Portugal tem no país vizinho o seu mercado natural de expansão. E no mundo global de hoje, o sucesso empresarial implica a expansão. Portugal está a aproveitar devidamente o potencial desta parceria com o país vizinho?
As empresas portuguesas têm feito um grande esforço para se internacionalizar e para aumentar o seu volume de vendas ao exterior. A relação com Espanha tem sido muito importante e, mesmo no período de maior crise económica nos dois países o comércio bilateral não parou de crescer. Numa análise circunscrita ao nível comercial só encontramos motivos para estar satisfeitos. Conclusão diferente tiraremos se analisarmos a dinâmica das relações de comunicação dentro das empresas. Essas não estão tão fluídas e constatam-se muitas deficiências:
Tais como…
Em primeiro lugar houve uma efetiva deslocalização dos chamados centros de decisão para Madrid nas principais empresas da chamada “primeira linha” internacional e isso, se não é bem gerido, pouco a pouco, vai causando situações de conflito. Depois há um efetivo problema de comunicação: as pessoas muitas das vezes não se entendem. E não é um problema de idioma; é um problema de abertura à multiculturalidade. A globalização exige essa abertura. Quem não entender isso, não a entende nem pode participar no desafio.
Mas entre Portugal e Espanha o problema deve ser colocado?
Claro que sim. Ao nível das Empresas; ao nível dos Governos; mas sobretudo ao nível das Pessoas. É a partir de cada um que começa a transformação. Veja por exemplo um caso ao nível político: qual o interlocutor em Portugal de um Presidente do Governo de uma Região Autónoma de Espanha? Ou vice-versa?… Portugal e Espanha, no geral, conhecem-se mal. Veja por exemplo o tema da última Cimeira de Governos: as relações transfronteiriças. Acha que neste momento há problemas para os Governos resolverem no âmbito das relações transfronteiriças?…
E qual a solução? Olhando para esse panorama atual, que papel a Fundação Luso-Espanhola tem procurado assumir?
A Fundação surgiu há 18 anos para definir um modelo de aproximação equilibrado entre os dois países. E definindo esse modelo de aproximação – que passa muito pela interdependência económica – trazer ao diálogo um elemento novo: a definição de um rumo comum. Durante muito tempo preocupámo-nos em detectar obstáculos à integração, em denunciá-los e sobretudo, em propor soluções que visassem a competitividade empresarial nos dois espaços económicos. Tivemos um primeiro lema “Dois países, um Mercado virado para a Competitividade Internacional”. Depois fomos mais longe, colocámos na discussão também o tema da Inovação como forma estimular aquela competitividade. Como os resultados foram aparecendo ao nível “macro” começamos a “fazer um zoom” e começamos a trabalhar nas Autonomias de Espanha, com algumas regiões de Portugal. E aplicamos aí os nossos conceitos. Hoje estamos a começar a trabalhar ao nível das empresas das mesmas Comunidades Autónomas e Regiões. É um trabalho que exige um grande esforço para as nossas capacidades. Até porque Espanha é muito grande (risos). Mas não deixámos nunca de nos assumirmos como Instituição Portuguesa de vocação ibérica. E isso sempre foi muito respeitado.
Que retrato é possível fazer do mercado ibérico?
Dizia o Prof. Ernâni Lopes, nosso primeiro Presidente, que somos dois países irmãos. E que é por sermos irmãos que não dormimos na mesma cama. Esta imagem creio que diz tudo.
Mas há um efetivo “mercado ibérico”?
Há. Um mercado totalmente interdependente. A questão que coloco e que ninguém me sabe responder é a de saber como é que chegámos até aqui? Quem é que construiu a boa situação que estamos a viver?…
A UE?…
Sim. Foi importante. Passámos a partilhar soberania nas áreas económicas.
Então na sua opinião quem foi o motor?
