comunidade em construção. Tenho a certeza que, tal como eu, quem me suceder vai continuar o trabalho do antecessor, colocando mais um patamar de concretizações na Organização.
O maior desafio encontrado por mim na liderança do Secretariado Executivo, um dos Órgãos da CPLP, é o de saber como representar e articular com os nove países, tentando conciliar as vontades de cada um. Na CPLP, as decisões são tomadas por consenso, ou seja, todos os Estados membros têm que estar de acordo com uma determinada posição. Só com a boa vontade, a amizade e a solidariedade que caracterizam a nossa organização desde sempre é possível consensualizar algumas questões fundamentais que se colocam ao crescimento e desenvolvimento da CPLP.
Se o tempo voltasse atrás faria algo de modo diferente?
Todos somos humanos e erramos algumas vezes…
Que legado gostaria de deixar?
Bem sei que nunca fazemos tudo aquilo que queremos, mas, entretanto, com perseverança e empenho, sempre conseguimos contribuir com algo. Cabe e caberá aos outros considerar o meu desempenho em algum momento marcante ou relevante.