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Saúde Mental enquanto prioridade em Portugal

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Saúde Mental enquanto prioridade em Portugal

A missão que o Programa Nacional para a Saúde Mental (PNSM) tem vindo a desempenhar ao longo dos últimos dois anos, como atingir uma maior visibilidade mediática para esta área bem como garantir um financiamento adequado às necessidades das populações, foi naturalmente impulsionada pela pandemia que vivemos hoje a nível mundial. Miguel Xavier, Diretor do PNSM, afirma que “a saúde mental dos portugueses não se pode medir apenas pela existência ou ausência de doença mental, mas também pelos níveis gerais de bem-estar. Aquilo que verificamos em inquéritos internacionais no que respeita ao nível de bem-estar reportado pela população, é que Portugal está sistematicamente nos últimos lugares. Este é um aspeto determinante para esta área: é importante que as pessoas saibam que, muitas vezes, são os fatores sociais que determinam o aparecimento de problemas de saúde mental”. Mas será que Portugal está hoje num bom caminho no acesso e tratamentos públicos? O nosso entrevistado sustenta que, atualmente, o país está substancialmente melhor. Contudo, ainda não se pode dizer que já existam recursos humanos suficientes para responder às necessidades da população. “O único contingente que apresenta números razoáveis é o de psiquiatras de adultos. Quer a nível de médicos de psiquiatria infantil e adolescência, quer no que respeita a todos os restantes profissionais de saúde mental, como enfermeiros, psicólogos, técnicos superiores de serviço social, terapeutas ocupacionais, existe ainda um deficit considerável. É por isso que tenho dito repetidamente que na saúde mental não tem havido um verdadeiro investimento nas últimas duas décadas, para além do financiamento que se destina ao regular funcionamento dos serviços. Ainda assim, durante a pandemia, é interessante constatar que as únicas especialidades médicas que cresceram na sua produção em termos de consultas foram exatamente a Psiquiatria e a Psiquiatria Infantil. Penso que este facto demonstra o esforço que foi feito pelas equipas nestas áreas”. Após várias tentativas de implementação do plano nacional de saúde mental, todas elas obstaculizadas por questões organizativas e de financiamento, é possível afirmar que hoje a saúde mental é cada vez mais olhada como uma prioridade em termos de saúde pública, e que se conseguiu reunir um conjunto de condições e circunstâncias, antes raramente verificadas, que constituem uma oportunidade real de mudança.

Consciencialização e Sensibilização

Se anteriormente a saúde mental não era (re)conhecida pela importância e pelo impacto que tem na vida dos indivíduos e famílias, hoje a tendência tem vindo a mudar. Esta mudança passa, sobretudo, pela consciencialização e sensibilização que, inevitavelmente se realçou com a pandemia da COVID-19. Apesar das inúmeras adversidades impostas por estes tempos complexos, para Miguel Xavier, a priorização da saúde mental foi um dos resultados (indiretamente) positivos da pandemia. “De facto, esta pandemia trouxe para a agenda mediática a questão da saúde mental, que já existia em outros países, mas não em Portugal. Penso que, com o tempo, este impacto mediático se poderá esbater um pouco, mas a visibilidade que se criou irá permanecer. Porquê? Porque pela primeira vez um problema que atribuíamos sempre aos outros, e nunca a nós, nos entrou de repente em casa. Nos últimos meses, todos vivemos ou assistimos a pessoas próximas com problemas nesta área, e percebemos que no que diz respeito à saúde mental, todos somos vulneráveis”. Em consequência de toda a informação que dia a dia nos chega, o estigma associado à doença mental tem também vindo a diminuir nos inquéritos feitos na população geral, ainda que seja muito difícil de saber se isso será, ou não, uma tendência permanente. “O estigma em relação à doença mental é algo com séculos. As pessoas com estes problemas eram escondidas e colocadas longe das comunidades, atrás de muros. Houve uma mutação muito grande neste conceito e hoje tudo está mais encaminhado no sentido da desinstitucionalização e de garantir que a maior parte dos cuidados são prestados em hospitais gerais e na comunidade”, refere o Diretor do PNSM.

Os pilares da reforma da Saúde Mental

Entre as várias áreas que o Plano de Resiliência e Recuperação (PRR) abrange, a saúde mental conta com um financiamento significativo para poder levar a cabo algumas melhorias e transformações importantes. Em curso há algum tempo, o processo de reforma vai agora sofrer uma aceleração, com mudanças a vários níveis, tal como Miguel Xavier revela: “Um primeiro pilar a mudar será a nível da legislação. Irão ocorrer mudanças na lei da saúde mental bem como no modelo de organização de serviços, no sentido de se reforçar o papel e competências das coordenações nacional e regionais”. Os serviços de saúde mental que se encontram em condições logísticas deficientes, incluindo na área forense, serão modernizados. O diretor do PNSM acrescenta que “a nível dos serviços, outro pilar fundamental é a criação de novas equipas comunitárias – equipas multidisciplinares que contam com médicos, enfermeiros, psicólogos, terapeutas ocupacionais, técnicos superiores de serviços social, entre outros profissionais. Já foram criadas as primeiras dez equipas, sendo que, ao todo, estão previstas 40. Se tivesse de identificar o núcleo fundamental desta reforma, seria esse. Quando estiver concluída, será seguramente uma mudança muito significativa para o nosso país”. As mudanças continuam. Neste plano de reforma contam-se ainda alterações a nível da psiquiatria infantil e da adolescência. “Nós nunca poderemos ter uma boa saúde mental em adultos, se não investirmos a fundo na saúde mental infantil”. A terminar algumas das vertentes mais importantes planeadas para o futuro da saúde mental em Portugal estão as chamadas doenças mentais comuns, “que são as situações mais frequentes na clínica diária, como a depressão e a ansiedade. Estas situações não devem ser tratadas primariamente em serviços de saúde mental, mas sim em Centros de Saúde, recorrendo só aos serviços especializados em caso de necessidade. Mas, para isso, é preciso que nos Centros de Saúde existam programas de abordagem não-farmacológica: nesse sentido, terá de haver um reforço das equipas nestes locais, nomeadamente de psicólogos”. ▪

O futuro da Saúde Mental em Portugal

Ao todo serão quatro anos na concretização das medidas previstas no Plano de Recuperação e Resiliência. Isto não significa que a reforma da saúde mental não tenha de se prolongar para lá desse tempo, tal como tem ocorrido em países que iniciaram este processo no fim dos anos oitenta do século passado. Se, para Miguel Xavier – a voz do Programa Nacional para a Saúde Mental – nas últimas décadas pouco se investiu na reforma dos serviços de saúde mental, hoje, o próprio afirma que as perspetivas são bastante mais encorajadoras. “Gostaria de frisar a melhoria da saúde mental não depende apenas da existência de bons serviços, mas também na aposta das abordagens de promoção e prevenção. Um país para ter uma boa saúde mental precisa de ter uma sociedade equilibrada, com um nível socioeconómico razoável, prestando uma atenção especial à questão das desigualdades sociais”, afirma. Não é por acaso que, este ano, o Dia Mundial da Saúde Mental, comemorado a 10 de outubro desde 1992, é exatamente dedicado à desigualdade social. Apesar de as reformas de saúde mental serem processos longos e demorados, Portugal tem uma oportunidade única de os acelerar, aproximando-se dessa forma dos restantes países da Europa ocidental. Para tal, será necessário implementar o que está previsto, o que não deixa de ser um desafio para o qual toda a sociedade deve ser convocada a participar.