Início Atualidade “A Mulher e a Advogada vivem da mesma Essência e dos mesmos Valores”

“A Mulher e a Advogada vivem da mesma Essência e dos mesmos Valores”

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“A Mulher e a Advogada vivem da mesma Essência e dos mesmos Valores”

Tem escritório aberto há mais de uma década. É um escritório que pauta as suas práticas pela ética profissional, pelo sentido de responsabilidade e aperfeiçoamento constante. Há mais de 10 anos a construir a história deste escritório, de que forma é que se diferencia dos restantes?
Cada escritório tem a sua identidade e os seus valores e, nessa medida, todos se diferenciam. O meu caminho tem sido calcado pelo elevado grau de exigência que coloco a mim própria no padrão dos serviços que presto, mas sobretudo pela proximidade com que esse serviço é prestado a quem me procura. A advocacia é tradicionalmente percecionada como uma profissão pernóstica e de egos inflados, distanciada do cliente. Essa associação nem sempre tem correspondência com a realidade e não serve a Justiça, nem as pessoas. Lembro-me que assim que entrei na faculdade e me deparei com essa associação ao mundo do Direito quis ser e fazer diferente e é esse o caminho que tenho procurado percorrer. É preciso desconstruir a imagem distante e árida que está associada à profissão. A advocacia do futuro foca-se num relacionamento próximo e empático com o outro, sem que, por isso, se perca necessariamente a firmeza, a independência, a combatividade e a assertividade que é tão própria da profissão.

Sabemos que a Andreia Fernandes abraça vários projetos de cidadania porque defende que “sem humanismo, não há Direito”. Acredita que este é um fator-chave determinante no sucesso do escritório e também para si, enquanto Advogada? Porquê?
Acredito que é acima de tudo um fator-chave determinante para o sucesso da Justiça. O advogado é essencial à administração da Justiça, por isso, pode e deve ser um dos veículos desse sucesso. Quanto mais humanizada for a prática da advocacia mais humanizado se torna, por inerência, o próprio sistema. Sei que a adesão massiva a esta visão ainda não é uma realidade abrangente e que o caminho se advinha longo e demorado, mas as bases estão lançadas e, mais tarde ou mais cedo, darão frutos porque não há como negar que sem humanismo, não há Direito.

Por outro lado, na sua opinião, considera que valores como esse têm vindo a perder terreno?
São valores que foram perdendo força ao longo dos anos. A era da globalização, a aceleração vertiginosa do dia a dia, a crise de valores humanos e sociais que enfrentamos acabaram por catalisar esse enfraquecimento.

A Andreia Fernandes conta já com uma vasta experiência profissional em várias áreas. Interessa-nos, portanto, conhecê-la melhor. Quem é enquanto mulher e enquanto profissional?
A mulher e a advogada vivem da mesma essência e dos mesmos valores. Sou uma mulher de causas e uma mente inquieta. Preocupam-me os grandes males que assolam o mundo e todas as injustiças que lhes estão associadas.

Sabemos que é uma advogada que atua em várias áreas do Direito, conta com vários anos de experiência no Direito do Trabalho, no Direito Penal e das Contraordenações e no Direito Civil, mas atua sobretudo na área do Direito Militar e na área do Direito da Família e das Crianças. Nestas áreas em particular, quais são os maiores desafios enfrentados diariamente?
Sim, apesar de trabalhar com gosto noutras áreas do Direito, a verdade é que o Direito Militar e o Direito da Família e das Crianças têm um lugar cimeiro no meu escritório. O interesse pelo Direito Militar despontou logo no início da minha carreira quando me apercebi que os homens e mulheres que nos protegem diariamente, e que são exemplo de abnegação e espírito de sacrifício na missão que servem, precisam também de amparo e proteção no exercício e na defesa dos seus direitos. Sendo filha de um militar da GNR, cresci em contacto com esse meio e identifico-me com os valores que lhe estão associados. O Direito Militar é uma área altamente especializada, complexa e sensível e, por isso, é muito estimulante do ponto de vista técnico. O maior desafio surge quando os processos seguem para tribunal. A morosidade da justiça administrativa é angustiante. Trata-se de um problema dramático e grave que continua por resolver.  A paixão pelo Direito da Família e das Crianças surgiu ainda no tempo de estágio. É a área onde mais pulsa a humanidade que trazemos em nós. São processos muitíssimo sensíveis, com muitos rostos, dores e angústias. É aqui que muitas vezes o ser humano dá a conhecer o melhor e o pior de si mesmo. Os desafios são variados, desde a lentidão do sistema judicial à gestão dos conflitos, das emoções e da ansiedade das famílias. Nem todos os advogados se sentem preparados para assumir o acompanhamento e patrocínio de processos desta natureza; são altamente desgastantes e absorventes; exigem uma capacidade de trabalho massiva, uma ampla capacidade de negociação, e, sobretudo, uma apurada inteligência emocional.

