Abordar o tema da Igualdade de Género, o seu enquadramento socioeconómico ou os obstáculos à sua existência plena, quase se afigura uma redundância em pleno séc. XXI. Mas viver neste século não certifica mentes evoluídas, esclarecidas ou justas. A igualdade entre sexos e de género não existe, ainda, sob uma forma que permita quantificar mais benefícios que exclusões. Não existe em muitas regiões, nem sob contextos e realidades que a exigem imperiosamente. Não existe em plenitude nos países desenvolvidos, em Portugal ou, enquanto exercício colectivo e de remuneração justa e valorização do capital humano, nas empresas.
Este não é um tema sobre “homens e mulheres”, antes sobre pessoas iguais em dignidade e por direito, no quadro da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Pressupostos reforçados pelo papel determinante das convenções da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
Num ano em que se assinalam os 25 anos da Declaração e Plataforma de Acção de Pequim – a visionária agenda sobre a inclusão de direitos e a situação das mulheres, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) divulgou “The Gender Social Norms Index” revelando que cerca de 90% dos homens e mulheres, à escala mundial, apresentam algum tipo de preconceito contra as mulheres, fornecendo novas pistas sobre as denominadas “barreiras invisíveis” que as mulheres enfrentam.
O caminho subsiste. A percorrer sob um exercício urgente de redução de desigualdades e efeitos perversos – por vezes, com origem na bondade das próprias iniciativas e normativos – para que as metas necessárias para atingir a igualdade entre sexos e de géneros, nas múltiplas vertentes em que se aplica, deixem de versar a sua “não existência” para se transformarem na aplicação de soluções que integram esses direitos fundamentais no nosso quotidiano.
Quando o óbvio se torna evidente
A igualdade entre mulheres e homens constitui-se como um aspeto essencial da dignidade da pessoa humana que endereça igual visibilidade, poder e participação de ambos os sexos em todos os domínios da vida pública, profissional, privada e familiar.
A investigação mais recente continua a demonstrar que a diversidade de género garante um melhor desempenho geral por parte das empresas, confirmando que o proveito corporativo, a rendibilidade e o interesse comum podem ser integrados e gerar significativos benefícios tangíveis e intangíveis. Organizações não governamentais internacionais – UN Women, UN Global Compact, Women’s Empowerment Principles (WEP), o Grupo do Banco Mundial (com destaque para a agenda da International Finance Corporation (IFC) neste âmbito), o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Fórum Económico Mundial (FEM) – reforçam a imperiosidade de corrigir uma lacuna que o relatório McKinsey Global Institute estimou em 12 triliões de dólares americanos a acrescentar ao crescimento global até 2025.
Também a Catalyst publicou, em Junho último, os resultados da pesquisa “Why Diversity and Inclusion Matter” , tangibilizando benefícios da diversidade: (i) As mulheres são mais propensas a empresas onde a gestão de topo tem representatividade de sexo assegurada, sentindo-se “parte da equipa”; (ii) 35% do investimento emocional e 20% da fidelização à empresa, de cada trabalhador, dependem de sentimentos de inclusão; (iii) as mulheres sofrem menos discriminação e assédio sexual em empresas com culturas corporativas inclusivas; (iv) reduz em 10% o absentismo; (v) aumenta em 60% a criatividade e a inovação; (vi) melhora em 38% o interesse e a intenção de compra por parte do consumidor; (vii) incrementa a rendibilidade da empresa, por triénio, em 38%; (viii) reduz o pensamento padronizado; (ix) melhora a tomada de decisão; (x) reduz conflitos de grupo; (xi) aumenta em 58% a reputação da empresa; (xii) tem um impacto significativo no exercício e nas deliberações da gestão de topo ao nível do risco, do investimento, da sustentabilidade, do clima social e da conciliação com a vida familiar; e (xiii) melhora indicadores de rendibilidade e saúde financeira, nomeadamente ao nível da gestão de activos e desempenho nos mercados de capitais e bolsas de valores.
O FMI, em recente relatório, reforça o contributo para o crescimento económico, por via da alocação de um recurso valioso, a mão-de-obra feminina, que permite a inversão negativa deste indicador no crescimento das indústrias, transformando-o em valor agregado e produtividade, novamente sob a constatação do impacto directo e acrescido nos resultados económico-financeiros.
Os governos – e o Estado Português não é excepção – também reconhecem que a inclusão das mulheres e das raparigas impulsiona o desenvolvimento socioeconómico, favorecendo planos económicos e de desenvolvimento nacional assentes em políticas e incentivos à instituição célere da igualdade social.
