“A APDA é hoje a associação mais representativa do Setor da Água em Portugal”

A propósito do Dia Mundial da Água, celebrado a 22 de março, a Revista Pontos de Vista conversou com Rui Godinho, Presidente do Conselho Diretivo da APDA – Associação Portuguesa de Distribuição e Drenagem de Águas e Membro do Board of Governors do World Water Council. Entre outros temas, imperou a necessidade de alertar a população sobre a necessidade de preservação da água, um recurso vital cada vez mais escasso.

103

São já 35 anos de existência da Associação Portuguesa de Distribuição e Drenagem de Águas (APDA), a favor das melhores políticas e melhores práticas no setor da água, tanto em Portugal como internacionalmente. Que análise faz desta atividade até ao momento?
Faço um balanço bastante positivo. A APDA é hoje a associação mais representativa do Setor da Água em Portugal e com uma expressão internacional muito significativa, pois está representada e intervém, com diversos níveis de responsabilidade, nas mais importantes organizações do Setor da Água: World Water Council, Eureau, OCDE, IWA e Water Europe.
Além disso, estruturámos uma forma de trabalhar baseada em Comissões Especializadas, Núcleos e Grupos de Trabalho que, atualmente, abrangem todas as áreas que interessam à gestão sustentável dos recursos hídricos e dos serviços de água e saneamento, trabalhando com continuidade. Assumem-se como produtores e divulgadores de conhecimento, através do estudo e debate, formulando propostas para as realidades que analisam como se de um laboratório de ideias se tratasse, permitindo ao Conselho Diretivo elaborar e melhorar as suas “linhas programáticas”.
O ENEG – Encontro Nacional de Entidades Gestoras de Água e Saneamento, que a APDA organiza, nos anos ímpares, com uma periodicidade bienal, já se constitui como a maior e mais inovadora conferência sobre o que importa debater no Setor.
A Revista APDA e a quinzenal APDA NEWS são também duas referências no plano editorial dedicado aos problemas da Gestão da Água e dos Serviços de Água e Saneamento.

Analisando o setor que a APDA defende, e sendo esta uma incentivadora de mudança, quais é que têm vindo a ser as grandes prioridades da Associação?
Contribuir para a sustentabilidade económico-financeira do setor através da superação dos défices estruturais e dos desequilíbrios internos, manifestados num dualismo profundo caracterizado por mais de 2/3 das entidades gestoras terem uma dimensão inferior a dez mil clientes, provocando uma falta de resiliência, que urge resolver, com o consequente fomento de ganhos de eficiência.
Na primeira linha de prioridades surge a diminuição das perdas de água e dos consumos ilícitos, através da reabilitação e renovação das infraestruturas, desenvolvendo uma eficiente “gestão de ativos”. Segue-se a necessidade de encontrar uma solução segura para o tratamento e gestão sustentável de lamas e alcançar a otimização da eficiência hídrica e energética.
A ausência de resiliência do setor e o seu agravamento conjuntural decorrente da pandemia da Covid-19 impõem também, com muita nitidez, a exclusão ou gradação de outros objetivos a prosseguir, designadamente no âmbito do PENSAARP 2030 (águas pluviais, por exemplo), para que o setor possa crescer harmoniosamente, sem demasiadas tensões sobre as entidades gestoras e, indiretamente, sobre os consumidores.
Importa, pois, contribuir para garantir que a afetação de fundos ao setor passe a ser mais equilibrada e consistente do que foi no Plano de Recuperação e Resiliência, onde somente 2,5% das verbas foram alocadas a projetos do Ciclo Urbano da Água.

Promover a reflexão sobre a água em toda a sua cadeia de valor e contribuir para melhorar a sua gestão está no código genético da APDA. Sabendo que estamos perante um recurso cada vez mais escasso, qual tem vindo a ser o papel da Associação na consciencialização deste facto junto da comunidade?
Chamando a atenção para que sejam adotadas medidas dirigidas ao uso eficiente da água, implementado sem mais adiamentos o PNUEA – Programa Nacional para o Uso Eficiente da Água, atualizando o seu Plano de Implementação aprovado em 2012, mas nunca concretizada.
Também temos preparada uma campanha de informação e sensibilização relativa ao “Valor da Água” nas suas vertentes económica, ambiental e sanitária, sublinhando a sua condição de “recurso vital” e de fator essencial para construir um desenvolvimento realmente sustentável.
É fundamental contemplar não só a garantia dos serviços urbanos de água e saneamento – em quantidade e qualidade assegurada e controlada – como também assegurar que os suprimentos de água adequados estão disponíveis para todos os tipos de produção (alimentos, energia, indústria, transporte, turismo, bens culturais e paisagísticos, preservação dos ecossistemas e da biodiversidade e dos seus “serviços”), promovendo, nomeadamente, “soluções baseadas na natureza”. Importa incluir, igualmente, provisões de água doce existente nas zonas húmidas, como “tampão” à disseminação de vírus perigosos de animais para humanos (como é o caso do SARS-CoV-2), potencialmente indutores de perigosas pandemias.
Sublinhar, portanto, de forma nítida, que a gestão da água e a determinação do seu “valor”, implicam uma análise comparada e sustentada, em permanência, dos vários usos da água.

