Início Atualidade “Enquanto tiver Razão e Consciência não deixarei de lutar por aquilo em que Acredito”

“Enquanto tiver Razão e Consciência não deixarei de lutar por aquilo em que Acredito”

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“Enquanto tiver Razão e Consciência não deixarei de lutar por aquilo em que Acredito”

A Maria de Belém Roseira é Licenciada em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, tendo enveredado por uma carreira profissional no âmbito dos Assuntos Sociais. Quais os motivos que a levaram a optar por este caminho?
Nem sempre a vida se desenvolve de acordo com os nossos planos. Na verdade, a minha vontade, ao ter escolhido Direito, era a de seguir carreira na Advocacia. No entanto, à época, a independência ganhava-se através da autonomia financeira e os estágios não eram remunerados. Razão pela qual, aproveitei a chamada “Primavera Marcelista” que renovou e qualificou a Administração Pública através da contratação de jovens licenciados e entrei no, ao tempo, Ministério das Corporações e Previdência Social. Ao mesmo tempo fazia o estágio de advocacia e, completado este, inscrevi-me na Ordem dos Advogados. Com a ocorrência do 25 de Abril, e logo no 1º Governo Provisório, foi necessário encontrar um/a jurista que fosse dar apoio ao gabinete da Secretária de Estado da Segurança Social, a Senhora Engª Maria de Lourdes Pintasilgo e a minha Diretora de Serviços indicou-me a mim.
Ora, esta época foi muito empolgante, pois tudo o que tínhamos sonhado para o desenvolvimento do país só era possível em Democracia, e ela tinha chegado. Não havia tempo a perder, tal era a dimensão das tarefas a empreender em todos os domínios. Mas o social, numa conceção alargada, requeria uma prioridade elevada. O Estado Novo, cultor do obscurantismo e inimigo da liberdade, tinha atolado o país num atraso que não nos permitia desabrochar. Era indispensável avançar na adoção dos Direitos Humanos enquanto doutrina sobre a qual assentavam todas as políticas e concretizar este desiderato impunha transformações estruturais profundas. Trabalhou-se muito e com um entusiasmo transbordante. Tive a extraordinária oportunidade de aprender imenso e sinto-me mesmo repositório de conhecimento do que se viveu e do que se realizou nessa época. Vivi diretamente a primeira década desta nossa História recente, quer enquanto membro de gabinetes do Governo, quer como funcionária da Administração Pública que tinha a seu cargo a elaboração dos diplomas legais que permitiam a concretização das políticas sufragadas. A principal mudança no domínio das políticas sociais consubstanciou-se na consagração da universalidade do acesso decorrente da igual dignidade de todos os seres humanos na linha, aliás, do estabelecido na Declaração Universal dos Direitos Humanos e na Convenção decorrente do Conselho da Europa, instituição à qual Portugal aderiu logo em 1976. É evidente que esta área de trabalho me atraiu imenso e, para além disso, todos os meus dirigentes gostaram de trabalhar comigo. Surgiram sempre oportunidades muito empolgantes, mas não deixei de me estrear na advocacia e de, sempre que tal era permitido, me debruçar pelos outros setores social e privado. Até porque não se pode, em meu entender, condicionar a vivência dos diversos setores de atividade através da produção legislativa sem conhecer os seus problemas e as dificuldades com que se debatem. Sempre tive uma enorme capacidade de trabalho e uma família extraordinária e evoluída que me apoiou incondicionalmente.

Certo é, ao longo da sua vida e carreira de sucesso, ocupou inúmeros cargos de liderança e deu voz a temas que muito dizem à sociedade e que marcaram o progresso de Portugal. Quão gratificante é, para si, enquanto pessoa, mulher e profissional, observar tudo o que conquistou até à data?
Sim, ocupei muitos lugares de liderança e recusei, também, muitos convites para lugares de liderança. De entre estes, e antes de ter estado no Governo, designadamente os que partiram da minha família política. Sempre tive muito vincada em mim a importância da meritocracia e não convivia bem com suspeições de favorecimento partidário na nomeação para lugares de grande responsabilidade. Essa postura deu-me sempre uma imensa liberdade e, por isso, pude ser porta voz de temas que eu conhecia bem, que podiam, até, ser delicados, mas que tinham que ver a luz do dia para poderem ser equacionados. Tenho a enorme satisfação de ter deixado saudades nas várias instituições cuja liderança assumi e não há melhor tributo que esse.

A Maria de Belém Roseira é, por todos os motivos, um excelente exemplo de que a liderança nada tem a ver com género e que a igualdade tem, em toda e qualquer situação, de prevalecer. Tendo sido ainda Ministra para a Igualdade, como nos pode descrever a evolução do tema em Portugal?
É muito interessante que a criação do cargo de Ministra para a Igualdade tenha sido objeto de tanta crítica e a sua abolição um ano depois tenha também sido alvo de ainda mais crítica. Em praticamente todos os países mais desenvolvidos da União Europeia (EU) existia esse cargo pelas razões que hoje já são quase unanimemente consideradas certeiras. Isso significa que se percebeu a sua importância e o empobrecimento que significa para toda uma sociedade não aproveitar todo o talento disponível. Mas, o pior de tudo, é a falta de respeito pelos direitos iguais inerentes a toda a espécie humana, qualquer que seja a sua condição. Enquanto Ministra para a Igualdade não me acantonei à desigualdade de género, mas antes a todas as desigualdades. O exercício no Ministério da Saúde foi muito marcante no sublinhar que as desigualdades matam! Esse é o ponto de observação mais capaz de perceber que as desigualdades se exprimem em doenças mais graves e com pior prognóstico e isso afeta tudo o resto das vivências de cada um de nós. Tenho a perfeita noção de que o tema da desigualdade de género era considerado coisa de Mulheres e, consequentemente de relevância menor e depois do trabalho desenvolvido cresceu muito em termos de dignidade e importância.