Foram as pessoas. Os empresários que arriscaram entrar. Os Bancos que ousaram atravessar a fronteira e abrir caminho às empresas. No fundo todos aqueles que, no dia a dia, não sucumbiram perante as dificuldades de um processo de internacionalização. Porque – diga-se o que se disser – entrar em Espanha (ou de Espanha em Portugal) supõe uma decisão e um processo de internacionalização. Pressupõe investimento e dedicação e a tal abertura à multiculturalidade que falávamos atrás. Vou dar-lhe um exemplo: em Portugal fala-se muito de “parcerias”. Eu nunca entendi esse conceito: ou se vai ou não se vai. Não conheço nenhum caso de sucesso ao nível dessas “parcerias”. Parece-me sempre que são uma forma de parecermos aquilo que não somos. Nestas coisas há que avançar, arriscar e lutar. Claro que com cabeça, prudência, paciência e trabalho. E é por isso que lhe disse acima que o motor da boa relação está nas pessoas.
(Pausa)
Já agora há um outro ponto que eu queria sublinhar: o papel das Embaixadas. Temos tido nos últimos tempos, quer em Espanha, quer na Embaixada de Espanha em Lisboa, excelentes Embaixadores e excelentes equipas de trabalho. Aliás a imagem de eficácia e solidez da diplomacia portuguesa é notável. E com meios cada vez mais escassos. E, logicamente, não há boa diplomacia se não está bem orientada…
Em conclusão: a estratégia da “diplomacia económica” creio que iniciada pelo Embaixador Martins da Cruz resultou.
Mas também ouve um bom ambiente…
Claro que sim. Mas aí porque, na verdade e bem vistas as coisas, os Portugueses gostam muito de Espanha (mesmo que não o digam) e os Espanhóis gostam muito de Portugal. E isso é fundamental.
Existem cerca de 600 empresas portuguesas em Espanha e cerca de 1660 empresas espanholas presentes em Portugal. O que significam estes números?
Na minha opinião, sendo a Espanha cinco vezes maior que Portugal, a densidade das nossas empresas em Espanha é superior à da espanhola em Portugal. Mas a questão de fundo não é só o número: é a dimensão e a qualidade do investimento. Aí creio que teremos que melhorar o nível da nossa presença. Permita-me contudo que lhe chame a atenção para outro ponto: a da presença de gestores portugueses em Espanha. Temos hoje gestores nas principais empresas espanholas. E em lugares-chave. Temos até Presidentes portugueses de multinacionais que operam em Portugal a partir de Espanha. E aí ganhamos seguramente aos espanhóis presentes em Portugal.
O que urge ser modificado para melhorar a competitividade do mercado português?
Portugal vai num bom caminho. As empresas estão num grande esforço. Temos que apostar na competitividade fiscal, criando mecanismos de performance que sejam humanizados e personalizados. Que permitam soluções fiscais justas e possíveis. Por outro lado a Justiça que parecia avançar por um caminho de melhoria, acabou por sofrer penosos atrasos. A greve dos Juízes de que se fala, é um bom exemplo de que algo tem que mudar na Justiça, para melhor. Por outro lado, temos que definir se queremos ter Bancos portugueses bons e fortes, ou não. Sou de opinião de que a perda do controlo do negócio bancário português no exterior vai ser muito penosa para Portugal. E por fim, analisar bem a realidade que temos e trabalhá-la. Eu digo sempre: as empresas espanholas de sucesso quando decidem ir para Portugal (ou para o Brasil), a primeira decisão que tomam é pôr os seus empregados a aprender português. Isso abre o caminho para a solidez dos passos que dão.
Portugal e Espanha só teriam a ganhar com uma maior integração dos dois mercados. Há quem defenda que “podíamos ser um Benelux ibérico”. Concorda?
Concordo que os dois mercados já estão muito integrados. Concordo até que já atingimos uma situação semelhante ao “Benelux”. Por isso entendo que deveremos ser um sub-mercado dentro da UE. Um sub-mercado de sucesso, que sobreviveu bem a uma grave crise e a ultrapassou com seriedade e com esforço. Um sub-mercado que tem muito em comum com os países do sul da Europa. Que tem vocação marítima e continental. Um sub-mercado que já atrai o Mundo. Mas que pode atrair muito mais. Já somos bons para o Turismo. Já somos muito bons no Desporto. Mas eu gostaria que fossemos também tão bons nos Laboratórios, nas Tecnológicas, na Indústria, na Inovação, nos Bancos, nas Pescas, na Agricultura, nas grandes cadeias de valor acrescentado… Portugal merece-o.