Portugal encontra-se na 35.ª posição do “The Global Gender Gap Index 2020”, entre 153 países, com uma subida de 2 lugares face ao ranking anteriormente publicado. Esta avaliação também contempla os 20 países da Europa Ocidental, onde Portugal se apresenta na 16.ª posição, claramente abaixo da média, considerando que este grupo integra Estados-Nação que lideram o índice global em referência. Portugal tem, no contexto dos seus pares comunitários, uma oportunidade extraordinária de evoluir, deixando para trás a discussão em torno do tema, substituindo-a pelo diálogo construtivo e pela continuada definição de políticas e orientações concretas, consequentemente instituindo mecanismos de fiscalização quanto ao seu cumprimento e penalizações quanto à ausência de aplicação e ou de justificação (“comply or explain”).
Apesar de se registarem marcos de progresso, as mulheres e raparigas continuam a enfrentar a marginalização e exclusão, e 2020 foi protagonista de um aparente retrocesso. A pandemia COVID-19 agravou desigualdades sociais existentes, aprofundou e expôs fragilidades nos sistemas económicos e colectivos, tornando-se uma ameaça aos ganhos obtidos ao longo dos últimos anos quanto ao cumprimento de metas sobre a igualdade de género. Provocou um aumento do desemprego, de trabalho, de níveis de violência doméstica e de abandono escolar, mais cuidados não remunerados e um impacto particularmente forte em mulheres com empregos precários e em risco de pobreza, estimando-se que 47 milhões de mulheres e raparigas passarão a linha inferior do limiar de pobreza. As mulheres representam 39% do emprego no mundo e 54% do desemprego provocado pela crise mencionada. E, no entanto, são muitas as mulheres que estão “na linha da frente” como profissionais de saúde, voluntárias, trabalhadoras em indústrias alimentares e de distribuição, de higiene e saneamento, entre outros sectores essenciais à gestão desta pandemia. Com o encerramento de escolas e infantários, as mulheres assumiram responsabilidades adicionais em estruturas de cuidados formais e informais. Um contexto que revelou, também, que a discriminação na própria família encerra, porventura, a mais difícil das mudanças e aquela onde, em todas as regiões do mundo, as mulheres enfrentam maior segregação.
Mas, também existem os bons exemplos que a IFC e a UN Women, nos seus portais e plataformas digitais, apresentam em número crescente de empresas e organizações internacionais que estão a garantir a inclusão económica, de género e o bem-estar social dos seus trabalhadores, clientes e fornecedores, inclusive junto de comunidades locais.
WEP Chapter Portugal, um compromisso para milhões de vidas
Garantir a inclusão dos talentos, habilidades, capacidades, experiências e energias das mulheres requer acções determinadas e políticas específicas. Os Women’s Empowerment Principles (WEP) são uma iniciativa de parceria entre duas agências das Nações Unidas, a UN Women e o UN Global Compact, e foram adaptados a partir dos Calvert Women’s Principles™ (CWP) enquanto primeiro esforço sistemático para aplicar, especificamente à conduta corporativa, os padrões estabelecidos para os direitos humanos e do trabalho que protegem as mulheres. Os “Princípios Calvert” são exemplares quando adoptados por lideranças dedicadas à valorização e autonomia das mulheres, actos de gestão orientados para modelos de investimento inovadores, defesa corporativa e iniciativas políticas que valorizam as capacidades dinâmicas e o capital humano. O desenvolvimento dos WEP consubstanciou-se num processo de consulta internacional a várias partes interessadas, iniciado em Março de 2009 e cujo resultado final foi apresentado a 8 de Março de 2010, Dia Internacional da Mulher.
A sua premissa assenta em exemplos reais e casos estudados, permitindo que estes se constituam como um apoio útil e objectivo às empresas, quanto à convergência com indicadores internacionais e à adopção de políticas e práticas actuais – ou, mesmo na definição de outras, necessárias e inovadoras – capazes de impulsionarem o papel e o contributo das mulheres em todas as vertentes económicas e sociais. Os WEP ajudam o sector privado a empreender a mudança necessária através de planos de acção que assegurem a inclusão social plena, vertendo-a nas políticas e operações corporativas, sob processos, ferramentas e práticas estruturadas e orientadas para a entrega de resultados e subsequentes verificações.
