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“A atual Lei é um retrocesso na Organização do Território e na Organização Política”

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“A atual Lei é um retrocesso na Organização do Território e na Organização Política”

A reversão das freguesias agregadas em 2012 foi um dos temas em destaque no congresso que a Associação Nacional de Freguesias (Anafre) realizou em Braga. Há dez anos, a reforma administrativa foi aprovada, depois de um processo de quase dois anos de desenvolvimento e discussão política onde todos os intervenientes de então participaram. Miguel Relvas, considerara que Portugal e os cidadãos iriam beneficiar, garantindo que esta seria “uma reforma para pessoas e não para políticos”. No entanto, o novo regime aprovado estabelece uma desagregação que terá de ocorrer nas mesmas condições em que foram agrupadas, não podendo dar origem a novas ou diferentes uniões de freguesias. Segundo o Ex-Ministro, “a atual lei é um retrocesso na organização do território e na organização política. Em 2012, a reforma surgiu na sequência do acordo assinado com a Troika, mas a verdade é que nos últimos dez anos o modelo encontrado foi um modelo que funcionou bem. Na altura, deixámos de ter cerca de 20 mil cargos políticos, demos dimensão às juntas de freguesia que passaram a ter mais massa crítica para que pudessem absorver das Câmaras Municipais, meios e competências”, isto porque deixaram de existir cerca de 1200 freguesias, “mas o que acontece é que as câmaras querem descentralização do estado central e não querem descentralizar para as juntas de freguesia. As juntas de freguesia existem para servir as populações e não para servir os seus autarcas. Os últimos dez anos, apesar de ser um período muito curto na história de um país, mostraram que a reorganização administrativa de 2012, apesar dos profetas da desgraça, foi um sucesso. Portanto, eu considero isto um erro”, acrescenta.

Na realidade, o que sabemos é que após a profunda reforma de 2012, Miguel Relvas garantiu que a mesma levou o país a “poupar milhões de euros”, por esse motivo, o Ex-Ministro considera que o que levou à reversão da lei tenha sido “uma cedência do governo socialista. Eles – os políticos – estão convencidos que a próxima batalha que vamos ter, vai ser a batalha da regionalização. Portugal não precisa de mais regiões, precisa sim de descentralizar competências para as áreas metropolitanas e Comunidades Intermunicipais/Municípios”. Para Miguel Relvas, o agrupamento de freguesias, em muito beneficiava os cidadãos e as freguesias: dava-lhes dimensão, população e massa crítica, para resolver os problemas do seu território. O que permitia que as câmaras pudessem transferir competências e não apenas licenciamentos para as mesmas. “Mas não o fizeram. Em Portugal, a descentralização não vai resultar enquanto a questão que estiver em cima da mesa por parte das câmaras seja a questão de transferir dinheiro apenas”, sustenta. Foram dez anos, dois mandatos autárquicos, e “esta não foi uma questão central nas eleições”. Durante uma década, Portugal viveu com menos 1200 freguesias e com menos 20 mil cargos políticos e “vivemos bem”, garante Miguel Relvas. Apesar de tudo, para o Ex-Secretário de Estado da Administração Local, prevalece a esperança no bom senso político.

Certo é que a Associação Nacional de Freguesias (Anafre) esperava a permissão para a desagregação das freguesias já no ano de 2021, o que não aconteceu porque “havia eleições autárquicas”, e apesar de algumas autarquias já terem iniciado os procedimentos para reverter a agregação de freguesias, Miguel Relvas sublinha que “estamos claramente a dar um passo atrás, quando deveríamos neste momento estar a pensar em agrupar municípios e transferir competências da administração central para as câmaras e das câmaras para as freguesias”. No reverso da moeda, este é um processo que embora considerado simples, precisa de cumprir diversos critérios, isto porque, tudo depende da dimensão e dos resultados das juntas. Contudo, na perspetiva do mesmo, “este é um processo que não tem racionalidade de gestão, nem de eficácia. Não apresenta um verdadeiro propósito nem objetivo, é política pura, má política”.

No que diz respeito a futuros desenvolvimentos desta atuação, Miguel Relvas não hesita, “vamos dar um passo atrás e um passo que no final do dia é apenas enveredar por uma atitude mais populista”. Acrescentando que “tudo isto é uma ilusão para os cidadãos, ao dizer que vão passar a ter a sua própria freguesia. Mas o que as pessoas querem saber é se o Estado, seja ele qual for, se traduz na melhoria da qualidade de vida delas. Vão existir mais políticas de segurança social? Não. Vão existir mais políticas de educação? Não. Vão existir mais políticas de mobilidade? Não. E essa é a questão central, a mobilidade dentro dos próprios concelhos, transportes que possam levar apoio às crianças mais carenciadas no ensino… Estamos a desvirtuar aquilo que importa”. E embora já não esteja na política ativa, o Ex-Ministro e Ex-Secretário de Estado da Administração Local, garante que permanece de consciência tranquila. “Tenho a minha opinião e as minhas convicções, espero que ainda prevaleça algum bom senso”, termina.

Miguel Relvas
Biografia

Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas, nasceu em Lisboa a 5 de setembro de 1961. Viveu em Angola até 1974, tendo regressado a Portugal nesse mesmo ano. Foi Secretário Geral da Juventude Social Democrata entre os anos de 1987 a 1989, já de 1985 a 2009 foi deputado à Assembleia da República. Mais tarde, entre 2002 e 2004 tornou-se Secretário de Estado da Administração Local de Durão Barroso. Ocupou ainda o cargo de Ministro Adjunto do Primeiro Ministro e dos Assuntos Parlamentares no governo de coligação PDS-CDS liderado por Pedro Passos Coelho, até abril de 2013, altura em que pediu a demissão. “O outro lado da Governação”, é um livro de Miguel Relvas em co-autoria com Paulo Júlio, que retrata as dificuldades e as virtudes da governação em Portugal. Revela episódios políticos desconhecidos, destacando as resistências que tentaram travar a primeira reforma estratégica e consistente da administração local executada em Portugal desde o século XIX. Partindo da sua experiência, Miguel Relvas fala das complexas negociações com a troika e das relações politicamente exigentes com a Associação Nacional dos Municípios Portugueses e com a Associação Nacional de Freguesias (Anafre), além de outros temas controversos e pouco conhecidos da opinião pública.