A água é, efetivamente, um recurso limitado que todos devemos proteger e valorizar, não só para a preservação dos ecossistemas, mas também por uma questão de respeito pelas gerações futuras. Na sua perspetiva, que comportamentos são urgentes adotar?
Aprovar e implementar medidas que conduzam a considerar o “recurso água” como um “ativo estratégico” para a saúde, a economia, a alimentação, o desenvolvimento e a segurança do País, quer se trate de águas superficiais quer subterrâneas, promovendo, assim, a “Segurança Hídrica do País”.
Impõe-se garantir que as Bacias Hidrográficas, como “organizações naturais do território” possam ser planeadas e estruturadas como verdadeiros “corredores de desenvolvimento sustentável”, como inspiradamente as designou o Professor Augusto Mateus.
Estes factos, associados aos cenários, cada vez mais credíveis, de sermos confrontados com situações de escassez e carência extremas, devem suscitar, assim, uma preocupação crescente na sociedade portuguesa quanto à urgência na definição e aplicação de uma Estratégia Nacional de Garantia de Segurança Hídrica para o País.

A 22 de março é celebrado o Dia Mundial da Água – data instituída pela Organização das Nações Unidas em 1993 com a finalidade de alertar a população sobre a necessidade de preservação do recurso. Considera que as pessoas já estão conscientes para esta questão? O que falta para que todos passemos a adotar melhores práticas?
Desenvolver ações permanentes de envolvimento dos principais stakeholders e das comunidades aos níveis nacional, regional e local, no sentido de colocar a “Água” no topo da agenda política, sendo notório que do extraordinário avanço no conhecimento, patente nos diferentes eventos e trabalhos de investigação sobre as “alterações climáticas”, resulta que a água é o mais importante fator a ter em conta na definição e aplicação das políticas para enfrentar os efeitos devastadores daquelas para a vida humana, emergindo como o mais relevante fator no âmbito de “Os Nove Limites do Planeta”, segundo o Centro de Resiliência de Estocolmo1.

A verdade é que se trata de um problema à escala mundial que, se o mundo não atuar com urgência, a população viverá com acesso limitado à água. Assim, enquanto Presidente do Conselho Diretivo da APDA e uma voz ativa nesta questão, que mensagem gostaria de deixar aos leitores, para o uso consciente deste recurso?
Há que tomar uma atenção redobrada a que “o aquecimento global e as alterações climáticas associadas contribuem, de forma clara, para intensificar as secas no Sul da Europa (onde nos situamos) e na África Ocidental, com previsão de o número de vítimas “crescer dramaticamente”, a menos que se atue de forma a travar esta tendência.
Cenários de aumentos de temperatura média de 1,5 ºC, 2 ºC e 3 ºC, provocarão na União Europeia e no Reino Unido situações de seca com perdas económicas a subirem para mais de 65 mil milhões €/ano (hoje 9 mil milhões €/ano).
O previsível agravamento desta situação, que tende a tornar-se sistémica, pode vir a causar estragos numa escala que rivalizará com a pandemia da Covid-19. Segundo a Senhora Mami Mizutori, Representante Especial do Secretário-Geral das Nações Unidas, António Guterres, para a Redução de Risco de Desastres (UNDRR) “a escassez de água e a seca estão prestes a tornar-se a próxima pandemia e não existe vacina para curá-la”.
Constitui um inabalável dever contribuir para que estas previsões não se tornem realidade.

Em 2022 a APDA abraçou o Dia Mundial da Água lançando um desafio simples, mas fundamental: fechar a torneia por uma hora, sem qualquer consumo de água, num gesto deliberado e consciente. Para este ano, que iniciativa a Associação vai promover?
Mantemos essa ação de sensibilização que, nos dois últimos anos se revelou muito apropriada, dada a extraordinária adesão que suscitou.
Entretanto, respeitando a autonomia de todos os nossos membros e do setor em geral, mas principalmente as Entidades Gestoras, estarão em preparação inúmeras ações por todo o País, incluindo as Regiões Autónomas, em coerência com as cerca de 200 assinaturas da “Declaração de Compromisso para Adaptação e Mitigação das Alterações Climáticas nos Serviços de Águas”, que a APDA promoveu em 2022, através da Comissão Especializada que se dedica a este tema.

1 Stockholm University. Website: Stockholmresilience.org