Constituem-se, também, como um importante observatório à escala mundial, onde empresas e organizações várias podem avaliar e contextualizar as suas iniciativas, aceder a benchmarks, melhores práticas e estudos de referência. Sete princípios oferecem orientação às empresas sobre como capacitar e exponenciar a autonomia e o contributo das mulheres e raparigas no exercício profissional, no mercado de trabalho, na educação, na ciência e na sociedade:
1. Estabelecer uma liderança empresarial de alto nível para a Igualdade de Género;
2. Tratar mulheres e homens de forma justa no trabalho: respeitar e apoiar os Direitos Humanos e a não discriminação;
3. Garantir saúde, segurança e bem-estar a trabalhadoras e trabalhadores;
4. Promover a educação, a capacitação e o desenvolvimento profissional das mulheres;
5. Implementar acções na organização, na cadeia de valor e no marketing, que promovam o empowerment das mulheres;
6. Promover e advogar a igualdade junto da Comunidade, e
7. Medir e reportar publicamente o progresso da organização.
A subscrição destes “7 Princípios” firma o compromisso da empresa reflectido na declaração do CEO e suportado por relatórios públicos, políticas e práticas que atestarão, a posteriori, o crescente entendimento destes valores e atributos para a organização, enquanto “pessoa colectiva”, para os seus stakeholders e junto das suas comunidades ou mercados de interacção. É, igualmente, uma exaltação ética, no respeito pelos Direitos Humanos, uma matriz visionária e potencialmente competitiva capaz de acrescer valor reputacional e de marca, simultaneamente edificadora de oportunidades de negócio e de Confiança.
Sob o mote “Equality means business”, os WEP enfatizam a vertente dos negócios para que a acção empresarial potencie a igualdade de género, a paridade salarial e a valorização das carreiras profissionais das mulheres, tendo por referência exemplos de negócios e contribuições recolhidas junto das organizações do sector privado, subscritoras à escala mundial. Além de se constituírem como uma orientação útil para a governance e a rendibilidade das empresas, os WEP Chapter Portugal articulam com outras partes interessadas, igualmente importantes para a correcção das desigualdades sociais e laborais, bem como para consciencializar sobre a integração das raparigas em áreas de formação tendencialmente masculinas.
Mudar, pelas gerações actuais e futuras
A participação das mulheres e raparigas em todos os sectores e níveis de atividade económica, patamares profissionais para os quais revelem qualificações e ou aptidões, traz benefícios tangíveis para qualquer empresa. Mas depende da instituição, de modelos capazes de permitirem detectar essas capacidades e esses talentos como resposta isenta e rigorosa às oportunidades reais ou emergentes, sem esquecer a necessidade de garantir o acesso a meios de formação e de autossuficiência socioeconómica, a conciliar, regra geral, com o papel de “cuidadoras”. Complementarmente, o processo de revisitar e melhorar constantemente o que cada empresa faz, produz, distribui e cria uma força de trabalho representativa da sociedade, do mercado em que opera, ou mais próxima da sua base de clientes potencialmente representativa quanto ao género, idade, etnia, origem cultural, necessidades especiais e orientação sexual.
Os WEP contextualizam a ambição global da Humanidade inscrita nos Objectivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Agenda 2030 da ONU, com ênfase no ODS #5, orientados para o sector privado quanto à disponibilização de conhecimento e ao acompanhamento da implementação destes compromissos nas empresas, por via de:
• Assinatura da Declaração de Apoio aos WEP, subscrita pelo/a Presidente (CEO) da empresa;
• Basear a avaliação e alinhamento das políticas e programas da empresa nos 7 Princípios;
• Desenvolver um plano de acção que diligencie a integração de oportunidades de melhoria, referências, metas e indicadores de cumprimento, entre outros, nos processos internos associados ao reporte decorrente da actividade de compliance;
• Promover a integração de objectivos de cumprimento no modelo de avaliação de desempenho da empresa, com destaque para o exemplo emanado da gestão de topo;
• Adoptar as orientações constantes de relatórios WEP;
• Comunicar o progresso às partes interessadas, maximizando o valor reputacional e competitivo;
• Agir em parceria com outras empresas e stakeholders para uma maior consciencialização sobre os WEP, através de iniciativas inovadoras, tendentes a promoverem uma implementação eficaz;
• Partilhar e divulgar boas práticas e casos de estudo;
• Apoiar a iniciativa WEP Chapter Portugal.