Sente que a presença feminina é cada vez mais vincada no universo do Direito? Que metas gostaria de ver cumpridas neste mundo no que concerne à paridade?
Sim, quando eu fui para Faculdade de Direito de Coimbra em 1966, nas várias centenas de estudantes contar-se-iam por poucas dezenas as de sexo feminino. Para além disso, professora ou mesmo assistente, não havia nem uma! Quer no Direito da Família, quer no Comercial, quer no Penal, as desigualdades consagradas na lei para as mulheres eram escandalosas. Quando eu terminasse o curso, com o mesmo conteúdo do dos meus colegas homens, havia duas carreiras que me estavam vedadas, à partida: a diplomática e a das magistraturas. A revolução democrática veio alterar tudo isto. Hoje o panorama é radicalmente diferente do ponto de vista legal e tive a feliz oportunidade de para isso ter contribuído, quer como governante, quer como Deputada. Mas, do ponto de vista cultural subsistem imensos constrangimentos. Razão pela qual, cada um e cada uma de nós tem um papel a desempenhar. Enquanto cidadãos, enquanto pais, enquanto educadores, enquanto dirigentes, enquanto empresários, enquanto governantes, e por aí adiante. O caminho é longo e árduo e aí estão os relatórios internacionais a demonstrar que, a continuarmos neste ritmo, ainda faltará mais de uma centena de anos para que a igualdade de género seja alcançada em todas as suas dimensões.

Atualmente é Presidente da Direção da Maratona de Saúde, que visa financiar a investigação científica para acelerar a descoberta de tratamentos inovadores e a cura de várias doenças e ainda sensibilizar para o facto de que a ciência, efetivamente, traz esperança. Além do que já desenvolveu e de todas as iniciativas que impulsionou, que mais-valias esta associação acarreta na sua vida e ainda para a humanidade?
Esta Associação tem desenvolvido um trabalho extraordinário, não só na mobilização da cidadania para ser agente do aprofundamento do conhecimento que dá vida à vida, como no apoio, através dos financiamentos recolhidos, a equipas de investigação extraordinárias cujo trabalho mais dificilmente singraria sem esse financiamento atribuído. As bolsas atribuídas são selecionadas com toda a isenção por um júri internacional no qual participa a Fundação para a Ciência e Tecnologia. Para além disso, e ao longo dos seus cerca de dez anos de vida, a atividade que tem desenvolvido no domínio da literacia em saúde tem sido muito ativa e intensa em vários órgãos de comunicação social, com especial destaque para a RTP. Mas desempenho outros cargos que me honram muito e de que menciono apenas a Presidência do Conselho Estratégico da Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa, a Presidência do Conselho Consultivo do Instituto de Higiene e Medicina Tropical da Universidade Nova de Lisboa, ou a presidência do Conselho Geral da Fundação Serviço Nacional de Saúde. Para além disso, sou membro do Conselho das antigas Ordens Militares. Desenvolvo, ainda, uma intensa atividade em conferências, júris de prémios, entre outros. Como vê, continuo a trabalhar com intensidade, o que me dá imenso prazer.

Não ficando por aqui, é ainda sócia-gerente da Priorikey – uma empresa de serviços de gestão e consultadoria. Além da sua evidente experiência na área, o que destaca esta marca no mercado e qual a missão que, diariamente, concretiza?
Tento pôr toda a experiência e conhecimento que granjeei com o trabalho, imenso, intenso e diversificado que tenho desenvolvido ao longo da minha vida ao serviço de causas e de projetos que considero importantes para a coesão social e para o desenvolvimento do país. Convivo mal com o paroquialismo que nos mantem num atraso relativo que não é aceitável.

Todos nós somos movidos diariamente por algo que nos fascina ou por um objetivo concreto que desejamos alcançar. Qual tem vindo a ser o seu estímulo diário ao longo dos anos? Na sua perspetiva, o que falta ainda concretizar?
O meu estímulo é sentir que o país poderia estar muito mais avançado e as pessoas viverem níveis de desenvolvimento muito mais gratificantes do que aqueles a que têm acesso. É certo que evoluímos muito, mas também é certo que poderíamos ter evoluído muito mais. E eu não me conformo com isso. Enquanto tiver razão e consciência não deixarei de lutar por aquilo em que acredito.

A Maria de Belém Roseira é, de facto, uma inspiração para muitas mulheres e o seu testemunho é importante para que as mesmas concretizem os seus sonhos e não percam a esperança. Neste sentido, gostaria de deixar uma mensagem a todas as mulheres que também ambicionam percorrer um caminho de sucesso?
Sim, com todo o gosto! As desigualdades são uma ofensa à doutrina dos Direitos Humanos. Para que ela seja cumprida, precisamos de Homens e Mulheres justos. Não é uma luta que se faça em solidão. Por isso, a minha mensagem principal é: nunca desistam de lutar por aquilo que corresponde aos vossos direitos, mas não corram riscos exagerados. Rodeiem-se dos/as aliados/as certos/as. Perderão muitas vezes, mas ganharão outras, e o importante é que a vida de cada uma de vós contribua para que o mundo e a nossa vivência coletiva fique um pouco melhor do que estava quando cá chegaram!