Sabemos que assume vários papéis. É Advogada, Formadora, coordena a Comissão de Família e Menores da JALP, é Deputada Municipal e integra a Comissão Alargada da CPCJ da Chamusca, vila de onde é natural. Como é que consegue gerir o seu tempo?
Sou advogada a tempo inteiro, tenho o grato privilégio de viver exclusivamente da minha profissão e, por isso, é nela que centro toda a prioridade. Mas considero também importante, enquanto membro da minha comunidade, ceder alguma atenção à causa dos direitos coletivos e da justiça social. É um desafio permanente, mas nada fica por fazer, os timings é que se vão ajustando em função das necessidades de cada momento. Sou por natureza uma pessoa focada e organizada, mas o tempo não estica e sempre que é preciso conto com uma boa rede de apoio. Neste domínio é essencial priorizar tarefas e reconhecer quando não existe mais espaço de agenda para continuar ou aceitar novos projetos. Tenho conseguido fazer essa gestão de forma realista.

Numa altura em que se debate cada vez mais questões relacionadas com a desigualdade de género, a desigualdade de género é uma realidade para si?
Embora nunca me tenha sentido discriminada profissionalmente por ser mulher, valorizo essa luta e mantenho um olhar atento a esta realidade que continua a ser um flagelo à escala global. Há não muito tempo atrás seria impensável ir para Direito ou ser advogada. A nossa memória deve permanecer grata às mulheres – e aos homens que as apoiaram -, que lutaram para que hoje outras mulheres, como eu, ocupem cargos ou profissões que antes eram reservadas aos homens. Carolina Beatriz Ângelo, Ruth Ginsburg e tantas outras mulheres continuam a ser o rosto dessa causa e figuras merecedoras do maior reconhecimento e gratidão. Apesar dos esforços legislativos e de todos os exemplos de mobilização na defesa desta causa, a luta pela igualdade de género continua a ser um dos maiores desafios dos Direitos Humanos. Acredito que a chave da mudança está na (re)educação coletiva das gerações passadas, presentes e futuras. O caminho mais sólido, mas também o mais longo, passa necessariamente pela sensibilização de cada um de nós para o princípio da igualdade, nas suas várias dimensões, e pelo reconhecimento dos valores humanos como valores absolutos e inalienáveis, que cabe a cada um de nós defender. Por outro lado, o combate precisa de ser enfrentado como um todo, não podemos esperar que a comunidade responda de forma determinada ao desafio da desigualdade de género quando assistimos diariamente ao atropelo de tantos valores e direitos fundamentais em vários setores e camadas da sociedade.

Para terminar, qual diria que é a sua missão enquanto Advogada?
São várias: continuar a contribuir para a dignificação da advocacia e para a função social que a enobrece; prosseguir o caminho na defesa e na promoção dos Direitos das Crianças e dos Jovens; persistir na luta pela Justiça Social; continuar a dar voz aos direitos coletivos através de projetos e iniciativas sociais que promovam a informação jurídica junto da comunidade. No fundo, continuar a guiar a advocacia pelo humanismo e, no que me for possível, tornar a vida dos que me procuram melhor.