Não há lugar para “favores às mulheres”, mas para exigir o respeito pelos direitos devidos a cada pessoa. Relatórios mundiais e regionais, de entidades idóneas, referem como mais penalizadas as mulheres e raparigas, a nível mundial, concretamente quanto ao acesso à educação, à remuneração digna, à ascensão profissional, ao exercício de poder, ao papel de cuidadoras permanentes, à violência física, entre outros, que não permitem retirar este tema da realidade pública e publicada. E, no entanto, o objectivo é esse: que deixe de ser um tema assente numa perene irresolução, que nos menoriza nessa essência humana que nos distingue pela evolução natural que fizemos. Homens e Mulheres. Somos uma Espécie de capacidades extraordinárias, assente na diferença e na diversidade, mas que apenas se elevará e chegará mais longe quando corrigir as assimetrias de que se alimenta ou se mostra incapaz de equilibrar. Não é uma contenda de mulheres ou para mulheres, mas uma necessidade de colaboração virtuosa, a curto prazo, a todos os níveis, e abrangendo todas as esferas da vida humana. Uma oportunidade com futuro para homens e mulheres, rapazes e raparigas. Viveremos melhor e acrescentaremos maior valor se o fizermos lado a lado, conjugando a solidariedade masculina e amadurecendo a solidariedade feminina.
Porque as mulheres, mais do que protagonistas da história, são suas redactoras. E é neste último papel, que a postura e atitude também precisam de evoluir. Para lá do medo, da culpabilização, da condição física, do preconceito, das máscaras sociais e profissionais, da opinião dos outros e do papel secundário (por vezes, irremediavelmente castrador) a que se votam e a que votam outras mulheres e raparigas. A força, resiliência e sentido de responsabilidade que permitem conciliar inúmeros desafios, e simultaneamente gerar valor em tempos e prazos diferentes, merece ser canalizada para a mais-valia da inerente condição feminina e para a aceitação em atribuir prioridade às próprias ambições e necessidades. Não sendo um exercício fácil, requer disciplina para contrariar estímulos inconscientes do cérebro “reptiliano” – comum a todas as espécies ao determinar a acção por instinto, valorizando a própria sobrevivência (protecção e zona de conforto), as funções vitais, o território (família e poder), a reprodução e repudiando a dor. A forma como ambos os sexos reagem e aplicam as vertentes primitivas, sendo diferente e complementar, pode ser trabalhada de forma consciente para melhorar o desempenho das mulheres e raparigas em áreas, situações ou objectivos que impelem à saída da “zona de conforto e segurança”.
A implementação do WEP Chapter Portugal (Capítulo Português dos Women’s Empowerment Principles), sob a égide das Nações Unidas e com o apoio do UN Global Compact Network Portugal, em Novembro passado, institui um programa de trabalho e apoio à liderança corporativa de alto nível em Portugal para atingir metas em matéria de igualdade de género como factor de valorização e vector produtivo nas empresas, permitindo que homens e mulheres alcancem o seu potencial máximo no exercício das actividades profissionais. A adopção destes princípios por parte de 21 empresas em Portugal, a constituição do modelo multistakeholder de colaboração para iniciativas e projectos inovadores, a plataforma de apoio à validação de aplicabilidade dos sete princípios e partilha de boas práticas e exemplos empresariais, completam a missão WEP em Portugal junto da sociedade, do sector privado, no compromisso com a igualdade plena sob a qual mulheres e homens merecem viver.
Mudar, é preciso
Há que salientar a influência que cada empresa, cada elemento decisor, cada trabalhador pode ter sobre os outros e, acrescidamente, sobre a cadeia de valor. Todos os stakeholders são relevantes, tal como a criação de modelos de envolvimento com as partes interessadas para melhor se conhecerem as suas expectativas, alavancar a evolução da empresa e da sua oferta. Em particular, os colaboradores, clientes e fornecedores, são decisivos para assegurar o alinhamento das políticas e compromissos e a subsequente implementação de acções correctivas das desigualdades entre homens e mulheres, nomeadamente de âmbito laboral, mantendo presente a capacidade de influenciarem dinâmicas associadas à gestão de risco – financeiro, clima social, económico e reputacional -, à rendibilidade e à compliance das operações. A missão, os valores e os compromissos que uma empresa assume fornecem-lhe o quadro conceptual necessário para a implementação e alcance desta premissa universal.
As leis existem, as boas práticas são conhecidas, os exemplos estão acessíveis e o tempo para mudar é… Agora. E são as empresas as entidades mais capazes de impulsionarem a mudança colectiva necessária para inverter dados e números que não se circunscrevem apenas à mais elementar aplicação de direitos fundamentais, antes potenciam a grande transformação e inovação social que veremos acontecer. Individualmente, cada mulher e rapariga assumir-se-á como guerreira, tal como homens e rapazes de firmam como lutadores, para que a Humanidade, enriquecida pelos seus opostos e pela sua diversidade, continue a evoluir em benefício próprio e do extraordinário habitat que a acolhe e alimenta: a Terra.
Porque mudar é preciso, temos uma década para crescer e sete motivos para agir.